Minhocão: Retirada de jardins verticais custará R$ 657 mil e expõe fracasso de corredor verde

Plano da Prefeitura para ampliar vegetação do centro de São Paulo teve problemas e foi enfraquecido; último remanescente está em recuperação após condomínio conseguir patrocínio

PUBLICIDADE

Foto do author Priscila Mengue
Atualização:

Uma das principais apostas da Prefeitura para ampliar a vegetação do centro da cidade de São Paulo, o corredor verde do Minhocão terá dois dos três últimos jardins verticais retirados nas próximas semanas. A remoção custará R$ 657,2 mil e marca o fracasso de um projeto que estimava chegar a 40 intervenções, mas que enfrentou problemas e foi enfraquecido nas últimas gestões municipais. O último remanescente seguirá no entorno do elevado, por iniciativa do condomínio responsável, que conseguiu o patrocínio para a recuperação e manutenção, iniciada neste mês.

PUBLICIDADE

O Minhocão chegou a ter sete jardins verticais, com 3,5 mil m² de área verde e design elaborado por artistas visuais, instalados entre 2015 e 2016. Quatro foram retirados em 2020, por mais de R$ 1 milhão, após parte dos condomínios entrar na Justiça e reclamar da falta de apoio público para as despesas de manutenção, água e energia. Em nota, a gestão Ricardo Nunes (MDB) destacou que a retirada das duas fachadas verdes está em licitação e que os acordos com os prédios expiraram.

O corredor verde foi criado com R$ 4 milhões, em valores não corrigidos pela inflação, de recursos de compensação ambiental. Após seis meses de manutenção privada, a responsabilidade passou ao Município. A Prefeitura não apontou o porquê de ter optado pela remoção e não ter proposto a renovação dos acordos.

A gestão segue com a manutenção do muro verde da Avenida 23 de Maio, de 2017, que custa R$ 160,1 mil ao mês, com 10,1 mil m² de vegetação. Nos jardins do Minhocão, o custo estimado em 2015 era de R$ 12,51 por m², mensalmente.

Publicidade

Jardim vertical do Edifício Huds será removido pela Prefeitura Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A nova leva de remoções inclui o primeiro jardim vertical do corredor verde, instalado em 2015 em duas empenas cegas (fachadas sem janelas) do Edifício Huds. Nas imediações da Estação de Metrô Santa Cecília, a intervenção tem 302 m², com originalmente 29 espécies de plantas que floresciam em diferentes épocas do ano e desenho do galerista e jardineiro norte-americano Matthew Wood. O custo de implantação foi de R$ 253,9 mil, em valor não corrigido.

O outro que será removido é o do Edifício Alexandre Blackford, pertencente ao Instituto Presbiteriano Mackenzie, na Rua Maria Borba. Com 344 m², foi instalado em 2016, com um desenho de Guil Blanche, idealizador do corredor verde. Em nota, a instituição disse que cedeu o espaço, “com o comprometimento do poder público em realizar a manutenção, algo que nunca foi viabilizado”. O custo de implantação e manutenção por seis meses foi de R$ 306,5 mil, em valor não corrigido.

Ambos os jardins estão sem manutenção e com a vegetação seca. O mesmo ocorreu com os outros quatro que passaram por remoção em 2020 (incluindo o talvez mais conhecido, com o desenho de uma carranca). Na época, após a parada na irrigação das plantas, moradores chegaram a relatar aumento na presença de insetos e também risco de segurança contra incêndios.

Edifícios pararam de fazer manutenção dos jardins que serão removidos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Antes do corredor verde, Blanche havia liderado a implementação de um jardim vertical temporário também junto ao Minhocão, no Largo Padre Péricles, em 2014, com o apoio de uma marca de bebidas. Ao Estadão, ele lamentou a retirada de quase todas as fachadas verdes. “Não seria uma questão de custo, mas de prioridade e tempo da Prefeitura, para se dedicar um pouco ao assunto. A Prefeitura é sobrecarregada, e a iniciativa privada ainda tem dificuldade de saber como pode ajudar.”

Publicidade

Ele ainda compara que o corredor verde da Avenida 23 de Maio está em manutenção, mesmo com “complexidades muito maiores”. “Não sei por que no Minhocão não aconteceu o mesmo.”

Por outro lado, os jardins verticais também receberam críticas em 2015, por serem incluídos em um decreto municipal como alternativa para a aplicação de Termos de Compromisso Ambiental (TCAs). A mudança foi vista como um enfraquecimento de políticas de compensação ambiental, visto que o potencial das plantas de menor porte para absorver carbono, por exemplo, é inferior ao de árvores.

Das quatro empenas com jardins retirados em 2020, três estão hoje com murais gigantes. Esse tipo de intervenção nas fachadas do elevado teve um “boom” nos últimos anos, majoritariamente com o patrocínio de marcas e, por vezes, com o pagamento de contrapartida ou aluguel aos edifícios.

Jardim vertical de edifício da Mackenzie está entre os que serão retirados Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Professora de Paisagismo na Universidade Mackenzie, a arquiteta e urbanista Pérola Felipette Brocaneli avalia que o fracasso é resultado, em parte, de problemas presentes já na formulação da proposta, tanto do ponto de vista financeiro quanto técnico. A destinação de recursos de compensação ambiental, diz, não era adequada e as exigências técnicas restringiram a execução a apenas um grupo.

Publicidade

PUBLICIDADE

“Seria uma alternativa bacana se costurada de forma mais madura. A ideia foi muito boa, tem potencial incrível”, analisa. “Se tornaria um exemplo a ser seguido se o projeto tivesse ouvido a academia, as empresas parceiras”, completa.

Outro problema que aponta é que os jardins utilizavam água potável, em vez daquela proveniente do reúso, o que encarece a manutenção e também se torna um dilema em tempos de estiagem. “O projeto deveria ter sido melhor pensado, não era sustentável em si.” Ela comenta que, mais do que o caráter estético, esse tipo de intervenção pode atenuar a poluição atmosférica e sonora localmente. “É uma inovação que, infelizmente, naufragou.”

Já o arquiteto e urbanista Guido Otero, parte da Comissão Executiva da Operação Urbana Centro e pesquisador de planejamento urbano, considera elevado o valor gasto pelo poder público para a retirar os jardins. Ele também ressalta que o Minhocão é um dos espaços da cidade que mais receberam propostas de intervenções públicas nas últimas gestões, mas não aplicadas ou insuficientes. “Cada um lança um plano novo, mas pouco é feito.”

Quatro jardins verticais foram retirados pela Prefeitura em 2020, por mais de R$ 1 milhão Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 15/09/2020

Condomínio consegue patrocínio para recuperar último jardim vertical

O jardim do Edifício Santa Cruz será o único remanescente do corredor verde do Minhocão. O segundo a receber a intervenção, em 2015, é um dos condomínios que mais se posicionaram favoravelmente à manutenção da fachada verde ao longo dos anos, destacando benefícios citados por moradores, como a melhoria no bem-estar, aumento na presença de aves e redução da temperatura e da poluição sonora em parte dos apartamentos.

“Nenhum morador me falou que gostaria de retirar”, relata a síndica, a astrofísica Dinah Moreira Allen, de 54 anos. “São Paulo é uma cidade de concreto, uma selva de pedra. Ter um jardim verde é muito agradável”, comenta.

Edifício Santa Cruz está em processo de recuperação do jardim vertical, trabalho feito em rapel Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Quando procurada pela Prefeitura sobre uma eventual remoção, a síndica levou a questão a uma reunião com os condôminos, na qual se decidiu pela busca de um possível patrocinador. Uma moradora conseguiu o apoio de uma marca de cerveja, para o conserto da bomba de irrigação, a recuperação do jardim (com replantio e retirada de plantas que morreram após o problema no bombeamento) e a manutenção por dois anos. Os valores não foram divulgados.

Segundo a síndica, o condomínio não recebeu apoio da gestão municipal desde 2021 e a única manutenção feita desde então foi doada por uma empresa de paisagismo. Além disso, despesas com energia e luz eram divididas entre os condôminos, calculada em cerca de R$ 20 para cada.

O patrocínio foi intermediado pela jornalista Letícia Zioni, de 44 anos, moradora do edifício há cerca de um ano. “Quando vim pra cá, era apaixonada por essa empena”, comenta. “Era uma coisa que me impressionava: ‘vou morar no prédio da empena mais bonita do Minhocão’”, lembra.

Publicidade

Ela propôs, então, a recuperação do jardim à Heineken, com a qual tinha ligação profissional. “O Minhocão é um espaço icônico dentro da maior metrópole do Brasil e nada mais justo que as pessoas que frequentam o local possam usufruir de bolsões verdes, convivendo em harmonia com os famosos painéis artísticos”, conta Beatrice Jordão, gerente sênior de marketing da Heineken no Brasil.

Desenho com a distribuição das plantas no jardim vertical do Edifício Santa Cruz Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Como o jardim secou com os problemas na bomba d’água, os trabalhos iniciaram com a retirada das plantas mortas e a limpeza da estrutura. O replantio foi iniciado na sexta-feira, 21, com mudas que deverão se desenvolver ao longo dos próximos meses, segundo a botânica Gisele Oliveira, de 40 anos. Pelas dimensões, o trabalho é feito em rapel.

Sócia da Kaapora e à frente do processo de recuperação, ela explica que serão utilizadas espécies diferentes do projeto original, para reduzir o custo, como aspargos, manjericão e grama-amendoim. “Vamos trabalhar durante a primavera. Para, no verão, ter um jardim novo, esplendoroso.”

A botânica defende que esse tipo de intervenção é uma forma de reconectar o urbano à natureza. “A ideia é manter esse verde no árido de São Paulo. Já que foi feito, a gente quer manter”, avalia. Ela lamenta a retirada dos demais. “São mais de R$ 4 milhões que vão se tornar ferro-velho (os jardins ficam em grandes placas de metal).”

Publicidade

O jardim do Santa Cruz tem 561 m² e é de autoria do artista espanhol Daniel Steegmann Mangrané, que utilizou figuras geométricas inspiradas em padrões indígenas brasileiros. Está nas proximidades do Terminal Amaral Gurgel.

Murais foram criados nas empenas de jardins retirados em 2020, como nos dois edifícios ao fundo Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 15/09/2020

Projeto de lei quer tráfego de carros no Minhocão até as 21h30

Um projeto de lei (PL) em tramitação na Câmara Municipal tem gerado críticas de moradores do entorno do Minhocão. De autoria do vereador Gilson Barreto (PSDB), prevê a extensão do horário de tráfego de veículos até as 21h30 nos dias úteis. Desde 2018, o elevado é fechado para automóveis após as 20 horas. A circulação de pedestres e ciclistas é liberada até as 22 horas.

De número 625/2019, o PL recebeu o aval da Comissão de Administração Pública, presidida por Barreto, na quarta-feira, 19. O argumento do vereador é que a extensão do horário é voltada aos veículos que têm restrição de circulação na região até as 20 horas, por causa do rodízio.

Na justificativa do projeto, também aponta que o tráfego nas vias abaixo do elevado colocaria os motoristas e passageiros em risco para roubos e outros crimes, porém não foram apresentados dados ou estudos de tráfego sobre o tema. Em abril, o projeto foi aprovado por maioria de votos na Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa.

Publicidade

A aprovação nas comissões foi criticada por parte dos vizinhos e frequentadores do elevado. O coletivo Parque Minhocão chamou o projeto de um “retrocesso que afeta a saúde mental e a qualidade de vida dos moradores do entorno” e citou o barulho e a poluição gerada pelos automóveis.

Procurada, a Prefeitura não se manifestou sobre o projeto. O uso do Minhocão como espaço de lazer tem sido incentivado pelas últimas gestões. Em 2021, por exemplo, bancos e arquibancadas de madeira passaram a ser instalados aos fins de semana.

A primeira restrição de tráfego de veículos no elevado ocorreu em 1976, cinco anos após a inauguração. O horário de fluxo de automóveis foi reduzido ao longo das décadas até chegar ao atual, autorizado das 7 às 20 horas, nos dias úteis, e vetado nos fins de semana e feriados.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.