Pela primeira vez desde a liberação oficial dos desfiles, em 2013, a programação do carnaval de rua de São Paulo terá menos opções. O número de desfiles autorizados é de 511, uma queda de 24,6% em comparação ao evento de 2020, que foi de 678, o maior da histórica da cidade após anos de crescimento ininterrupto. Para organizações do meio e especialistas, os motivos incluem a pandemia, a crise do setor cultural, o custo e atrasos na organização da gestão Ricardo Nunes (MDB).
Um conjunto das organizações que representam a maioria dos desfiles divulgou um manifesto na quarta-feira, 1º, no qual diz que o cenário é de abandono e criticou a falta de informações sobre “questões fundamentais” da execução, como horários, trajetos e outros pontos. A Prefeitura diz manter diálogo aberto com os blocos.
A programação de 2023 está concentrada nos dias 11 e 12 (pré-carnaval), 18, 19, 20 e 21 (carnaval) e 25 e 26 (pós-carnaval). Mesmo com as reduções, a festa continuará como uma dos maiores do País, com um número de desfiles semelhante ao de 2019 (490) e 35 megablocos, com artistas como Daniela Mercury, Pabllo Vittar e Maria Rita. Ao menos 154 desfiles foram cancelados até a quarta-feira e novas alterações podem ocorrer até 6 de fevereiro.
Para José Cury, coordenador do Fórum Aberto dos Blocos de Carnaval São Paulo, que reúne cerca de 200 agremiações, a redução é relacionada ao impacto econômico e social da pandemia, entre outros motivos. Os anos sem os desfiles oficiais enfraqueceram parte dos apoiadores e das agremiações, que por vezes desfilam com recursos próprios ou angariados em festas e venda de camisetas e afins.
“Quem conseguiu vai estar na rua e fazer ‘na raça’ mesmo. Quem desanimou tem vários motivos”, diz. Mesmo com a redução, Cury afirma que o carnaval paulistano será uma grande celebração após os anos sem folia oficial. “Vai ocupar a cidade toda, a retomada será maravilhosa.”
Ele ressalta que as condições de megablocos com artistas de repercussão nacional são distintas da maioria dos grupos e que ficou mais caro garantir uma infraestrutura que comporte o evento. “Está R$ 14 mil um caminhão de som, que faz a vida de um bloco pequeno ou médio. Um trio elétrico razoável é de R$ 20 mil a R$ 30 mil. Um grande é de R$ 30 mil a R$ 50 mil.”
As datas de inscrição e autorização dos blocos também são motivos apontados por diferentes organizações. O cadastro para o carnaval de 2023 foi aberto em novembro, dois meses mais tarde do que o de 2020, por exemplo, e vetou a inscrição de novas agremiações nas quatro subprefeituras com maior número de desfiles nos últimos anos: Sé, Vila Mariana, Pinheiros e Lapa.
Blocos ouvidos pelo Estadão afirmam que precisam de três a quatro meses para a organização dos desfiles, desde a contratação de fornecedores e mão de obra à captação de recursos, principalmente no caso de patrocínios. O suporte municipal envolve questões mais gerais da cidade, como o bloqueio de vias e a disponibilização de banheiros químicos, enquanto a realização das apresentações em si é de responsabilidade dos blocos.
“O cadastro foi aberto tardiamente. O tempo para organizar é muito curto”, diz Humberto Meratti, fundador do Psytrance Somos Nozes e Astronauta do Psytrance e um dos idealizadores da União dos Blocos de Música Eletrônica da Cidade de São Paulo (TremeSP). “O carnaval de rua neste ano caiu drasticamente por falta de organização e tempo hábil”, avalia.
Três dos seis blocos da TremeSP não desfilarão neste carnaval. Como o regulamento prevê multa para cancelamentos próximos da data do evento e ainda faltava captar R$ 15 mil para garantir a infraestrutura necessária (como trio elétrico), Meratti decidiu revogar a inscrição dos dois desfiles que era responsável em meados janeiro.
Ele explica que os patrocinadores exigem antecedência para estudar as possibilidades de ativação das marcas e que uma eventual mudança de trajeto ou horário poderia impactar nesse apoio (em 2020, o Psytrance Somos Nozes teve o percurso trocado três vezes pelo Município, por exemplo). “As empresas não sentiram segurança para dar patrocínio para vários blocos”, diz. Pelo prazo mais curto, também teve dificuldade para encontrar DJs de popularidade nacional e internacional com agenda livre para o carnaval.
Outro desfile cancelado foi o do Ma-Que-Bloco, que estreou no carnaval de 2015 e costumava atrair um público estimado de 150 mil pessoas. O diretor-fundador do grupo, Alex Barone, diz que o custo básico do cortejo neste ano estaria em cerca de R$ 70 mil, para contemplar trio elétrico, músicos, cordeiros (que seguram a corda de isolamento), segurança e ambulância, entre outras despesas.
“É muito difícil conseguir algum tipo de aporte financeiro, por ‘n’ motivos. Primeiro, porque a Prefeitura libera o edital muito tarde. Segundo: a dificuldade que você tem para expor uma marca diferente da patrocinadora oficial do carnaval. E, terceiro, as questões de trajeto, que está cada vez está mais difícil”, aponta.
Em 2020, para dividir o custo, o Ma-Que-Bloco desfilou em conjunto com outros blocos. Naquele ano, dificuldades já eram apontadas e motivaram mais de 30% de cancelamentos entre as inscrições. Neste carnaval, a experiência será restrita a uma participação como atração musical (no formato compacto, de banda) no cortejo de outra agremiação, além de apresentações em festas. “O carnaval para a gente é uma vitrine, a nossa banda nasceu do carnaval, de uma manifestação cultural”, lamenta Barone.
Desfiles de grande porte também estão entre os cancelados. O tradicional espaço da zona norte paulistana decidiu revogar a inscrição do estreante Bloco CTN - Centro de Tradições Nordestinas. O custo e a infraestrutura necessária estão entre os motivos. “O CTN já conta com boa parte dessa infraestrutura em seu próprio espaço, com um custo muito menor”, aponta Fabiana Karan, diretora de Novos Negócios e Expansão do espaço.
“Muitas pessoas acreditam que os custos para um bloco de rua são baixos, mas não são. Hoje, um trio elétrico conta com carroceria de ferro, caminhão acoplado, cobertura retrátil, geradores de energia, processadores, mesas digitais, sistemas de monitoramento, camarins e muito mais. Com isso, um trio elétrico custaria um altíssimo valor, fora os outros custos necessários”, completa.
Fabiana destacou, contudo, que não descarta a realização do próprio bloco de carnaval em outra edição. “Seria interessante que pudéssemos expandir a marca para outros mercados e espaços, a fim de alcançarmos novos públicos que se identificam com a cultura nordestina e o DNA do CTN. O carnaval ganhou força e, hoje, é uma grande potência cultural e econômica na cidade.”
Um dos mais tradicionais blocos da cidade, o Tarado Ni Você também não está na programação oficial do carnaval de rua. A agremiação perdeu o prazo de inscrições.
Outro ponto criticado no meio é a demora na liberação dos recursos de uma premiação municipal lançada no ano passado, de R$ 14 mil para até 300 blocos, a qual poderia ajudar no financiamento dos desfiles de médio e pequeno porte. “O fomento deu uma alimentada no ânimo de alguns, que acabaram desistindo porque não saiu (o resultado) ainda”, afirma José Cury, do Fórum Aberto dos Blocos de Carnaval São Paulo.
Em nota, a Prefeitura disse que os pagamentos da premiação (que totaliza cerca de R$ 4 milhões) serão feitos neste mês. Segundo a gestão, a demora se deve a um erro no sistema de inscrição. “Com as análises dos recursos um a um, o cronograma pode demorar mais do que o comum, a depender da demanda apresentada. Após a avaliação de cada recurso, o edital irá para a homologação dos resultados.”
Além disso, parte das agremiações avalia que não houve diálogo com o Município. A composição da Comitê de Participação Social no Carnaval de Rua 2023, em dezembro, foi criticada, por não envolver grande parte das lideranças dos blocos. Já a Secretaria Municipal de Cultura argumenta que a comissão reúne pessoas que representam “a diversidade do carnaval” e “todas as macrorregiões da cidade”.
Pesquisador de carnaval e doutorando em Sociologia na USP, Vinicius Ribeiro Teixeira também destaca que grande parte dos realizadores dos blocos são do setor cultural, que entrou em crise econômica na pandemia. Além disso, os encontros e ensaios abertos tiveram de ser suspensos por mais de um ano, afastando parte dos que se envolviam na preparação, por exemplo. “A pandemia desarticulou bastante. O carnaval precisa de corpo presente.”
O especialista avalia que a folia de rua paulistana talvez não se expanda numericamente para além do que foi em 2020 e esteja em um momento mais de estabilização após uma “euforia do crescimento”. “Esse carnaval é diferente todos os outros. De alguma maneira, marca o retorno das pessoas para as ruas. É um momento muito aguardado, as pessoas estão ansiosas para voltar, de tirar as fantasias do armário, de colocar glitter, de utilizar adereços chamativos e ir para a rua celebrar.”
Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura também afirmou que “o diálogo da pasta com as organizações dos blocos carnavalescos tem sido diário, de forma a organizar cada cortejo adequadamente ao trajeto, bem como horários e datas solicitados. Como nos anos anteriores, os blocos têm reuniões com as suas respectivas Subprefeituras, que começaram a ser marcadas já no início de janeiro e, desde a semana passada, são realizadas diariamente.
O manifesto conjunto do Fórum dos Blocos, da Comissão Feminina, do Arrastão dos Blocos, da Associação das Bandas Carnavalescas de São Paulo (Abasp), da União dos Blocos de Carnaval de Rua do Estado de São Paulo (UBCRESP), da Ocupa o Carnaval e do TremeSP aponta que “o carnaval mais esperado dos últimos tempos começa em 10 dias e, para os blocos de carnaval de rua, charangas, troças, cordões e bandas carnavalescas, o cenário é de abandono, na combinada falta de planejamento, ausência de transparência e diálogo mal feito”.
Os megablocos também tiveram uma diminuição, de 41 para ao menos 35. Com público estimado de 40 mil a mais de um milhão de pessoas, os desfiles de grande porte envolvem artistas conhecidos do grande público, como Daniela Mercury, Alceu Valença e Michel Teló, e blocos populares, como Acadêmicos do Baixo Augusta, Agrada Gregos e Casa Comigo. Entre os cancelamentos, estão o Bloco da Preta, da cantora Preta Gil, que cancelou todos os desfiles por motivos de saúde.
Mesmo com a queda no total de participantes, mais de 50 agremiações estrearão neste ano. Entre elas, estão aquelas lideradas por artistas, como Maria Rita e Chico César, e as de menor porte, como Gal Total e Carnavrah, dentre outras. O patrocínio deste ano é R$ 25,6 milhões, da Ambev, que credenciará os vendedores ambulantes autorizados a vender bebidas da empresa e poderá explorar a veiculação da marca Brahma. A programação paulistana ainda poderá passar por alterações.
O carnaval do Rio tem 456 blocos confirmados, segundo a Riotur. Na capital fluminense, contudo, grande parte dos desfiles não é cadastrado com o poder público e não entra nos números oficiais. Em 2020, 411 blocos foram inscritos no município.
Veja parte da lista dos megablocos do carnaval de rua de São Paulo em 2023
11 de fevereiro (sábado)
Casa Comigo: concentração a partir das 11h, na R. Henrique Schaumann, 567, subprefeitura de Pinheiros.
Bloco da Favorita: concentração a partir das 11h, na R. Laguna, subprefeitura de Santo Amaro.
Frita Comigo (música eletrônica): concentração a partir das 13h, na Av. Marquês de São Vicente, 230, subprefeitura Lapa.
Bloco Chico (Estado de Folia, com Chico César): concentração a partir das 10h, na Av. Pedro Álvares Cabral, entre o Obelisco e o Monumento às Bandeiras, subprefeitura Vila Mariana.
Bicho Maluco Beleza (Alceu Valença): concentração a partir das 13h, na Av. Pedro Álvares Cabral, entre o Obelisco e o Monumento às Bandeiras, subprefeitura Vila Mariana.
Bloco da Pocah: concentração a partir das 10h, Av. Luis Dumont Villares 1.501, na subprefeitura Santana/Tucuruvi.
12 de fevereiro (domingo)
Acadêmicos do Baixo Augusta: concentração a partir das 14h, na R. da Consolação, 2.101, subprefeitura Sé.
Domingo Ela Não Vai: concentração a partir das 11h, na esquina das Avenidas Ipiranga com São João, subprefeitura Sé.
Megabloco do Fervo - O Maior da Zona Norte: concentração a partir das 13h, na Av. Luis Dumont Villares, 1.501, subprefeitura Santana.
Bloco da Maria (Maria Rita): concentração a partir das 11h, na Av. Pedro Álvares Cabral, entre o Obelisco e o Monumento às Bandeiras, subprefeitura Vila Mariana.
Monobloco: concentração a partir das 12h, na Av. Pedro Álvares Cabral, entre o Obelisco e o Monumento às Bandeiras, subprefeitura Vila Mariana.
Psyshake (Vegas): concentração a partir das 13h, na Av. Marquês de São Vicente, 230, subprefeitura Lapa.
18 de fevereiro (sábado)
Bloco Minhoqueens: concentração a partir das 12h, na R. 24 de Maio, 275, subprefeitura Sé.
Bloco das Gloriosas (Gloria Groove): concentração a partir das 14h, na Av. Brigadeiro Faria Lima, 4.150, subprefeitura Pinheiros.
Agrada Gregos: concentração a partir das 13h, na Av. Pedro Álvares Cabral, entre o Obelisco e o Monumento às Bandeiras, subprefeitura Vila Mariana.
19 de fevereiro (domingo)
#QuilomboLab (Emicida, Drik Barbosa, Rael, Rashid, Evandro Fióti, Marissol Mwaba, Kamau e convidados): concentração a partir das 13h, Av. Luis Dumont Villares 1.501, na subprefeitura Santana/Tucuruvi.
Explode Coração: concentração a partir das 13h, na Praça da República, 292, subprefeitura Sé.
Bloco Bem Sertanejo (Michel Teló): concentração a partir das 11h, na Av. Brigadeiro Faria Lima, 4.150, subprefeitura Pinheiros.
Bloco do Abrava (Tiago Abravanel): concentração a partir das 13h, na Av. Brigadeiro Faria Lima, 4.150, subprefeitura Pinheiros.
Bloco da Pabllo (Pabllo Vittar): concentração a partir das 13h, na Av. Pedro Álvares Cabral, entre o Obelisco e o Monumento às Bandeiras, subprefeitura Vila Mariana.
BeatLoko (rap): concentração a partir das 13h, na Av. Marquês de São Vicente, 230, subprefeitura Lapa.
20 de fevereiro (segunda-feira)
Vou de Táxi: concentração a partir das 11h, na Av. Pedro Álvares Cabral, entre o Obelisco e o Monumento às Bandeiras, subprefeitura Vila Mariana.
Bloco Pinga Ni Min (Villa Country): concentração a partir das 13h, na Av. Pedro Álvares Cabral, entre o Obelisco e o Monumento às Bandeiras, subprefeitura Vila Mariana.
Bloco Emo: concentração a partir das 13h, Av. Luis Dumont Villares 1.501, na subprefeitura Santana/Tucuruvi.
Lua Vai: concentração a partir das 13h, na Av. Marquês de São Vicente, 230, subprefeitura Lapa.
Bloco Filhos de Gil: concentração a partir das 11h, na Av. Brigadeiro Faria Lima, 4.150, subprefeitura Pinheiros.
21 de fevereiro (terça-feira)
Bloco Pagu: concentração a partir das 11h, na Av. Ipiranga, 719, subprefeitura Sé.
Galo da Madrugada: concentração a partir das 9h, na Av. Pedro Álvares Cabral, entre o Obelisco e o Monumento às Bandeiras, subprefeitura Vila Mariana.
Bloco da Latinha Mix (Rádio Mix FM): concentração a partir das 13h, na Praça Armando de Sales Oliveira, subprefeitura Vila Mariana.
25 de fevereiro (sábado)
Trio Sebah Vieira: concentração a partir das 13h, na Av. Marquês de São Vicente, 230, subprefeitura Lapa.
Se Joga!: concentração a partir das 13h, na Av. Brigadeiro Faria Lima, 4.150, subprefeitura Pinheiros.
Navio Pirata (BaianaSystem): concentração a partir das 13h, na Av. Pedro Álvares Cabral, entre o Obelisco e o Monumento às Bandeiras, subprefeitura Vila Mariana.
Bloco Que Casar Que Nada: concentração a partir das 13h, na R. Laguna, subprefeitura de Santo Amaro.
26 de fevereiro (domingo)
Pipoca da Rainha (Daniela Mercury): concentração a partir das 14h, na R. da Consolação, 2.101, subprefeitura Sé.
Bloco Não Era Amor Era Cilada (Molejo): concentração a partir das 14h, na Av. Brigadeiro Faria Lima, 4.150, subprefeitura Pinheiros.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.