“Quero sentir a embriaguês do frevo”, já cantava Alceu Valença. Mais do que saudade, os carnavais de Salvador e do eixo Recife-Olinda têm inspirado a criação de novos blocos de rua em São Paulo. Neste ano, mais de 20 desfiles tentam trazer um pedaço da folia nordestina para a cidade.
“A gente sentiu muita diferença com o jeito de o pessoal curtir carnaval. Quis trazer um pouco do que se vive lá”, conta o advogado Eduardo Aguiar, de 28 anos, fundador do bloco Bilola do Brennand. “Quando a gente começou, perguntavam se teria trio. Não tem trio, não tem nada disso, é o pessoal (orquestra) tocando na rua”, lembra. O primeiro desfile, no pré-carnaval, reuniu cerca de 300 foliões.
O nome do bloco faz referência à obra do artista pernambucano Francisco Brennand, enquanto o material de divulgação brinca com o bairrismo do Estado (“O maior bloco em linha reta de São Paulo”, diz um, em referência à forma como costumam se referir a uma avenida de Recife). “O pernambucano é megalomaníaco por natureza. Tudo que é pernambucano, especialmente do Recife, é maior, melhor”, afirma Aguiar.
Também criado por pernambucanos, o Olha o Sucesso desfila nos Jardins desde 2016 durante o pré-carnaval, reunindo cerca de 500 pessoas. “Sempre vou para Recife e Olinda no carnaval, mas sentia falta de ter algo nas prévias”, conta uma das fundadoras, a publicitária Manuela Alcoforado, de 33 anos. Como nenhum dos idealizadores sabia tocar instrumentos, ela e os amigos contratam sempre uma orquestra de frevo. “É uma técnica apurada, com instrumentos difíceis de tocar.”
Toda a infraestrutura necessária é paga com a venda de camisetas, realização de festas e financiamento coletivo - para o ano que vem, a ideia é trazer um boneco gigante. Outro sonho é atrair a participação de Alceu Valença, que também se apresentou no carnaval paulistano. “O intuito é continuar sendo um bloco pequeno, mas com um grande amor pelo frevo.”
Já o bloco Oxente é idealizado por um grupo de amigos de Bahia, Pernambuco e Alagoas. Como ninguém toca instrumentos, frevo e axé vêm de um sistema de som em uma Kombi. Estreante em 2016, reuniu cerca de 80 pessoas no pré-carnaval deste ano.
O bloco atrai nordestinos e também paulistas e brasileiros de outras regiões. “É como se todo mundo estivesse em casa brincando”, conta a arquiteta Nanda Britto, de 30 anos, uma das fundadoras.
Também de Pernambuco, o cantor Paulo Neto, de 37 anos, já planeja estrear um bloco em São Paulo no ano que vem, ao lado dos também músicos Junio Barreto e Otto e do cineasta Heitor Dhalia. “A ideia é que saia dos corredores do (edifício) Copan, que lembra lugares do Recife e de Olinda”, conta ele, que já foi um dos vocalistas do Tarado Ni Você, bloco que toca apenas canções de Caetano Veloso.
A cidade também tem blocos de inspiração nordestina criados por paulistanos. O Bloco de Pífanos de São Paulo, por exemplo, que traz a sonoridade do instrumento popular de Caruaru (PE), reúne uma orquestra de músicos formados em uma oficina popular, liderada pelo músico Felipe Gomide, de 33 anos. “É uma importante manifestação cultural brasileira, mas que a maioria nem sabe o que é”, diz.
“O instrumento é acessível e barato, se consegue construir com R$ 10, e simples de tocar, tem uma adesão muito grande”, garante. O bloco desfila no domingo, 10, na região da Saúde, zona sul. “A ideia é buscar trazer obras de grandes mestres do carnaval, como Luiz Gonzaga, Alceu Valença.”
Já o Bloco Elástico se divulga como “carnaval baiano na Vila Mariana” e toca frevo e axé, conta a vocalista Lívia Nolla, de 33 anos. “É um pequeno, de bairro, com 800, mil pessoas.”
Fim de semana tem pós-carnaval em São Paulo
Blocos de inspiração nordestina também desfilam durante e depois do carnaval, como o Rabusuju, cujo cortejo será neste sábado, 9, na Vila Mariana, zona sul, ao meio-dia. Ele foi criado pelo cardiologista baiano Sérgio Câmara, de 31 anos, em 2015, primeiro ano que não estava em Salvador. “Tinha ido a dois eventos com muita gente, mas não tinha trio.”
O bloco estreou em 2016 e, no último ano, reuniu cerca de 4 mil pessoas. Além de Câmara, é organizado por outros cinco médicos (dois baianos, um sergipano, um cearense e um paulista). Todo ano, o desfile tem um tema específico: após axé, Filhos de Gandhy e samba-reggae, desta vez será Tropicália. "A ideia é fazer essa festa que sempre sonhamos ter."
As principais atrações de pós-carnaval em São Paulo também terão sotaque nordestino. Desfilam neste sábado, os megablocos de Bell Marques - a partir das 13 horas no Ibirapuera, zona sul - e do grupo BaianaSystem - às 14 horas, na Avenida Tiradentes, centro. No domingo, 10, o fim da festa cabe a Daniela Mercury, às 13 horas, na Consolação.
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