Entregues parcialmente em 2018, as obras viárias do prolongamento da Avenida Chucri Zaidan serão reiniciadas pela Prefeitura de São Paulo neste semestre. Essa etapa complementar envolve a retomada da construção do túnel sob a Avenida Cecília Lottenberg (antiga Rua José Guerra) e a implementação de uma rampa de acesso para ciclistas junto à Ponte Laguna, no distrito Santo Amaro, zona sul de São Paulo. Especialistas ouvidos pelo Estadão divergem se a passagem subterrânea terá impacto efetivo em reduzir os engarrafamentos na região.
O consórcio ou empresa responsável pela obra terá o nome divulgado em 28 de julho, com um contrato de 36 meses e possível entrega em 2025. A licitação foi retomada com ajustes após a liberação do Tribunal de Contas do Município (TCM), que suspendeu o edital anterior por quatro meses ao constatar mais de 20 “infringências/irregularidades”, como o apontado sobrepreço em alguns itens.
O valor estimado foi reduzido de R$ 527 milhões para R$ 442 milhões. Segundo a Prefeitura, embora seja uma obra da Operação Urbana Água Espraiada, os recursos não virão dessa fonte, mas do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), voltado prioritariamente a obras de habitação e mobilidade.
Na prática, serão duas passagens subterrâneas, uma em cada sentido e com duas pistas. A avenida é uma continuação da Chucri Zaidan, um dos principais endereços corporativos paulistanos. A extensão total chegará a cerca de 880 metros, voltados a funcionar como ligação alternativa à Marginal do Pinheiros.
Os acessos do túnel são hoje visíveis, pois foram parcialmente construídos antes da entrega parcial da obra. A justificativa para manter a construção inacabada por cinco anos envolve “fatores que consumiram mais recursos do que o previsto, como desapropriações e adequações de projeto”, conforme nota enviada pela gestão Ricardo Nunes (MDB). A Prefeitura diz que a passagem subterrânea vai promover “uma melhoria na mobilidade urbana da região”.
O edital envolve, ainda, a instalação da rampa cicloviária em uma estrutura metálica junto à Ponte Laguna (voltada a conectar a região à outra margem do Rio Pinheiros) e o alargamento da Cecília Lottenberg entre as Ruas João Dória e Antônio de Oliveira em mais duas faixas — uma para a extensão do corredor de ônibus da Chucri Zaidan. Além disso, as obras incluem intervenções paisagísticas, a readequação das calçadas para a acessibilidade, o enterramento de redes aéreas de energia e outros.
A retomada da obra deve findar reclamações constantes de uma parte das associações de bairro do entorno, que cobram frequentemente uma solução, por causa do trânsito da região e de questões sanitárias. Um dos aspectos mais criticados é que as entradas do túnel acumulam água parada e são um potencial foco para a proliferação de mosquitos, como o aedes aegypti. A Prefeitura diz fazer a limpeza frequente do local, a última no dia 1º.
A efetividade do túnel em desafogar significativamente o trânsito na região divide opiniões entre especialistas. Outro ponto criticado é a destinação dos recursos da Operação Urbana Água Espraiada, pois grande parte foi voltada à construção de intervenções viárias para o fluxo principal de carros (como túneis, pontes e viadutos) e desapropriações. Em nota, a Prefeitura disse que está elaborando a licitação para construção de 173 unidades habitacionais de interesse social e para a contratação dos projetos de outras 416 unidades.
Como o Estadão mostrou, a gestão Nunes estuda a retomada de outra obra parada de um túnel, na região do Parque do Ibirapuera, sob a Avenida Presidente Juscelino Kubitschek. A proposta foi colocada em consulta pública e envolve uma construção iniciada há mais de 30 anos.
Doutor em Engenharia com foco em Mobilidade Urbana, Luiz Vicente Figueira de Mello Filho descreve a obra do túnel como uma medida “do século passado” e na contramão do que é feito em outras metrópoles. Isso porque envolve uma obra viária para os carros e que, por consequência, estimula o transporte individual em detrimento do coletivo.
“Não vejo como uma alternativa que vá melhorar. Pode melhorar pontualmente, na inauguração, mas é uma questão de pouco tempo para que volte a ficar parado. Depois, o (aplicativo) Waze já mostra (como sugestão de percurso) e preenche rapidinho (de carros)”, explica. “Não vai resolver o problema, só vai aumentar o problema.”
Também engenheiro, o vice-presidente do Crea-SP, Mamede Abou Dehn Júnior avalia que a obra tem potencial de atenuar uma área muito “gargalada” de trânsito. “Vai aumentar o escoamento. Dobrar o número de faixas naquele trecho. Com certeza, vai haver alívio no trânsito.”
O representante do Crea-SP também comenta que outras obras presentes no edital podem melhorar o deslocamento por transporte coletivo (com a expansão do corredor) e na mobilidade ativa, como a rampa cicloviária. “Hoje, é um problema (de segurança para) o ciclista dividir o espaço com o carro.”
Já o professor de Planejamento Urbano da USP e urbanista Eduardo Nobre avalia que essa licitação expõe o que chama de um problema sério das operações urbanas, que é a destinação de grande parte dos recursos para obras viárias e desapropriações, o que privilegiaria o setor construtivo e a população usuária de automóvel. Na avaliação do pesquisador, a prioridade da Prefeitura deveria ser voltada ao transporte coletivo e à produção de habitação para a população de baixa renda da região. “Há uma discrepância grande entre a demanda real da população que mora lá e a atuação do poder público.”
Outro ponto que o urbanista destaca é que o planejamento urbano voltado a grandes centros corporativos (os “central business districts”) tem se enfraquecido em meio ao crescimento do home office e das tecnologias. “A necessidade de construção desses espaços destinados a edifícios de escritório (como na região da Chucri Zaidan) diminuiu muito. Não é mais o mesmo de 20 anos atrás”, comenta. Além disso, cita que as referências internacionais desses espaços têm uma melhor oferta de transporte coletivo de massa, sendo menos dependentes do acesso por carro.
Operação Urbana Água Espraiada tem contratos paralisados e obras parcialmente entregues
A Operação Urbana Água Espraiada obtém recursos especialmente por meio do leilão de créditos construtivos para a verticalização na região, os quais devem ser obrigatoriamente reinvestidos localmente. Criada por lei em 2001, essa operação urbana busca fazer grandes transformações na região do distrito de Santo Amaro e obteve uma receita total de R$ 3,9 bilhões, contabilizada até o fim de maio, porém nem todos os contratos foram cumpridos.
A destinação desses recursos é avaliada periodicamente pela Caixa. Segundo o relatório de maio, 11 contratos da operação urbana estão paralisados ou suspensos, cinco foram encerrados sem a conclusão total da obra — como é o caso do túnel da Avenida Cecília Lottenberg — e 26 foram inteiramente concluídos.
Do total de recursos, a Operação Urbana Água Espraiada tem a destinação com a seguinte divisão: obras e serviços (R$ 1,4 bilhão), desapropriações em geral (R$ 865,8 milhões), habitação de baixa renda (R$ 601,8 milhões), transporte coletivo (R$ 390,1 milhões), desapropriações envolvendo habitação para baixa renda (R$ 354,6 milhões) e outros (R$ 280,1 milhões).
Em 2004, a Operação Água Espraiada previa mais de 3 quilômetros de passagem subterrânea na região, ligando a Rua João Dória à Avenida João Dias, junto com um parque linear. A principal obra chegou a ser licitada à época, mas não é mais cogitada pelo poder público.
“Mesmo com a redução do escopo (para o túnel da Avenida Cecília Lottenberg) não foi possível concluir a obra do túnel, tendo sido executados apenas seus emboques”, justifica a Prefeitura no edital da licitação. A gestão também alega que a construção vai aumentar a “acessibilidade urbana da região sul” e que “sem a passagem subterrânea, a mobilidade na região ficou prejudicada, o trânsito ficou sobrecarregado, além de ser uma área inutilizada”, acrescenta.
Um comunicado veiculado pela gestão Nunes também afirma que as obras ligadas ao prolongamento da Chucri Zaidan “vem consolidar e expandir o eixo de desenvolvimento de um importante centro empresarial da metrópole”, formado pelas Avenidas Nações Unidas, Engenheiro Luís Carlos Berrini e Chucri Zaidan.
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