O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e a Polícia Civil deflagraram nesta terça-feira, 14, uma operação para cumprir 12 mandados de prisão preventiva e 14 de busca e apreensão contra advogados e líderes de uma organização não governamental (ONG) investigados por envolvimento com o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Os advogados, integrantes da chamada “Sintonia dos Gravatas”, seriam responsáveis por contratar médicos e dentistas, com dinheiro do tráfico de drogas, para realizar prodimentos estéticos em líderes da facção.
Já a Ong Pacto Social & Carcerário São Paulo, alvo da operação, teria sido criada sob demanda da organização criminosa, passando a promover protestos e falsas denúncias a mando do PCC, aponta a investigação.
Procurada, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) disse acompanhar a investigação e ressaltou “seu compromisso com a ética e a legalidade”. Já os responsáveis pela ONG, que tem sede em São Bernardo do Campo, foram contatados pelas redes sociais e não deram retorno até a última atualização desta reportagem.
Conforma a Polícia Civil, foram oito presos nas ruas. Entre eles, estão três advogados, além do presidente e o vice-presidente da organização não governamental. Os outros quatro alvos de mandados de prisão são detentos do sistema carcerário.
De acordo com as autoridades, a ONG teve os seus serviços suspensos por ordem judicial, além de ter os perfis derrubados nas redes sociais.
O nome da operação, “Scream Fake” (Falso Grito, em tradução), refere-se a uma participação da ONG no documentário Grito (2024), disponível na Netflix, que discute o sistema carcerário e seu impacto nas famílias dos detentos. A empresa de streaming diz que esse é um conteúdo licenciado que está em sua plataforma, mas não é uma produção original da Netflix.
Os mandados foram cumpridos nas cidades de São Paulo, Guarulhos, Presidente Prudente, Flórida Paulista, Irapuru, Presidente Venceslau e Ribeirão Preto, além de Londrina, no Paraná.
As investigações começaram em 2021, quando um visitante da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau tentou entrar na unidade com um pacote com drogas K (maconha sintética) e cartões de memória escondidos nas roupas. Ela foi presa em flagrante na época.
“Nos cartões, havia diversos arquivos contendo pastas dos setores de saúde da facção, rol de médicos e dentistas, advogados com codinomes, além de um material da ONG, em que ela prestava conta à cúpula da facção”, disse o delegado Edmar Caparroz, do Departamento de Polícia Judiciária do Interior (Deinter) 8, de Presidente Prudente.
Conforme o delegado, a análise dos cartões de memória foi central para o avanço inicial das investigações. Os dados coletadas ganharam ainda mais sentido com a apreensão de novos manuscritos em unidades prisionais nos anos seguintes, incluindo em 2023.
“Ali (no ano passado) foi onde nos causou bastante preocupação: neste novo manuscrito, o contexto trazia um orquestramento de manifestações, que deveriam ocorrer em todo o País, e, no âmbito dessas manifestações, esse manuscrito sugeria que os presos simulassem tortura no ambiente prisional e inclusive sugeria a morte de três agentes públicos”, afirmou Caparroz.
As autoridades disseram que não foram identificados quais agentes seriam esses. “Neste caso, muito provavalmente seriam diretores ou policiais penais”, disse o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP-SP.
O material analisado apontou para uma sofisticada divisão de setores na facção. Conforme as autoridades, as pessoas presas nesta terça estariam envolvidas sobretudo com as áreas dos “gravatas” (advogados), da “saúde” e de “reivindicações”.
“O diferencial dessa operação foi a descoberta desse setor de reivindicações, que é um setor ligado à ‘Sintonia dos Gravatas’, coordenado por eles. Eles (gravatas) não só coordenavam a contratação desses profissionais de saúde, para atender determinados presos, como também (faziam) a coordenação dessa ONG, que teoricamente era ligada aos direitos humanos e direitos dos presos”, disse Gakiya. “Ela absolutamente foi mantida e gerida pelo PCC para criar factoides, para criar denúncias falsas.”
Conforme a investigação, a estratégia era criar ações judiciais teoricamente legítimas para “desestabilizar o sistema de justiça criminal e colocar a opinião pública contra o poder estatal”.
Na prática, isso podia resultar em pressão pela troca de agentes penitenciários ou de diretores de presídios que estivessem no caminho do Primeiro Comando da Capital. Segundo Gakiya, algumas dessas falsas denúncias foram levadas inclusive ao Poder Judiciário.
As autoridades apontam que os advogados - “gravatas” - seriam responsáveis não só pela assistência jurídica e por organizar reivindicações, mas também por gerenciar o setor da “saúde”, que respondia pela seleção de médicos e dentistas para prestar atendimento no interior das penitenciárias.
Os profissionais de saúde realizavam inclusive intervenções cirúrgicas e estéticas, como clareamento dentário, sem saber que estavam colaborando com os integrantes da facção, mas recebiam valores expressivos para isso, de acordo com a Polícia Civil.
A ONG, aponta a investigação, financiava esses procedimentos com recursos obtidos pelo “setor financeiro”, por meio de práticas criminosas.
A Ong Pacto Social & Carcerário São Paulo está localizada no interior de uma comunidade, em São Bernardo do Campo, e atua na defesa dos direitos dos presos. Segundo a operação, ela estaria sendo usada para ser a “voz” das lideranças do PCC.