Estampidos, bombas de efeito moral e cheiro de pólvora no ar. Sexta-feira foi dia de festa no famoso quartel amarelo das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). A mais polêmica unidade da Polícia Militar de São Paulo comemorou seus 40 anos desfilando seus homens, armas e números. Sua tropa mandou em 2010 três pessoas por dia para a cadeia e um total de 56 para o cemitério."A população não quer ser afagada pela polícia. Para afagar tem namorada e namorado", afirmou o tenente-coronel Paulo Adriano Telhada, que organizou a festa com telão, cascata de fogos e trilha sonora heavy metal, além da tradicional banda marcial da PM. Telhada, que assumiu o comando da Rota em 2009, não foi o único a discursar. Lá também estava o secretário da Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto. "Tive a coragem de usar a Rota como outros não tiveram, resgatando um importante instrumento no combate à criminalidade violenta."A ausência de dois dos seus pelotões na festa seria a prova dos novos tempos. Pela primeira vez na história do batalhão, 40 policiais com suas boinas pretas foram enviados à região de Presidente Prudente, que concentra os presídios onde estão os mais perigosos bandidos do Estado. Trata-se da Operação Divisa, para combater o tráfico de armas e drogas e, ao mesmo tempo, mandar um recado às facções criminosas.Desde 2009, a Rota se transformou em um dos principais instrumentos contra o crime organizado no Estado. Seus homens foram responsáveis pela apreensão de 1,3 tonelada de drogas e de armas suficientes para equipar um batalhão. Ao mesmo tempo, os casos de uso de força letal aumentaram - até 7 de outubro, a Rota havia matado o mesmo número de pessoas que em todo o ano passado.Tema de muitas campanhas eleitorais, coincidentemente, foi a necessidade de pôr a PM na rua que fez a Rota nascer oficialmente, em 15 de outubro de 1970. Naquela época, a tropa do 1.º Batalhão Tobias de Aguiar vivia aquartelada e quase só era usada em operações de policiamento de choque. Quarenta anos depois, os carros cinzas com o "R" estilizado na porta deixam o quartel no centro da cidade três vezes por dia.A atual centena de Blazers da unidade deve ser trocada por Hilux. Uma fartura muito distante de quando, em caráter experimental, ela começou com um jipe e uma picape C-14 velhos - só depois vieram as Veraneios. Ali, nos anos 70, quem tinha muita derrubada (ocorrências com morte) ganhava medalha, promoção e prêmio. Era o tempo em que o general Torres de Mello, então comandante da PM, incentivava os oficiais, dizendo: "Vamos caçar bandido". E a tropa não deixava por menos. "Havia tiroteio todo dia", disse o coronel Salvador D"Aquino, fundador da Rota. Ouvido pelo Estado em 2004 - entrevista inédita -, D"Aquino comandava a unidade na época do caso Rota 66.Era madrugada de 23 de abril de 1975 quando três jovens de classe média foram metralhados pela guarnição 66 da Rota, iniciando a longa fila de casos polêmicos da unidade. Para Telhada, os tempos eram outros. "Eram anos de chumbo. Depois aprendemos que a polícia não tem inimigos. Não somos um exército em guerra, mas, na época, as pessoas não pensavam assim."Os casos eram tantos que, em 1983, o então governador eleito de São Paulo, Franco Montoro (PMDB), pensou em acabar com a Rota. A maioria dos oficiais carregados com ocorrências com mortes foi transferida. Entre eles estava o capitão Conte Lopes, que se envolveu em mais de 30 tiroteios. "Graças a Deus, quem sempre levou a pior foram os bandidos." O afastamento causou protestos de taxistas. Conte desembarcou na política, onde conquistou seis mandatos sucessivos como deputado estadual - o capitão não foi reeleito desta vez.Em 1992, a Rota voltou a ser notícia por causa da operação que culminou com a morte de 111 presos no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo. Ao todo, 59 de seus homens foram denunciados no caso. Após o massacre, assumiu a unidade o tenente-coronel Ivan Marques de Almeida. Em poucos dias, ele mandou embora do batalhão quase uma centena de sargentos. Depois disso, outras caças às bruxas ocorreram.Apesar dos sucessivos afastamentos, defensores dos direitos humanos, como o advogado Rildo Marques de Oliveira (Centro Santo Dias e Movimento Nacional de Direitos Humanos), dizem que "a cultura de eliminação" permanece no batalhão. "É uma cultura criada no passado que resiste, apesar de o comando atual estar imbuído de nova perspectiva."É essa perspectiva que faz com que o policial candidato a entrar na Rota não possa ter uma ficha carregada com mortes. Telhada é exceção - ele tem mais de 20 ocorrências com morte na carreira. Além da seleção, a PM investe no treinamento dos 575 homens do batalhão.O sargento Tamir Klaus Meitling (16 anos de Rota) é quem cuida das armas. São fuzis, submetralhadoras, espingardas, pistolas, revólveres e bombas de diversos tipos usados por homens como o sargento Silvio Luis da Silva, de 46 anos, e o cabo Alex Morello Fernandes, de 45. Mesmo eles - ambos têm mais de 20 anos de batalhão - devem treinar. "Aqui é proibido morrer em serviço", diz Morello. No ano do 40.º aniversário, a Rota não perdeu nenhum homem em tiroteio.
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