'Nuit Blanche' à brasileira

O primeiro show da primeira Virada Cultural, no Parque da Independência, vira marco da cidade

PUBLICIDADE

Trombonista da Orquestra Experimental de Repertório, grupo do Teatro Municipal de São Paulo, desde 1991, João Paulo Moreira não imaginava que a apresentação do dia 19 de novembro de 2005 entraria para a história da cidade. A atração, no Parque da Independência, na frente do Museu do Ipiranga - como é conhecido o Museu Paulista, da Universidade de São Paulo -, abriu a primeira edição da Virada Cultural. Dez anos depois, o evento está consolidado no calendário cultural paulistano.

“Era uma novidade e, na realidade, nós não tínhamos a dimensão do que essa iniciativa alcançaria com o passar do tempo”, comenta o músico, hoje com 50 anos. “Lembro que era um visual lindo. Do palco podíamos ver o Museu do Ipiranga lá na frente, era lindo, lindo, lindo.” 

João Paulo Moreira.'A iniciativa é sensacional' Foto: Daniel Teixeira/Estadão

PUBLICIDADE

Moreira conta que naquele dia foi ao Parque da Independência de carona com um amigo - ele mora em Arujá, na região metropolitana de São Paulo. Chegou por volta das 11 horas e, junto com os outros 99 músicos da orquestra, fez a passagem de som de praxe. “Também tínhamos de equilibrar microfones, ver como as coisas funcionariam em um evento do tipo, ao ar livre”, explica.

“Naquela edição, confesso que não assisti a outros eventos da Virada. Mas nos anos seguintes, sim”, conta Moreira. “Acho a iniciativa sensacional, como forma de democratização da arte, da cultura. Na minha opinião, nada até hoje mexeu tanto com a cidade de São Paulo. Nada, nem a Copa do Mundo.”

Publicidade

O evento nasceu inspirado na “nuit blanche” francesa, que é fundamentada pela inversão de expectativas - museus abrindo de madrugada, shows durante o dia. Na versão paulistana, as mais de 24 horas de atrações se espalham pela cidade, principalmente na região central - e a ideia é que o público se aproprie dos espaços por meio de todas as manifestações artísticas, sem cobrança de ingresso. “É um barato, tanto pelas experiências - houve uma edição em que nós, da orquestra, tocamos com o grupo (de heavy metal) Sepultura - quanto pelo público. Pelas roupas, você pode imaginar para que tipo de evento cada pessoa vai”, diz Moreira.

Daquela edição pioneira para a atualidade, a Virada só cresceu - em público e em importância. O recorde foi em 2013, com 4 milhões de pessoas se divertindo nas ruas da cidade. A edição do ano passado registrou 1 milhão a menos. Por outro lado, os problemas também aumentaram. Em 2007, confronto na Praça da Sé, durante show dos Racionais MC’s, deixou seis feridos, 12 lojas depredadas e 14 presos. Arrastões e pequenos crimes passaram a ser recorrentes. No ano passado, foram 56 detidos em flagrante e 108 indiciados no total durante o evento. 

Tudo isso, aliado a um possível esgotamento do modelo - muitos defendem uma maior pulverização de eventos culturais ao longo do ano e por todos os bairros da cidade -, já fazem o atual secretário municipal de Cultura, o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, de 59 anos, repensar a Virada. Em recente entrevista ao Estado, ele admitiu que há uma tendência em “reduzir o número de palcos para aumentar a segurança”.

“Sem dúvida, a Virada Cultural foi um primeiro momento de apropriação do espaço público da cidade”, afirma Bonduki. “Foi muito importante há 10 anos. Mas, hoje, nós temos um desafio, que é fazer com que isso não seja simplesmente um fim de semana no ano.” 

Publicidade

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.