Quem passa hoje pelo Mercado Municipal de São Paulo, um dos principais pontos turísticos da capital, vê um grande canteiro de obras. Andaimes sobre os quiosques de comida, tapumes no chão e um cheiro de esgoto que vem dos fundos – do estacionamento do mercado, onde há um buraco no chão e máquinas – fazem parte do cenário. “Faz tempo que essas obras estão aí”, diz a empresária Maria Adina, frequentadora do espaço, que completou 90 anos em 2023. “O Mercadão parece um pouco abandonado.”
Em outubro, o Tribunal de Contas do Município (TCM) emitiu alerta à Prefeitura sobre possíveis problemas na concessão do Mercadão, feita no início de 2021 à iniciativa privada pelo valor de R$ 371 milhões, com prazo de 25 anos. O tribunal cobrou o cronograma de obras emergenciais. O prazo de conclusão era junho de 2023, mas só 13% do valor de investimento foi aportado até então, segundo o órgão. Até a qualidade da obra e a cor da tinta usada para pintar a fachada motivaram críticas.
“Os auditores apontaram que a dívida da concessionária é significativamente superior ao capital, restando saldo negativo de R$ 24 milhões”, aponta o TCM. A outorga fixa de R$ 112 milhões foi paga em atraso, sem multa nem correção de valor.”
Procurada pelo Estadão, a empresa concessionária, Mercado SP, afirma que a conclusão dos analistas do tribunal leva em conta dados de 2022 e não “a situação real da empresa em sua completude”. A companhia diz que não há dívidas hoje, afirma ter “plena capacidade de investimento” e promete comprovar isso ao órgão.
Sobre as obras, a Mercado SP diz que parte das reformas estipuladas no contrato já foi feita e que os atrasos se devem à demora da Prefeitura em fazer aprovações, sobretudo em questões relativas à preservação do patrimônio.
O Mercadão e o centenário mercado Kinjo Yamato, que fica ao lado e faz parte do complexo no centro paulistano concedido à empresa, demandam uma série de análise técnicas para serem reformados, por serem prédios históricos.
Segundo a Prefeitura, as obras nos dois mercados ainda não foram autorizadas pelos órgãos de Preservação: Conpresp (municipal) e Condephaat (estadual). “O início da execução de uma obra deste porte sem o devido licenciamento implica em crime previsto no Código Civil”, diz a gestão municipal. Diante do impasse, acrescenta, a concessionária pediu a prorrogação dos prazos por mais 18 meses para o cumprimento da etapa.
Os comerciantes também percebem o ritmo lento das obras. “Não mudou praticamente nada de 2021 pra cá. Está a mesma coisa de quando era da Prefeitura”, opina Hugo Leonardo de Freitas, vendedor de temperos.
Segundo ele, há 35 anos no Mercadão, a maioria das obras feitas até agora foram aquelas mais urgentes, que provavelmente seriam feitas de qualquer forma. “Tivemos problemas no encanamento, os canos estavam entupidos, e estão trocando”, afirma.
“Tem umas reformas acontecendo, como a pintura no teto, mas parecem paradas. Entendo que não é fácil reformar com o mercado funcionando, cai poeira nas comidas”, afirma Dejair Parpinelli, vendedor de frutas há oito anos. “A Prefeitura não fez nada por tanto tempo que acho bom que ao menos estejam fazendo algo, apesar de pouco e devagar.”
Apagões e equipamento emprestado para não perder mercadoria
A discussão sobre o estado de manutenção do Mercadão ganhou força após o prédio sofrer com apagões nos últimos meses. Uma obra pública na Avenida do Estado resultou em danos a cabos de energia elétrica e, apesar do tamanho, das lojas e restaurantes e do grande fluxo de visitantes, o Mercadão não tem geradores de energia. Foi preciso pedir equipamentos emprestados à Enel, fornecedora de energia na Grande São Paulo, para que mercadorias não fossem perdidas.
O CEO da concessionária do local, a Mercado SP, Aldo Bonametti, afirma que foram feitos os reparos necessários na cabine de força do prédio para a instalação dos geradores, mas dependia de autorização da Enel para finalizar o projeto. Segundo ele, houve sinal verde da empresa de energia no mês passado. Os geradores devem ser colocados e começar a funcionar até o final deste ano, de acordo com Bonametti.
A instalação de geradores, junto a uma série de reformas emergenciais fazem parte do contrato de concessão. Pelo contrato, o investimento previsto em obras de melhoria nos mercados era de R$ 88 milhões, tendo junho deste ano como prazo. Mas, segundo a auditoria do TCM, foram aportados até então só R$ 11 milhões, 13% do previsto.
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Segundo Bonametti, no Mercadão, já foram feitos conserto do telhado, pintura da fachada e reparos elétricos. No Kenji Yamato, a rede elétrica e as infiltrações foram corrigidas, mas falta todo o processo de restauração interna e externa, que depende da liberação da equipe de patrimônio histórico.
As obras do Mercadão em execução, no encanamento e de restauração e pintura do teto, devem ser entregues até o fim do ano e maio de 2024, respectivamente. No ano que vem, subsolo, vestiário e banheiros dos funcionários devem ser reformados, diz Bonametti. Já outras intervenções, como a possível ampliação do mezanino, dependem ainda do aval da Prefeitura.
TCM fala em sinais de ‘má execução’, mas concessionária nega
O TCM afirma que, além do baixo investimento, “as poucas obras gerais já executadas necessitam de diversas correções por apresentarem sinais de má execução, como manchas no piso por falta de proteção, brilho excessivo nas peças de resina e pintura com tonalidades diferentes das originais”. A concessionária nega má execução.
Até mesmo a cor da fachada do prédio histórico vem sendo discutida: o TCM diz que está muito diferente do original, mas a concessionária afirma que a cor foi checada pelo setor de patrimônio histórico da Prefeitura. “Toda a tinta utilizada foi definida e aprovada de acordo com as características originais do Mercadão”, afirma Bonametti. A prefeitura confirmou a informação.
“Parece que, em um restauro anterior, de 2004, eles acabaram usando uma tinta que não era apropriada, que não deixava a argamassa respirar, e acabou ficando naquele tom mais escuro. Além disso, a interferência de chuva e da própria poluição fazem com que, com o tempo, a cor acabe ficando um pouco mais escura”, diz o CEO.
O alerta do TCM dá prazo de 30 dias úteis, até 27 de novembro, para que a Prefeitura avalie os questionamentos levantados e dê respostas ao tribunal. Até agora, os resultados da auditoria são preliminares.
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