O ataque com faca provocado por um adolescente de 13 anos dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, na zona oeste da capital paulista, na manhã da segunda-feira passada, 27, deixou uma professora morta e três educadoras e um aluno feridos. Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, que ensinava Ciência, morreu na sala de aula após ser golpeada pelas costas. Um segundo aluno precisou de atendimento por ficar em estado de choque.
O que se sabe sobre o ataque?
O ataque cometido por um adolescente com um faca aconteceu por volta das 7h20 da segunda-feira passada na Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, na zona oeste da capital paulista. O garoto esfaqueou pelo menos quatro professoras e um aluno.
O que se sabe sobre o autor do ataque?
O agressor do 8.º ano do ensino fundamental, de 13 anos, foi apreendido e levado para uma delegacia. Segundo informações apuradas pelo Estadão na escola, o alvo principal do autor do ataque era um estudante com quem teria brigado na semana passada, mas esse colega não estava no local no dia do crime.
Como o aluno foi rendido?
Imagens de câmera de segurança instalada em sala de aula mostraram o momento em que o adolescente foi imobilizado e desarmado por duas professoras: Cintia da Silva Barbosa, professora de Educação Física, aplicou um golpe chamado mata-leão e Sandra Pereira tirou a faca das mãos do aluno, enquanto uma terceira era atacada.
O adolescente já havia sido denunciado anteriormente?
Sim. Ele foi denunciado à Polícia Civil em fevereiro deste ano por “apresentar comportamento suspeito nas redes sociais” e postar “vídeos comprometedores” nos quais aparece “portando arma de fogo” e “simulando ataques violentos”.
Um boletim de ocorrência foi registrado no dia 28 de fevereiro na delegacia eletrônica narrando a denúncia. O documento ao qual o Estadão teve acesso ainda diz que o adolescente “encaminhou mensagens e fotos de armas aos demais alunos por WhatsApp” e “alguns pais estão se sentindo acuados e amedrontados com tais mensagens e fotos”.
O boletim ainda descreve que os responsáveis pelo adolescente foram “convocados e orientados pela Direção da Unidade Escolar”, localizada em Taboão da Serra, “para que as providências cabíveis fossem tomadas”.
Alunos da antiga escola do adolescente relatavam medo dele. A mãe de uma aluna da escola em Taboão relatou ao Estadão que sua filha foi colega do autor do ataque. “Faz pouco tempo. Ele já tinha dado indícios no Pacheco (Escola Estadual José Roberto Pacheco, em Taboão da Serra). Eles (os alunos) estão em choque, todos com medo”, relata a mãe.
O adolescente já havia sido transferido para outra escola, em Taboão da Serra, e voltou no início deste mês para a Thomazia Montoro, de acordo com a Secretaria da Educação do Estado.
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Quem é a professora que não resistiu aos ferimentos?
Funcionária pública por toda a vida, a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, fez carreira no Instituto Adolfo Lutz, onde ingressou em 1971, e se aposentou há três anos, em 2020. Formada em Química, trabalhava com testes e controle de qualidade no Centro de Alimentos da instituição. Foi também autora de pesquisas científicas publicadas em periódicos especializados.
Não queria se aposentar. Passou a dar aulas em 2015 e atuava na Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, desde o começo do ano. Foram oito anos na docência, até ser morta a facadas na manhã de segunda-feira, dentro da sala de aula.
Ela chegou a ser encaminhada em estado grave para o Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP). Por volta das 10h30 do mesmo dia, a morte foi confirmada.
Imagens de câmera de segurança mostraram que a professora parece não ter percebido a aproximação do assassino, que a golpeou pelas costas. Ela caiu em seguida. Um aluno que testemunhou o ataque relatou que Elisabeth fazia a chamada quando foi atingida.
“Eu estava falando com ela, a professora estava fazendo chamada”, afirma. Ele conta que o adolescente que cometeu o atentado entrou na sala com uma máscara de caveira e desferiu golpes nas costas da professora. “Parecia que ele estava com uma faca de cozinha, era preta”, disse. “Sabe o atentado de Columbine? Ele estava com uma máscara assim”, afirmou ele se referindo ao ataque em escola dos Estados Unidos em 1999.
A Polícia Militar divulgou imagem dos objetos apreendidos: uma faca, um pedaço de tesoura, um celular e um boné.
Quem são as outras pessoas feridas?
As outras quatro vítimas receberam atendimento em outras unidades (nos Hospitais das Clínicas, Universitário da USP, Bandeirantes e São Luiz) e apresentaram quadro estável, logo em seguida.
Além de Elisabeth, que não resistiu aos ferimentos, as outras professoras atacadas foram: Ana Célia da Rosa (História), Rita de Cássia (Matemática) e Jane Gasperini.
Ainda na tarde da segunda-feira passada, a professora de História Ana Célia da Rosa passou por cirurgia para sutura dos ferimentos no Hospital das Clínicas. Na manhã de quarta-feira, 29, ela recebeu alta hospitalar.
As outras duas professoras que receberam atendimento nos Hospitais Universitário da USP e São Luiz tiveram ferimentos superficiais e também tiveram alta no mesmo dia do ataque, assim como os dois alunos que foram atendidos no Hospital Bandeirantes. Um estudante teve ferimento superficial, enquanto o outro recebeu atendimento após ficar em estado de choque. Seus nomes não foram revelados.
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Quantos alunos há na escola estadual?
O colégio, de tempo integral, tem cerca de 300 alunos do ensino fundamental 2 (6º ao 9º ano) e do médio.
Onde o caso está sendo investigado?
Policiais do 34º Distrito Policial (Vila Sônia), onde o caso foi registrado, investigam outros dois alunos suspeitos de terem ajudado o adolescente de 13 anos a realizar o ataque na Escola Estadual Thomazia Montoro.
A Polícia Civil de São Paulo pediu a quebra do sigilo telefônico de ambos os alunos envolvidos na ocorrência e suspeitos de terem ajudado ou instigado o adolescente que praticou o ataque.
A polícia ouviu mais de trinta testemunhas, entre educadores e alunos, que estavam presentes durante o ataque na Escola Estadual Thomazia Montoro, que deixou uma professora morta e outras quatro pessoas feridas na manhã da segunda-feira passada. O autor do ataque, um estudante de 13 anos, foi o último a ser ouvido.
“Ele foi frio, bem frio, e não demonstrou emoção”, disse o delegado Marcos Vinicius Reis, sobre a postura do rapaz durante o depoimento.
Durante uma busca na residência do adolescente, a Polícia Civil encontrou uma arma de air soft, máscaras parecidas com a que ele utilizou durante o ataque e manuscritos feitos pelo próprio rapaz, no qual ele admite que já planejava o ataque há muito tempo.
Ainda de acordo com as investigações, o autor do ataque tentou comprar armas de fogo pela internet. Como não conseguiu acesso ao equipamento, o adolescente de 13 anos usou uma faca para atacar professores e colegas.
“Ele disse que tinha a intenção de adquirir uma arma de fogo, e ele não conseguiu”, disse o delegado Reis. “Ele fez algumas pesquisas via internet e não conseguiu efetivamente adquirir ou ter uma arma de fogo disponibilizada, o que certamente provocaria uma letalidade maior.”
Para onde o adolescente foi encaminhado?
No mesmo dia da tragédia, o adolescente foi apreendido. Depois de prestar depoimento, ele saiu por volta das 18h30 do 34⁰ DP e foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) da zona oeste de São Paulo. De lá, ele seguiu para o Juizado da Infância e da Juventude, antes de ser encaminhado para uma unidade da Fundação Casa.
O adolescente é investigado por infrações análogas a homicídio consumado e tentado.
Na terça-feira, 28, a Justiça de São Paulo determinou a internação provisória do jovem de 13 anos. A medida vale por 45 dias até que processo seja analisado e julgado na Vara da Infância e Juventude.
O que disseram as autoridades?
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que estava em viagem a Londres, na Inglaterra, lamentou o ataque por meio das redes sociais. “Não tenho palavras para expressar minha tristeza com a notícia do ataque”, escreveu.
“A melhor forma de honrar a memória da professora Elisabeth é trabalhando em ações que garantam que algo assim nunca mais aconteça”, completou.
Nas redes sociais, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), também se pronunciou. “As forças de segurança pública e de saúde agiram imediatamente, e continuaremos oferecendo todo o suporte necessário às vítimas e suas famílias”, disse ele.
O que ainda é preciso esclarecer?
Pais de estudantes ouvidos pelo Estadão contaram que teriam ocorrido brigas entre alunos na última semana. O autor dos ataques teria sido um dos envolvidos e a professora Elisabeth, vítima do atentado, uma das que separaram os estudantes durante o conflito.
Um adolescente que estudava na escola disse que o autor dos ataques tinha uma relação complicada com outros alunos, se envolvendo com frequência em brigas e discussões, inclusive com ofensas racistas. “Ele ameaçava de morte, falava: ‘Vou matar todo mundo’”, disse.
Ainda de acordo com colegas, na semana retrasada ele havia se envolvido em discussões de cunho racista a outro aluno. Segundo o secretário da Educação do Estado de São Paulo, Renato Feder, a diretora da escola pretendia conversar na segunda-feira passada com o menino. “Ela me disse que a briga foi na sexta (retrasada) e ela tinha marcado para conversar com ele na segunda-feira (passada)”, afirmou o secretário, na ocasião.
Segundo o delegado Reis, a investigação agora busca descobrir “o que aconteceu antes e o que motivou” o ataque. Além de apurar as redes sociais do rapaz, a polícia tenta entender também se ele teve algum tipo de apoio ou instigação para o crime.
A Polícia de São Paulo investiga se outras pessoas ajudaram o adolescente de 13 anos a cometer o ataque na Escola Estadual Thomazia Montoro. O jovem chegou a dizer no Twitter sobre seu plano de violência e sua ideia de executá-lo na segunda-feira (passada). Segundo o secretário de Segurança, Guilherme Derrite, aqueles que curtiram ou comentaram as mensagens também estão sendo investigados.
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Outros ataques foram impedidos neste ano?
Segundo Derrite, outros ataques em escolas de São José dos Campos, Caçapava e Tupã, todas no interior do Estado, foram impedidos este mês pela polícia, que agiu antes dos agressores. “Ações já vêm sendo tomadas nas inteligências das polícias para evitar que tragédias como essa aconteçam”, disse o secretário nesta segunda-feira.
Derrite pediu que a imprensa e a sociedade, pelas redes sociais, não divulguem os vídeos do ataque para que isso não estimule “adolescentes que estejam imbuídos de vontade de cometer novos atos”. Especialistas também recomendam esse tipo de providência e que não se divulgue detalhes do agressor para que ele não seja tratado como exemplo para grupos violentos. Pesquisas internacionais mostram que há até três casos de violência em escolas após um primeiro ser divulgado.
Foram contratados psicólogos para prestar atendimento na rede estadual de ensino?
A Secretaria da Educação do Estado anunciou que já iniciou processo de contratação de 150 mil horas de psicólogos para atender a rede de ensino de forma presencial durante um ano. Desde a pandemia, os atendimentos psicológicos vêm sendo feitos remotamente. “Independentemente da tristeza de hoje, já estava no cronograma essa contratação, está na cotação de preços e já faremos a licitação”, disse o secretário Feder. Desde 2019, lei federal diz que as escolas da rede pública do País devem ter serviços de psicologia.
Feder afirmou ainda que o Estado vai ampliar o programa Conviva, em que profissionais trabalham nas escolas para lidar com conflitos, como brigas, agressão e discriminação. Há 500 deles na rede. O secretário disse que todas as 5 mil escolas estaduais terão um educador do Conviva.
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Como especialistas analisam a alta no número de ataques a escolas no Brasil?
Casos semelhantes começaram a aparecer no Brasil nos anos 2000 e se intensificaram recentemente. A especialista em convivência escolar e formação ética, Telma Vinha, que pesquisa violência nas escolas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que não há política pública no Brasil para prevenir novos ataques.
“Acende um alerta muito grande porque a gente sabe que vai acontecer de novo. Só não sabe onde. Antigamente esses casos aconteciam muito mais devido a bullying, sofrimento, agressão. Isso permanece, mas atualmente são muito mais movidos por uma radicalização da juventude”, disse ela.
“A gente classifica os ataques em dois tipos: o primeiro são os motivados principalmente por vingança, raiva, que é o que aconteceu em São Paulo. Mas todos têm planejamento. Não é que acontece uma briga e tiro um estilete, entende? É algo que a pessoa volta para mostrar o que é capaz, para se vingar. Existe premeditação, planejamento, que geralmente é aprendido na internet. O outro tipo de ataque tem também sofrimento na escola, por isso que ele volta para escola, não para qualquer outro lugar, mas é cometido por adolescentes usuários de uma cultura extremista. Tem o objetivo de fazer o maior número de vítimas”, completou a especialista.
O que é possível a sociedade fazer?
“Uma das coisas que você vê claramente é o problema de flexibilização das armas, que favorece muito a letalidade do ataque. Em muitos dos casos que ocorreram no Brasil, usaram armas de parentes. Tem de haver mudança no sentido de não só a diminuição das armas, dos calibres, como responsabilizar o dono da arma. Outra coisa são as plataformas da internet. Você fica chocado se entra em plataformas, como o Twitter. Os meninos colocam claramente o que vão fazer. As pessoas vão sendo cooptadas. Se você denuncia para a plataforma, ela não sabe o que fazer. Elas (as plataformas digitais) têm de ser responsabilizadas”, afirma Telma.
E nas escolas, que trabalho precisa ser feito de prevenção?
“A gente sabe que aumentar a vigilância e segurança na escola não funciona. Para se ter ideia, em Barreiras, na Bahia, aconteceu em uma escola cívico militar. A segurança e proteção da escola têm de existir em regiões vulneráveis, mas ela tem de ser aberta à comunidade, é parte do território. As escolas precisam melhorar a qualidade da convivência porque, em todos os casos, têm sofrimento na escola, todos. A gente defende fortemente políticas públicas na área da convivência escolar, da convivência democrática, que ajudem os professores a se sentirem capazes de lidar com conflito”, finaliza a especialista em convivência escolar e formação ética.
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