Nova versão para Plano Diretor de SP libera prédios mais altos perto de metrô e no miolo dos bairros

Mudança em lei que dita regras e incentivos para construção deve ser votada a partir de quinta-feira na Câmara

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Foto do author Priscila Mengue
Atualização:

Uma nova versão para o projeto de lei (PL) de revisão do Plano Diretor de São Paulo foi apresentado em uma audiência pública nesta terça-feira, 23, com uma série de alterações que incentivam a construção de edifícios mais altos na cidade. Uma das principais mudanças permite que prédios sem limite de altura e com acesso a incentivos para o mercado imobiliário sejam construídos em raio de até 1 km de estações de metrô e trem, regra que hoje é de 400 m a 600 m e está ligada à crescente verticalização perto de “eixos de transporte”, em locais como Brooklin, Butantã e Pinheiros. Também há mudanças que ampliam o máximo de área construída nos “miolos” dos bairros.

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A proposta foi apresentada pelo vereador Rodrigo Goulart (PSD), relator do projeto de revisão do Plano Diretor e parte da base governista do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na Câmara Municipal. A orientação do presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil), é de que eventuais mudanças sejam feitas no texto até quarta-feira, 31, quando será submetido para a primeira votação. A previsão é que o PL passe por mais duas audiências públicas na semana que vem e seja aprovado em segunda e definitiva votação ainda no início de junho.

O novo artigo referente à área de influência dos “eixos de transporte” também aumenta de até 300 m para 450 m a área ao longo de corredores de ônibus, que terão acesso a incentivos da Prefeitura. Entre eles, estão a possibilidade de a incorporadora pagar menos taxas quando o empreendimento atende certos requisitos (ter comércio no térreo, por exemplo) e a autorização para construir até quatro vezes a área do terreno, dentre outros.

Como o Estadão mostrou, os eixos concentram hoje mais da metade dos apartamentos lançados na cidade, com crescimento especialmente em vizinhanças de classes média e alta. Se a mudança proposta for aprovada, a verticalização adentrará quadras mais internas dos bairros.

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Esse tipo de zoneamento foi proposto pelo Plano Diretor em 2014 com o objetivo de aumentar a população que mora perto de meios de transporte de massa e reduzir os longos deslocamentos, porém parte dos empreendimentos tem sido destinada para locação temporária e população de maior renda, que, por vezes, não usa metrô, trem ou ônibus no dia a dia.

Entorno da Estação Butantã é um dos que mais mudou com os incentivos do Plano Diretor Foto: Felipe Rau/Estadão

A nova versão do PL também incentiva mais prédios nas quadras no interior dos bairros. Nesses locais, o empreendimento poderá construir até três vezes a área do terreno em vez da permissão de duas vezes hoje em vigor, mediante o pagamento de outorga onerosa à Prefeitura. As vizinhanças seguirão, contudo, sujeitas às regras de altura de cada zoneamento, lei que também está em revisão e terá uma nova versão enviada em breve à Câmara. Nos “centrinhos de bairro”, onde há amplo comércio, por exemplo, o máximo hoje é de 48 metros. O limite atual foi idealizado no Plano Diretor a fim de evitar grande verticalização dos miolos de bairro e incentivar prédios mais altos perto do transporte.

Para urbanistas ouvidos pelo Estadão, a nova proposta incentiva a verticalização como um todo na cidade, reduzindo a distinção entre zonas em bairros com transporte mais desenvolvido, como os do centro expandido. Nos últimos anos, o alto volume de novas construções perto de estações de metrô em Pinheiros e na Vila Mariana, tem motivado reclamações de moradores antigos, que falam em descaracterização e piora na qualidade de vida.

A avaliação especializada é de que a nova versão traz muito mais alterações do que o PL apresentado pela gestão Nunes. E isso ocorre a poucos dias da votação e com apenas duas audiências públicas para discussão. Uma justificativa técnica e um levantamento com o impacto da mudança na cidade e nos cofres públicos não foram apresentados. Por isso, há o entendimento de que mudanças significativas possam ser aprovadas “no escuro”, por falta de tempo hábil para mapear eventuais consequências.

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“Tudo o que se discutiu até agora praticamente não vale mais, mudou tudo”, diz o urbanista Nabil Bonduki, professor da USP e relator do Plano Diretor de 2014. Se aprovada, a nova versão estará em vigor ao menos até 2029.

“A minuta não enfrenta os problemas reais da cidade e simplesmente atende a uma demanda para ampliar a produção imobiliária em áreas já consolidadas, aumentando conflitos nos bairros e deixando a periferia às moscas”, diz o urbanista Fernando Tulio Salva Rocha Franco, pesquisador na ETH Zurique, diretor do instituto Zerocem e ex-presidente do IAB/SP.

No texto, também foram identificadas anotações em meio aos novos regramentos, como uma que diz “Ver definição da Jacu-Pêssego se ela não é PIU”. Para os especialistas, isso indica que a nova versão foi definida há pouco, sem tempo hábil para um revisão mais atenta dos vereadores.

Outra mudança que chamou a atenção no novo texto do PL é a criação de um novo tipo de zoneamento: as Zonas de Concessões, que abrangerão todas as áreas públicas concedidas à iniciativa privada e com projetos de concessão em desenvolvimento. Para os urbanistas ouvidos pelo Estadão, a alteração permitiria praticamente uma “folha em branco” para criar regramentos fora dos que estão previstos na atual legislação e para áreas com características muito variadas, como parques, cemitérios, centros culturais e equipamentos desportivos.

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“Se a Prefeitura resolver conceder todos os CEUs, poderá definir outra regra de uso e ocupação para a área. E se liberar algum tipo de construção dentro de parques concedidos?”, questiona Nabil Bonduki.

Os especialistas também avaliam que o projeto diminui ainda mais a influência municipal no desenvolvimento urbano da cidade, com regras que preveem a aplicação de recursos originalmente municipais pelo próprio setor privado. Um exemplo é a outorga onerosa, cobrada das incorporadoras para construir acima do limite básico e destinada hoje a um fundo voltado à habitação popular e à mobilidade.

Em vez de pagar efetivamente o montante ao Município, o PL permite que o setor privado pague a outorga por meio da execução de obras públicas, com valor de 90% do que deveria ser destinado ao fundo. “É o Estado abrindo mão de controlar política urbana. Isso tem consequências gigantescas, que depois rebatem em déficit habitacional, no meio ambiente e na infraestrutura”, diz a professora do Insper e pesquisadora Bianca Tavolari.

O novo texto também mantém as mudanças mais significativas da primeira versão do PL, como a que permitirá prédios com apartamentos maiores e mais vagas perto dos eixos de transporte. Um estudo do Insper identificou que o tamanho máximo de unidades em prédios residenciais perto de metrô, trem e corredores de ônibus passará de 80 m² a 120 m², com a possibilidade de terem duas garagens “gratuitas”, em vez do limite de uma sem o pagamento da outorga previsto hoje pela lei.

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O mesmo estudo também apontou que empreendimentos com unidades medianas (de 60 a 80 metros quadrados) poderão ter até 33% mais vagas de garagem do que hoje. Os possíveis impactos da nova versão ainda serão ainda calculados.

A versão apresentada nesta semana também prevê regras diferenciadas para a criação de habitação de interesse social, como permitir que sejam alugadas. Para os especialistas ouvidos, algumas mudanças não estão claras e podem desestimular esse tipo de projeto imobiliário.

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