No meio da Cracolândia, histórias de quem resistiu ao ‘inferno’ e sobreviveu
Uma semana após a megaoperação policial que acabou com o quadrilátero do crack, moradores relembram a ação, ajudam uns aos outros a encontrar um local para morar e redescobrem as ruas que passaram anos ocupadas por viciados e traficantes
SÃO PAULO - Eram 6 horas do domingo passado, dia 21, quando Sara dos Santos Silva, de 50 anos, e os filhos Rita Vitória, de 12, e João Vitor, de 10, foram surpreendidos com gritos e chutes na porta. Era a polícia. O menino escondeu o rosto debaixo do cobertor, depois que viu investigadores armados. A família saiu do local, uma pensão na Alameda Dino Bueno, com todos os demais moradores. Na volta, encontrou tudo destruído. “Perdi tudo”, disse ela.
No meio da Cracolândia, histórias de quem resistiu ao ‘inferno’ e sobreviveu
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No meio da Cracolândia, histórias de quem resistiu ao 'inferno' e sobreviveu
O aposentado Abidias, de 83 anos, foi encontrado no chão de um bar Foto: Alex Silva/Estadão
No meio da Cracolândia, histórias de quem resistiu ao 'inferno' e sobreviveu
Após saques em quarto, Sara e os dois filhos agora moram de favor Foto: Alex Silva/Estadão
No meio da Cracolândia, histórias de quem resistiu ao 'inferno' e sobreviveu
Prefeitura emparedou pensões na área da Cracolândia Foto: Felipe Rau/Estadão
No meio da Cracolândia, histórias de quem resistiu ao 'inferno' e sobreviveu
Abidias foi levado a um abrigo Foto: Alex Silva/Estadão
No meio da Cracolândia, histórias de quem resistiu ao 'inferno' e sobreviveu
Operação policial aconteceu no domingo passado Foto: Werther Santana/Estadão
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A Rua Helvétia e a Alameda Dino Bueno ganharam um novo cenário há umA semana. Barracas que vendiam crack 24 horas por dia para cerca de mil usuários que fechavam todos os acessos foram substituídas por crianças, jovens e adultos que usam o mesmo espaço para conviver e ter momentos de lazer. Dentro dos quartos destruídos das pensões, porém, famílias dividem espaços minúsculos. Outras buscaram moradias em porões com condições insalubres. O medo de todos é não ter e não saber para onde ir.
O Estado visitou durante toda a semana o antigo quadrilátero do crack e conheceu histórias de famílias que perderam seus poucos pertences durante a operação da Polícia Civil que resultou na prisão de 52 traficantes. Mesmo com pouco, elas conseguem ajudar umas às outras. A reportagem também conversou com usuários da droga na nova Cracolândia que se instalou na Praça Princesa Isabel.
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
1 / 20Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Segundo a polícia, 20 quilos são vendidos por dia com um faturamento estimado em R$ 8 milhões mensais Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Justiça expediu cerca de 70 mandados de prisão e 50 de busca e apreensão Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Ruas da Cracolândia foram cercadaspor policiais; muito lixo também foi espalhado pelas vias da região Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Usuários de drogas revoltados e angustiados com a ação na Cracolândia Foto: WERTHER SANTANA/ESTADAO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Operação foi encerrada por volta das 8h30; PMs permaneceram na região da Alameda Dino Buenopara garantir a segurançados garis durante a limpeza Foto: WERTHER SANTANA/ESTADAO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Policiais civis e policiais militares do Comando e Operações Especiais (Coe) também cumpriram ação na Favela do Moinho Foto: GABRIELA BILO/ ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Agentes ingressaram no interior da favela em busca de procurados Foto: GABRIELA BILO/ ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Operação policial também chama a atenção de animais de estimação da Favela do Moinho, na zona central de São Paulo Foto: GABRIELA BILO/ ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Foco da operação está na Alameda Dino Bueno; segundo a polícia, traficantes montaram 34 barracas na via para vender crack 24 horas por dia Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Segundo a polícia, 20 quilos são vendidos por dia com um faturamento estimado em R$ 8 milhões mensais Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Polícia Civil realiza, na manhã deste domingo, 21, uma grande operação na região da Cracolândia, no centro de São Paulo Foto: WERTHER SANTANA/ESTADAO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Traficantes contam com a ajuda dos usuários, cerca de 800, que ocupam a rua e dificultam a entrada da polícia Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Helicópteros sobrevoam a Cracolândia e a região está totalmente cercada; policiais também apreendem armas Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Usuários de drogas acompanham operação policial na Cracolândia Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Não foram vistos assistentes sociais acompanhando a ação e a polícia não informousehouve planejamento para encaminhar os usuários a um abrigo ou unida... Foto: WERTHER SANTANA/ESTADAOMais
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Cerca de dez viaturas chegaram à região às 7 horas na Favela do Moinho Foto: GABRIELA BILO/ ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Favela do Moinho: Helicóptero da Polícia Civil sobrevoou o local em apoio à operação Foto: GABRIELA BILO/ ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Policiais civis e policiais militares do Comando e Operações Especiais (Coe) também cumprem mandados na Favela do Moinho, na região central Foto: GABRIELA BILO/ ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Moradores acompanham a operação apreensivos; crianças também observam a ação policial Foto: GABRIELA BILO/ ESTADÃO
Polícia faz operação para prender traficantes na Cracolândia
Policiais também cumprem mandados na Favela do Moinho, na manhã deste domingo Foto: GABRIELA BILO/ ESTADÃO
Sara, que morava na Dino Bueno, contou que depois da operação policial ninguém ficou vigiando os quartos dos moradores. Muitos foram saqueados, incluindo o dela. Agora, a mãe e os filhos moram em outra pensão, na Rua Helvétia. “Estou aqui de favor, porque um amigo nos deixou ficar sem pagar nada. Não sei até quando.” Ela perdeu a primeira etapa do cadastramento feito pela Prefeitura para moradias populares. “Ninguém sabe quando vão voltar.”
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O filho João Vitor sorri o tempo todo e aproveita para jogar bola e andar de skate nos fins de tarde na Rua Helvétia. A nova rotina veio depois da operação da polícia. “Antes, ficava um monte de gente na frente e era muito perigoso”, disse. O cabelo comprido na altura da cintura não atrapalha. O menino aprendeu a andar de skate aos 2 anos, quando a família chegou à Cracolândia. “Eu desviava dos ‘noias’”, relatou. Quando parou um pouco para descansar, ele contou um segredo: “Sabe tio, eu quero vender o meu cabelo para comprar uma casa para a minha mãe. Eu sei que ela sofre demais.”
Há dez anos, uma fotografia do menino ganhou os jornais. A família morava no Edifício São Vitor, conhecido como Treme-Treme, quando o local foi alvo de uma operação policial para cumprir ordem judicial de desocupação. Sara estava com João Vitor no colo, no primeiro andar do prédio. “Ele começou a passar mal com o gás jogado pela polícia. Foi então que me aproximei da janela e vi que as pessoas lá embaixo faziam uma espécie de cordão para segurá-lo. Um rapaz veio por outra janela, pegou o João Vitor e se esticou o máximo para que ele caísse nos braços daquelas pessoas”, lembrou Sara.
Um dia após megaoperação na Cracolândia, usuários de droga seguem no centro de São Paulo
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Cracolândia
Apósa megaoperação das Polícias Civil e Militar neste domingo, 21, o centro de São Paulo amanheceu com usuários de droga em ruas da região e do entorn... Foto: Werther Santana/EstadãoMais
Cracolândia
A reportagem doEstadoconstatou nesta segunda-feira que os usuários avançaram para outras vias fora do 'quadrilátero do crack'. Foto: Werther Santana/Estadão
Cracolândia
O chamado 'quadrilátero do crack' é formado por Alameda Dino Bueno, Rua Helvétia, Alameda Cleveland e Avenida Duque de Caxias. Na foto, o cruzamento d... Foto: Werther Santana/EstadãoMais
Cracolândia
O lixo que se acumulou após a megaoperação também continuava nas ruas da região nesta segunda-feira. Foto: Werther Santana/Estadão
Cracolândia
No domingo, um total de 900 policiais, entre civis e militares,realizaram uma das maiores operações na Cracolândia e na região contra o tráfico de dro... Foto: Werther Santana/EstadãoMais
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OEstadoflagrou usuários de droga na esquina da Avenida Duque de Caxias com a Rua Santa Ifigênia. Foto: Werther Santana/Estadão
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A polícia desmontou as 34 barracas da feira de drogas que funcionava na área e comercializava 19 quilos de crack por dia. Foto: Werther Santana/Estadão
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Na Rua Helvétia, moradores de rua e usuários de droga carregam seus colchões e outros pertences. Foto: Werther Santana/Estadão
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Segundo a polícia,foram presos 38 traficantes durante a megaoperação- entre eles estão bandidos que foram filmados segurando armas no entorno, nas últ... Foto: Werther Santana/EstadãoMais
Cracolândia
Vista geral do cruzamento da Rua Helvétia com a Alameda Dino Bueno, esquina que faz parte do 'fluxo', dentro do 'quadrilátero do crack'. Foto: Werther Santana/Estadão
Um dia após operação, Cracolândia tem fluxos 'paralelos'
A reportagem do Estado circulou por toda a manhã e início da tarde nas ruas do centro no entorno da Cracolândia e constatou que pequenos fluxos se mon... Foto: JF Diorio/EstadãoMais
Um dia após operação, Cracolândia tem fluxos 'paralelos'
Um dia após a operação do governo do Estado para prender traficantes na Cracolândia, na região central de São Paulo, o fluxo de usuários de crack e mo... Foto: JF Diorio/EstadãoMais
Cracolândia
Equipes da Prefeitura de São Paulo trabalham para limpar a área da Cracolândia. Foto: Werther Santana/Estadão
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Funcionário da Prefeitura limpa a Rua Helvétia. Foto: Werther Santana/Estadão
Cracolândia
As investigações que resultaram na megaoperação começaram a ser feitas pelo Departamento de Investigação Sobre Narcóticos (Denarc) em novembro, quando... Foto: Werther Santana/EstadãoMais
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Um dia após a operação do governo do Estado para prender traficantes na Cracolândia, na região central de São Paulo, o fluxo de usuários de crack e mo... Foto: JF Diorio/EstadãoMais
Cracolândia
Investigadores entraram em hotéis e estabelecimentos comerciais à procura de traficantes, armas e drogas. Foto: Werther Santana/Estadão
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Vista geral da Alameda Dino Bueno,um dia depois da megaoperação das Polícias Civil e Militar. Foto: Werther Santana/Estadão
Do Treme-Treme, a família seguiu para uma pensão na Cracolândia. Sara montou um bar, que acabou destruído depois da operação da Polícia Civil. Segundo as investigações, traficantes foram filmados armados no local. A polícia afirma que ela não tem envolvimento com os bandidos.
Recomeço. O chão do bar destruído de Sara serviu de quarto para o aposentado Abidias Lima dos Santos, de 83 anos. Ele morava nos fundos de uma pensão na Alameda Dino Bueno, que também ficou destruída após a ação policial.
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A reportagem encontrou o aposentado na quinta-feira, por volta das 21 horas. Ele estava deitado em um colchão sujo no chão, sem lençol, com um gato da proprietária. Havia também forte odor de urina.
“Eu sou sozinho, não tenho ninguém. A dona Sara me deixou ficar aqui. Ela também não tem para onde ir, mas, como conseguiu um quarto, pude ficar aqui”, disse. Abidias tem hérnia de disco e se movimenta com dificuldade. Quando conversou com a reportagem, tossia bastante. As refeições eram providenciadas por Sara.
O aposentado mora na Cracolândia há sete anos. “Era muito ruim isso aqui, porque os ‘noias’ ficavam fumando o dia inteiro e o lugar cheirava a crack. A gente também não conseguia andar por causa do fluxo e também da sujeira”, contou.
Após ser avisada pelo Estado sobre a situação do aposentado, a Prefeitura encaminhou agentes de saúde e assistentes sociais para atender Abidias. Após uma breve conversa, ele aceitou ir para um albergue e começar um tratamento médico. Mas Abidias, assim como Sara, não se cadastrou no programa de habitação da Prefeitura.
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Cadastro. O secretário municipal de Habitação, Fernando Chucre, disse que o cadastro de moradores será feito em várias etapas, justamente para contemplar aqueles que não estiverem nos locais no momento da visita dos agentes. “Serão quatro etapas. A primeira foi logo após a operação. Outra será feita neste fim de semana, uma terceira vai acontecer à noite. Na última, faremos um pente fino para alcançar todas as pessoas que estejam nos 676 imóveis da região.”
Sobre os quartos de pensões que acabaram destruídos, o delegado Ruy Ferraz Fontes, do Departamento de Narcóticos, justificou a ação em entrevista coletiva dizendo que os locais serviam de abrigo para traficantes e armazenamento de drogas e armas.