Dados reunidos em relatório da Defensoria Pública de São Paulo mostram que em 68% das ocorrências gravadas pelas câmeras corporais de policiais militares há obstáculos ou dificuldades para saber o que de fato ocorreu. O dado mostra que o uso das chamadas bodycams vem sendo burlado, segundo o órgão. Procurada, a Secretaria da Segurança Pública ainda não se manifestou.
Entre os principais obstáculos observados, estão:
- em 24% dos casos, o policial equipado com as câmeras corporais se afasta do local da abordagem;
- 32% das ocorrências registram ocultação da câmera por algum anteparo ou direcionamento a local diverso da abordagem, como o rosto do policial, seu braço ou o chão;
- em 39% dos casos, houve a retirada da câmera corporal, deixando-a na viatura ou em outra localização;
- em outros 5% dos casos, a câmera está desligada no momento da abordagem policial.
A pesquisa integra a nova representação feita pelo órgão no Supremo Tribunal Federal (STF) no sábado, 7, para que todos os PMs usem câmeras corporais com o modelo atual de gravações automáticas e ininterruptas. O pedido foi aceito pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que também definiu a obrigatoriedade do uso de câmeras, nesta segunda-feira, 9.
O ministro também determinou que o Estado usasse a tecnologia com gravações ininterruptas das ocorrência. O novo modelo, implementado pelo governo a partir deste mês, permite ao policial interromper a captação de imagens.
Na sexta-feira, 6, ao responder a Barroso, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), por meio da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), afirmou que o novo modelo proposto pelo poder estadual permitiria acesso remoto da câmera, independentemente da vontade do policial na ocorrência.
O governo afirmou ainda que a ativação poderá ocorrer “assim que o Copom sinalizar que aquele policial está atendendo a uma ocorrência ou pelos supervisores do batalhão”.
Na semana passada, em meio à crise da escalada da violência policial, Tarcísio afirmou que estava “completamente errado” ao criticar o uso das câmeras, que são “instrumento de proteção da sociedade e do policial”. O governador, no entanto, manteve Guilherme Derrite à frente da Secretaria da Segurança Pública.
No documento enviado ao STF, a Defensoria citou casos recentes de violência policial que configuram uma crise de segurança pública em São Paulo. Entre as ocorrências cujas gravações repercutirão no último mês, estão a de um homem atingido nas costas após tentativa de roubo em um mercado, a agressão a uma idosa em Barueri e o flagrante de um policial atirando um homem de uma ponte na zona sul da capital.
A sequência de denúncias fez Tarcísio admitir falhas e a necessidade de revisão não apenas de protocolos, mas de discurso. Apesar da mudança de tom, ele defendeu a manutenção do secretário da Segurança, Guilherme Derrite, no cargo.
Defensoria afirma que não teve resposta em quase metade das solicitações
A Defensoria afirma que solicitou o acesso das imagens das câmeras operacionais portáteis de policiais militares em 457 ocorrências que apontavam suspeitas de abusos ou flagrantes irregulares. Os casos ocorreram entre 1º de julho de 2024 e 29 de novembro 2024 na cidade de São Paulo. Do total, não houve resposta em 221 casos, ou 48,3%, conforme o órgão.
No universo das 236 respostas recebidas, apenas em 100 casos foi possível analisar a atuação dos agentes na abordagem policial. O órgão destaca ainda o fato de “as principais imagens dos abusos que hoje pautam o debate público não serem provenientes das câmeras corporais já são indício da gravidade desse processo”.
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“Em um dos casos analisados de gravação de rotina (sem acionamento intencional), o policial militar conversa com a pessoa detida no interior de uma Base Móvel e retira um cassetete do armário. Logo em seguida, após mostrar o cassetete à pessoa detida, retira a câmera corporal e a coloca em posição que inviabiliza a gravação do que acontece momentos posteriores ao fato. As imagens só voltam a ser registradas após 6 (seis) minutos”, afirma a Defensoria Pública.
Novas 12 mil câmeras têm tecnologia que permite pausar vídeo
Em setembro deste ano, a PM de SP assinou o contrato para a aquisição de 12 mil novas câmeras corporais com a empresa Motorola Solutions Ltda., vencedora da licitação. A gestão Tarcísio optou por equipamentos que gravam conforme o acionamento, ou seja, o policial é responsável pela escolha de gravar ou não uma ocorrência.
O modelo de gravação automática e ininterrupta grava o turno de serviço completo dos policiais. As câmeras corporais gravam ininterruptamente (vídeo de rotina) e, quando há acionamento para atendimento de ocorrência (vídeo intencional), passam a captar o som ambiente, com melhora da imagem.
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