Em meio a reclamações de passageiros sobre dificuldades para conseguir corridas e engarrafamentos constantes, o Aeroporto de Congonhas, na zona sul da cidade de São Paulo, está com uma nova proposta para organizar o fluxo de aplicativos de transporte, como Uber e 99. As primeiras mudanças previstas incluem a ampliação da área de embarque, no piso inferior, e a criação de um bolsão de espera para motoristas.
O Estadão teve acesso ao plano completo de intervenções para tentar destravar o trânsito no local, apresentado ao poder público pela concessionária que assumiu o aeroporto no ano passado, a Aena. Por enquanto, parte das mudanças imediatas foram colocadas em consulta pública pela Prefeitura de São Paulo até 21 de março, por meio da plataforma Participe+ (em participemais.prefeitura.sp.gov.br/). Segundo a Aena, o aeroporto tem um fluxo diário de cerca de 70 mil passageiros, e há planos de um novo terminal até 2028.
No próprio texto da consulta pública, a gestão Ricardo Nunes (MDB) admite que há “inúmeras complicações viárias” no entorno e chama a situação de “um imbróglio antigo da cidade de São Paulo”. “O problema é constantemente divulgado em notícias midiáticas, mas também vem sendo recorrente objeto de manifestações de passageiros, motoristas de aplicativos, taxistas, autoridades públicas e funcionários da localidade”, diz.
As intervenções iniciais propostas envolvem a consolidação da Zona de Embarque de Aplicativos (ZEA) do aeroporto paulistano, com sinalização para a orientação dos passageiros e aumento da fiscalização e do videomonitoramento para veículos irregularmente estacionados. Segundo a Aena, um maior espaço para embarque para transporte por app será destinado no desnível.
Um relatório de 2019 da Infraero sobre Congonhas identificou que cerca de metade do público utiliza transporte por aplicativo até o aeroporto. Para especialista ouvido pelo Estadão, as medidas teriam um impacto limitado enquanto não tiver a operação de metrô, monotrilho ou similar no entorno, diante do alto fluxo de pessoas em Congonhas. A previsão atual da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) é que a Linha 17-Ouro passe a operar em 2026.
Hoje, uma das reclamações mais frequentes é de carros de transporte por aplicativo parados à espera da tarifa dinâmica (mais alta quando a demanda cresce) no nível inferior do aeroporto, alguns até mesmo em fila dupla. A situação se agrava pelos casos de veículos “piratas”, não vinculados aos aplicativos e que irregularmente abordam possíveis passageiros no entorno.
Procurada pelo Estadão, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) respondeu que a proposta apresenta “poucas informações sobre como a operação será conduzida” e que, em primeira análise, “não traz soluções para os problemas atuais que ocorrem no aeroporto”. A entidade que representa os apps de transporte também disse acompanhar as discussões e estar “à disposição das autoridades para contribuir com o tema, fornecer informações e sugestões que auxiliem o poder público a desenhar um projeto adequado”.
Já a Aena destacou que a proposta tem o objetivo de “proporcionar um local adequado para que os profissionais possam aguardar novas corridas com segurança, reduzindo o impacto no trânsito local”. “A iniciativa faz parte do compromisso da Aena em aprimorar o sistema viário do aeroporto, trazendo mais conforto aos usuários do terminal”, completou.
Com as filas duplas e carros parados, há frequentes engarrafamentos no nível inferior, até mesmo em horários de menor movimentação no aeroporto. Essa situação é um dos principais motivos para a proposta de implantação do bolsão, que permitiria a criação de filas virtuais.
Com o bolsão, os veículos aguardariam no novo local designado até fecharem uma corrida pelo app — como ocorre no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, por exemplo. A medida é discutida há anos na cidade. A proposta atual prevê que a fila virtual seja de responsabilidade do aplicativo e da concessionária, sem qualquer envolvimento da Prefeitura.
A proposta da Aena designa a criação da nova área de espera na Praça Comandante Linneu Gomes — ao lado do estacionamento de uma locadora de veículos e em frente ao bolsão já existente para táxis que atendem ao aeroporto. O acesso ficaria próximo do Túnel Paulo Autran, a cerca de 350 m do ponto destinado ao embarque dos passageiros.
Na internet, são diversos os comentários de passageiros sobre a dificuldade de acessar um carro de aplicativo no aeroporto, com relatos de espera até superior a meia hora. Em redes sociais e páginas especializadas, como o Reclame Aqui, também há casos de pessoas que passaram por diversos cancelamentos de motoristas e conseguiram uma corrida apenas após a seleção das opções mais caras do serviço. Situações semelhantes foram apontadas por cidadãos na consulta pública da Prefeitura.
O embarque para transporte por app no piso inferior começou em 2019, em meio a problemas. Ao Estadão em nota, a Prefeitura — por meio do Comitê Municipal de Uso do Viário (CMUV) — disse que a delimitação ocorre como um “projeto piloto pontual”, “sem normas ou sinalização própria para os aplicativos”.
O comitê municipal ressaltou que descumprimentos às normas de trânsito no aeroporto são sujeitos a advertência, multa, suspensão do credenciamento e até o descredenciamento, desde 2016. Também respondeu que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) realiza operações no entorno e nas vias do aeroporto, “com vistas a garantir a fluidez e segurança no trânsito”, com mais de 34 mil autuações no ano passado.
Além disso, a gestão municipal destacou que as propostas estão em fase de análise e podem sofrer alterações. “Todos os projetos que estão sendo apresentados pela concessionária do aeroporto são discutidos com o poder público de forma que ocorram os ajustes necessários”, apontou.
No ano passado, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia chegou a indicar à Prefeitura a necessidade de uma área de embarque que compreenda 75 veículos simultâneos, o que não estaria contemplado nas medidas inicialmente previstas pela Aena (de 20 vagas).
As mudanças previstas pelo consórcio podem não ser suficientes para resolver o engarrafamento no aeroporto segundo especialista ouvido pelo Estadão. Para o doutor em Engenharia com foco em Mobilidade Urbana e consultor Luiz Vicente Figueira de Mello Filho, uma melhora significativa depende da entrega da Estação Aeroporto, da Linha 17-Ouro. Isso porque o fluxo de pessoas é tamanho que o próprio espaço físico não comportaria a demanda por carros, mesmo com melhorias.
“Congonhas é um polo gerador de tráfego bem representativo. Mesmo com organização e fiscalização, é um grande número de passageiros e de fluxo de veículos da Avenida 23 de Maio e da Marginal Pinheiros, que já são naturalmente congestionadas todos os dias”, aponta o especialista. “Não é a organização dos aplicativos que vai resolver, só vai resolver mesmo com transporte de massa. O diferencial seria a Estação Congonhas, porque desafogaria o tráfego de veículos.”
Prevista para a Copa do Mundo de 2014, a obra do monotrilho tem um histórico de mais de uma década de atrasos. O contrato com o consórcio responsável foi suspenso no ano passado, com o anúncio de um novo grupo responsável em agosto. A previsão atual é que a linha entre em operação em 2026.
O que mais está previsto nos planos da concessionária para Congonhas?
Os planos atuais da Aena preveem quatro fases, com ações imediatas e a curto, médio e longo prazos. Entre as propostas levadas ao poder público, além dos ajustes para app de transporte, as primeiras a serem executadas também envolveriam:
- realocação do ponto de ônibus localizado no nível superior do aeroporto para a Avenida Washington Luís;
- veto ao tráfego e vagas de táxis no subsolo;
- determinação de novo local para estacionamento de ônibus fretados, de turismo e afins, que poderiam parar no subsolo apenas para embarque e desembarque;
- instalação de controlador de tráfego ou redução de tempo de travessia dos pedestres;
- alteração do local ou redução da área do canteiro de obras do monotrilho para ampliar faixa de saída do desembarque;
- fechamento do retorno no subsolo (para dificultar recirculação de motoristas).
Já as medidas a planejadas a curto prazo (em até um ano) incluem a sinalização ostensiva com numeração de faixa e vagas. Isto é, com placas e marcações a fim de agilizar o encontro entre passageiro e motorista.
Além disso, a médio prazo (até dois anos), a concessionária prevê a implantação de uma praça de pick-up de passageiros de transporte por app sobre o edifício garagem, a ampliação do bolsão para motoristas de aplicativo (onde hoje há uma locadora de veículos) e a duplicação da saída do subsolo.
Por fim, a longo prazo, os planos consideram que o fluxo de passageiros e o sistema viário sejam reordenados e “aprimorados” com a implantação de um novo terminal no aeroporto. O espaço tem entrega prevista em 2028.
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