A região de Pacaembu e Perdizes, na zona oeste de São Paulo, tem visto uma onda de invasões a imóveis vazios, muitas vezes seguidas de tentativa de extorsão, nos últimos meses. Os grupos miram casas, sobrados e até prédios que estejam desocupados e, em alguns casos, cobram dos proprietários para deixarem o local.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP), ao menos cinco ocorrências do crime de alteração de limites (se apropriar, de forma parcial ou total, do imóvel alheio) foram registradas no 23º Distrito Policial (Perdizes) entre janeiro e abril.
A Polícia Civil diz, em nota, analisar se há relação entre os casos. Conforme fontes da polícia e moradores do bairro, parte dos grupos condiciona a saída do terreno ao recebimento de alta quantia em dinheiro dos proprietários.
Os valores, segundo relatos, já chegaram a R$ 100 mil. Se a vítima decide não pagar, precisa recorrer à Justiça e entrar com ação de reintegração de posse, o que pode demorar dias.
Na Rua Apiacás, na esquina com a Rua Ministro Gastão Mesquita, uma invasão ocorreu em um prédio inacabado de oito andares na sexta-feira, 19. O local, onde as obras estão paralisadas, foi tomado pela Frente de Luta por Moradia (FLM). Nesse caso, não há relato de extorsão.
Segundo os invasores, cerca de cem famílias estão ali. Eles se mudaram para o local após reintegração de posse de um edifício em construção na Avenida Santa Inês, no Mandaqui, zona norte paulistana, que estava invadido desde outubro de 2022.
Geni Monteiro, coordenadora do movimento “Lutar e Vencer”, filiado à FLM, nega novas ocupações. “O plano foi feito conforme as necessidades dessas famílias. Por falta de atendimento, elas ficaram ao relento. Por isso, a ocupação imediata”, diz a coordenadora. “Mãe solo não pode ficar nas ruas”, continua.
A entidade nega cobrar para deixar o local. “Ocupante não quer dinheiro, quer moradia”, afirma.
Os invasores afirmam que a obra foi embargada, mas a reportagem não conseguiu localizar processo administrativo ou judicial. Procurada, a Prefeitura ainda não se manifestou.
Vizinhos dizem que o prédio da Apiacás já havia sido tomado no ano passado.
O edifício pertence à massa falida da Construtora Atlântica, segundo informações que constam no Diário Oficial da Cidade. O Estadão entrou em contato com a administradora da massa falida e aguarda retorno.
Proprietários vão à Justiça para reaver imóveis
“Há o indicativo de que (os invasores) mapeiam, estudam e até monitoram imóveis que não estão sendo usados; observam a falta de movimentação da casa, como acúmulo de correspondência na caixa do correio”, afirma Josué Paes, presidente do Conselho de Segurança (Conseg) da área de Perdizes e Pacaembu.
“Há relatos que se trata de um esquema arquitetado, organizado”, afirma Paes. “Depois, o proprietário precisa acionar a Justiça e provar que o imóvel é dele e que não está abandonado.” A presença de crianças, adolescentes e idosos nos locais invadidos, dizem moradores da região, frequentemente dificulta a reintegração.
Fundada em São Paulo em 2004, a FLM afirma em seu site ter expandido sua atuação para outros Estados desde 2017. Em suas publicações, o movimento diz que “ocupar não é crime”.
Segundo o artigo 161 do Código Penal, é crime “suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia”. A pena prevista é de detenção de um a seis meses, além de multa.
A FLM tem assento no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão, grupo de representantes da sociedade civil criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Vídeo publicado nas redes sociais do movimento neste mês mostra o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), falando sobre a Frente ter recebido unidades habitacionais via programa federal.
“São 500 novas casas do Minha Casa, Minha Vida para a Frente de Luta pela Moradia”, afirmou, em vídeo publicado nas redes sociais da FLM. O Estadão procurou os ministério das Relações Institucionais e o das Cidades, responsável pelo Minha Casa, Minha Vida, para comentar a invasão em São Paulo, mas não obteve resposta.
Na semana passada, o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) disse nas redes sociais ter enviado ofício à Justiça pedindo mais prazo para a saída das famílias da invasão no Mandaqui. Pela assessoria, Suplicy disse que contatou as pastas municipais da Habitação e de Assistência e Desenvolvimento Social pedindo o cadastramento e atendimento para as famílias removidas
Procuradas pela reportagem, as secretarias não responderam até a publicação deste texto.
‘Nunca tinha visto isso’
As denúncias dos moradores indicam também que duas casas na Rua Heitor de Morais sofreram com a invasão, mas a SSP localizou boletim de ocorrência em só um dos casos.
Conforme vizinhos, um desses imóveis foi invadido no domingo, 21, mas desocupado horas depois. O outro segue tomado. Segundo o grupo que invadiu a residência, são cinco famílias, com cerca de 25 pessoas, incluindo crianças.
Esse grupo afirmou ao Estadão na manhã desta terça-feira, 23, que vivia em um imóvel perto da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). O local foi desapropriado por causa das obras da futura Linha 6-Laranja do Metrô.
Diante disso, uma parte deles resolveu ir para esse imóvel na Heitor de Morais. Os invasores afirmam não integrar movimentos por moradia.
“Moro aqui desde 2012, e nunca tinha visto isso”, diz uma moradora do bairro, que prefere não se identificar. “Outro dia, uma vizinha estava reformando a casa e percebi um rapaz entrando e roubando coisas. Falei com ela, que agora colocou um segurança para dormir lá dentro”, continua.
A vizinhança compartilha informações pelas redes sociais e tem reforçado a estrutura de segurança dos imóveis da região, onde já são frequentes os muros altos e os portões elétricos fortificados.
O proprietário de um dos imóveis invadidos na região contratou cães de guarda para vigiar a casa. “Recebemos o pedido para trazer os cachorros neste final de semana”, conta um funcionário, que também pediu anonimato.
“Uma vizinha enviou vídeos e me pediu para tomar cuidado”, conta outra moradora. Ela faz referência a uma gravação, que mostra o momento em que uma mulher, supostamente dona de uma das casas violadas, confronta os invasores.
“O que nos preocupa é que isso nos traz um prejuízo danado, além da insegurança”, acrescenta a moradora. O Estadão não conseguiu localizar os proprietários dos demais imóveis invadidos.
Ainda segundo a SSP, nenhuma das vítimas entrou com representação criminal ainda, apesar da orientação da autoridade policial. A pasta reforça a importância da representação criminal para a abertura de inquérito e a investigação mais aprofundada dos episódios.
A secretaria ressalta ainda que informações que possam auxiliar o trabalho das polícia podem ser feitas por meio do Disque Denúncia (181) ou diretamente à delegacia.
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