SÃO PAULO - Basta subir o calçadão da Avenida São João, atravessar a Rua Líbero Badaró e seguir mais alguns metros para se deparar com o que já foi considerado o banco mais luxuoso de São Paulo. A descrição pode lembrar o Edifício Altino Arantes (atual Farol Santander), mas se refere ao vizinho nove anos mais velho: o antigo Banco de São Paulo.
Menos conhecido dos turistas, o edifício é referência da arquitetura art déco na cidade de São Paulo, com linhas retas e verticais e padrões em leque na fachada. Desde os anos 1970, é utilizado pela Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo, que decidiu neste ano: vai deixar o local até dezembro e colocá-lo à venda.
O valor estimado da transação não é divulgado pelo Estado, que estima economizar R$ 1,2 milhão de manutenção com a mudança. O número de milhões que vão entrar nessa transação deve levar em consideração os 17 pavimentos e 14 mil metros quadrados de área construída, além de um elemento apontado como decisivo para a saída da secretaria: o tombamento integral nas esferas estadual (em 2003) e municipal (1992).
Para tentar evitar a venda, um abaixo-assinado destinado ao governador João Doria (PSDB) foi criado para pedir o “rebaixamento” do tombamento do antigo banco. Como propostas semelhantes já foram negadas por órgãos de patrimônio, a ideia é tentar sensibilizar o chefe de governo. “A alternativa que vejo é o governador pedir”, explica a arquiteta e servidora pública Ivone Faddul Alves, de 54 anos.
Ela é idealizadora e mediadora de um tour gratuito pelo edifício, que diz ter recebido 15 mil visitantes em dois anos. Ivone teme que a venda encerre a abertura do espaço para o público e o deixe sujeito a ocupações, como a que está na antiga Casa da Moeda há cerca de dois anos.
Além disso, a arquiteta relata que o espaço está com alguns andares “feios”, com umidade, trincas e infiltrações. Ela considera que os ambientes poderiam “ser melhor usados”, visto que a estimativa é de que apenas 300 pessoas trabalhem no local. Para ela, uma mudança no tombamento garantiria a reforma, sem descaracterizar os ambientes internos originais.
Secretário diz que mudança é definida
Mesmo que o abaixo-assinado seja bem-sucedido, o secretário de Esportes, Aildo Rodrigues Ferreira, garante que a troca de sede é definitiva. “Estamos trabalhando para mudar de prédio, para um mais novo, moderno e confortável para o servidor.” O novo endereço será o Edifício Cidade I, a uma quadra de distância e também do Estado.
Segundo ele, o antigo banco tem “sérios problemas de hidráulica e elétrica” e exige uma restauração “muito custosa”. Ele afirma que o Estado vai garantir a segurança do imóvel antes da posse do novo dono.
Um dos mais importantes art déco do País
Se a fachada do antigo Banco de São Paulo não é tão conhecida quanto pares do entorno, o andar térreo do edifício já estrelou dezenas de filmes, programas de televisão e comerciais. O motivo é a antiga área da agência bancária, mantida de forma semelhante à configuração original, além do grande caixa-forte e a permanência de adornos de época e materiais nobres.
O “refinamento artístico” e o “apuro técnico” do projeto arquitetônico são destacados na resolução do tombamento estadual do edifício. O texto também aponta o “caráter de excepcionalidade em relação ao conjunto de testemunhos dessa corrente existente em São Paulo”, referindo-se às características art déco, também presentes no Viaduto Santa Ifigênia e Estádio do Pacaembu, por exemplo.
O tombamento abrange o edifício “como um todo”, listando itens como os portais em mármore, granito e granilite, o mosaico romano grés, a serralheria artística de ferro e bronze, os lustres em alabastro e os cristais.
Em 2013, a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional chegou a abrir um pedido de estudos para reduzir o tombamento do edifício. O processo foi arquivado dois anos depois pelo Condephaat, em reunião na qual se comentou que a intenção estadual era limitar a proteção à fachada.
“É uma obra-prima de São Paulo”, descreve José Eduardo Lefévre, professor aposentado de Arquitetura da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat). “É o melhor exemplar de art déco em São Paulo. O interior é um requinte, um prédio com um projeto muito bem feito, com ambientes externos e internos de primeira.”
Lefévre ressalta que o tombamento recai sobre a situação do imóvel no momento de decisão, ou seja, não é necessário mudar os andares descaracterizados para os aspectos originais. “É uma atração turística que pode ser muito bem aproveitada, como parte de um roteiro pelos caixas-fortes da área central (como o Centro Cultural Banco do Brasil e o Farol Santander).”
Entre os visitantes, alguns criticam a falta de divulgação da atração, mas os elogios ao edifício são praticamente unânimes. "Me surpreendi, já é grandioso por fora. Depois da visita, fiquei ainda mais encantada", conta a geógrafa Cristiane Nisticó. “Poderia ser até ampliado (o tour), tenho amigos que querem conhecer, mas não podem em dia de semana.”
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