O Ministério Público Estadual (MPE) está investigando uma das maiores construtoras de São Paulo, a Porte Engenharia e Urbanismo, sob a suspeita de ter vendido mais de uma dezena de imóveis para traficantes de drogas do Primeiro Comando da Capital (PCC) na região do Tatuapé, zona leste da capital. Segundo delação premiada feita por um ex-funcionário da empresa, executivos da Porte receberam pagamento de imóveis em dinheiro em espécie e sabiam de registros de bens em que o nome do verdadeiro proprietário ficava oculto.
Os bandidos também teriam lavado dinheiro adquirindo casas na Riviera de São Lourenço, litoral norte do Estado. Além disso, são suspeitos de pagar propinas milionárias a policiais civis.
Procurada pelo Estadão, a Porte Engenharia diz que não teve “conhecimento do documento da delação” e afirma cumprir a lei. Acrescenta que, se forem demandados pelas autoridades, vão contribuir. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) diz que qualquer desvio de conduta será apurado “rigorosamente” (leia mais abaixo).
A investigação sobre lavagem de dinheiro está na 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital e é conduzida por seis promotores do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPE. É nela que está o acordo de delação premiada fechado pelo empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach e homologado pela Justiça em abril.
A negociação dos defensores com os promotores começou em setembro de 2023. Na delação, o empresário de 38 anos, que trabalhou na Porte até 2018, disse que tomou conhecimento de mais 10 imóveis que foram vendidos pela Porte em favor da organização criminosa.
Gritzbach entregou documentos sobre quatro empreendimentos da construtora no Tatuapé, região onde a cúpula do PCC tem comprado imóveis e levado uma vida de luxo, como mostram reportagens do Estadão.
Gritzbach diz na delação que conheceu os integrantes da facção “no âmbito do ambiente de trabalho da Porte” por meio de um corretor de imóveis em razão da venda de dois apartamentos no bairro. O colaborador disse que, posteriormente, “tomou conhecimento que estes imóveis pertenciam a Anselmo Bechelli Santa Fausta”.
Santa Fausta, conhecido como Magrelo ou Cara Preta, era um dos principais traficantes do PCC. Ligado ao envio de drogas para a Europa, Cara Preta era acionista da empresa de ônibus UPBUs e foi assassinado em 27 de dezembro de 2021 em uma emboscada no Tatuapé.
Em apenas 9 meses de 2020, Magrelo movimentou R$ 160 milhões em contas bancárias, segundo relatório de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A direção da UPBUs nega ter lavado dinheiro do PCC.
Em outro empreendimento da Porte, o mesmo corretor teria vendido a unidade 311, que foi registrada em nome da mulher do corretor, segundo a delação. Foi ali que o traficante Cara Preta foi morar depois de pagar R$ 3,1 milhões em espécie.
Por fim, Cara Preta teria adquirido um apartamento por R$ 15 milhões em nome de Ademir Pereira de Andrade. “O valor em espécie foi entregue na sede da Porte”, afirmou o delator. O Estadão não localizou a defesa de Andrade.
Segundo Gritzbach, outro cliente da Porte envolvido com a UPBus é o advogado Ahmed Hassan Saleh, o Mude. Investigado na Operação Fim da Linha, sobre a captura de parte de contratos do transporte público de São Paulo pelo PCC, Mude acabou preso na Operação Decurio, que investiga um esquema bilionário de lavagem de dinheiro da facção – só nela, a Justiça bloqueou bens no valor de R$ 8,1 bilhões. Ele alega inocência.
O delator apresentou aos promotores cópias de mensagens trocadas com diretores da Porte e com Mude, nas quais este exibiria dinheiro vivo usado para pagar uma parcela de um dos imóveis, em 22 de novembro de 2021, e o recibo de R$ 283.765,24, emitido pela construtora. Há ainda mensagens em que uma executiva da empresa demonstraria ter conhecimento de que o verdadeiro proprietário do imóvel permanecia oculto.
Mude teria registrado em seu nome um imóvel comprado pelo traficante Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, também investigado nas operações Fim da Linha e Decurio. Condenado por tráfico de drogas, Cebola está foragido.
Atila Machado, advogado de Mude, afirmou que o apartamento citado “é de propriedade do advogado e consta em suas declarações à Receita Federal desde a aquisição”. Segundo ele, o patrimônio de Mude é fruto de trabalho de 26 anos como advogado criminalista. “Não há, portanto, qualquer irregularidade na aquisição deste imóvel, muito embora a infundada insistência de se querer confundir a pessoa do advogado com a de seus clientes”, diz.
Já Anderson Minichillo, advogado de Cebola, afirma que “não houve nenhuma negociação” por parte de Cebola no caso do imóvel citado na delação. “O que acontece é que a ex-esposa dele reside no imóvel, de conhecimento da Justiça.” Segundo Minichillo, ela teria alugado o imóvel diretamente de Mude. Antes, Minichillo já havia afirmado também que Cebola é inocente da acusação de lavagem de dinheiro.
Conforme a delação, outro imóvel que teria sido comprado por Mude para Cebola fica no edifício residencial mais alto da cidade, o Figueira Altos do Tatuapé, construído pela Porte. As defesas negam. Segundo Minichillo, trata-se de propriedade de Ahmed Hassan Saleh, o Mude. “O Sr Silvio (Luiz Ferreira, o Cebola) nunca morou nem possui nenhum contrato de aluguel”, diz Minichillo.
Foi no Figueira Altos do Tatuapé que no dia 9 de abril policiais da Rota apreenderam na Operação Fim de Linha dois fuzis, uma submetralhadora, cinco pistolas e um revólver. O arsenal estava no apartamento em nome da empresa AHS Empreendimentos e Participações, de Mude. O pagamento do imóvel teria sido feito por Andrade e por Maeda Pires, o Japa do PCC, que teria lavado dinheiro da facção como empresário de jogadores de futebol – outra história delatada por Gritzbach.
Maeda foi achado morto com um tiro na cabeça e uma pistola na mão sentado no banco do motorista de um Corolla, em abril de 2023 na garagem de um prédio no Tatuapé. Na sexta-feira, 16, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e a Corregedoria da Polícia Civil fizeram a Operação Sexta-Feira, cumprindo mandados de busca em 13 endereços. A suspeita é de que Maeda tenha sido obrigado a se matar e que policiais civis teriam obstruído as investigações, sumindo com provas.
Os policiais apreenderam duas barras de ouro, duas pistolas, um fuzil e documentos, além de telefones celulares. Esse é um dos casos de corrupção delatados por Gritzbach. De acordo com ele, propinas milionárias foram pagas a policiais que estavam no DHPP, no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) e no 24.º Distrito Policial da capital. Um inquérito foi aberto na Corregedoria da Polícia Civil para apurar o caso.
Traficante comprou duas casas no litoral norte de SP, segundo delator
No caso da Riviera de São Lourenço, o empresário diz ter provas que duas casas no empreendimento foram adquiridas pelo traficante Cláudio Marques de Almeida, de 50 anos, o Django. Os imóveis citados na delação, registrados em nome de laranjas, foram comprados por R$ 5,1 milhões e R$ 2,2 milhões.
Django foi assassinado a mando da cúpula do PCC, um crime que teria contado com a participação de Rafael Maeda Pires, o Japa do PCC, em 2022.
Porte Engenharia diz respeitar legislação; SSP afirma investigar
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo afirma, em nota, que a morte de Maeda é investigada pelo DHPP, que “apura todas as circunstâncias da ocorrência a fim de esclarecer a dinâmica dos fatos”. “A Corregedoria da Polícia Civil analisa os indícios citados pela reportagem. Qualquer ato considerado desvio de conduta por parte dos seus agentes é investigado rigorosamente. Sendo comprovado, medidas cabíveis são tomadas”, acrescenta.
Já a Porte Engenharia informou que “a empresa trabalha há 38 anos para o desenvolvimento da região leste” e “tem mais de 10 mil unidades” em seu portfólio. “Não somos alvo de investigação e, portanto, não tivemos conhecimento do documento da delação”, afirma. “Pelo contrário, se eventualmente formos demandados pelas autoridades investigadoras, contribuiremos prontamente. Todos os negócios efetuados pela empresa respeitam a legislação brasileira e as orientações dos órgãos de controle e das instituições financeiras.”
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