Após um ano e meio de trabalho meticuloso, está prestes a ser reapresentado aos moradores e turistas o Cruzeiro Franciscano, importante marco histórico, religioso e arquitetônico de Itu. A Secretaria de Cultura e Patrimônio Histórico da estância turística já deu início à fase final das obras de restauro e recuperação estética do monumento, instalado na Praça Dom Pedro I, no centro histórico. Inserido em área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o cruzeiro de Itu só é comparável como obra de arte aos cruzeiros da Igreja de São Francisco, em João Pessoa, e do Convento de Nossa Senhora das Neves, em Olinda.
Erguido há 227 anos, o mais alto cruzeiro do país foi construído com pedras bastante frágeis - arenito e varvito - além de serem pouco conhecidas como materiais de construção. Vale lembrar que não há nenhum registro específico de sua construção e só há pouco tempo se revelou que foi feito e erguido pelo mestre Thebas e seus ajudantes. Exposto ao relento ao longo de mais de dois séculos, o cruzeiro de Itu sofreu grande desgaste e estava a ponto de se tornar irrecuperável.
A prefeitura foi buscar o apoio técnico de várias especialidades da ciência que, juntas, forneceram subsídios científicos para o restauro de um bem considerado uma verdadeira relíquia. É o único cruzeiro do gênero no estado e um dos poucos do Brasil. Durante todo o processo de restauração, que foi realizado de forma minuciosa, os técnicos encontraram informações que até então estavam ocultas nas pedras, exigiam constante investigação para serem solucionadas.
Para a secretária Maitê Velho, a quantidade de informações obtidas durante todo o processo de restauro torna essa etapa final de importância crucial para o patrimônio histórico. "É a consolidação de um longo aprendizado durante toda a obra. Muitas informações serão usadas para subsidiar outros restauros e também para a formação de técnicos e especialistas nesse trabalho", disse. A recomposição da estrutura do monumento exigiu a aplicação de técnicas antigas, que já não são usadas em restauração, aliadas às novas tecnologias. Foi preciso produzir, por exemplo, massas com a mesma composição do arenito usado na construção do cruzeiro.
ARQUEOLOGIA - O restauro do Cruzeiro Franciscano, teve início em janeiro de 2021, com recursos do Fundo Estadual de Interesses Difusos. Por se tratar de obra única, foi necessária uma longa pesquisa preparatória que incluiu pesquisas arqueológicas em seu entorno, inclusive com o uso scanner. O equipamento permitiu localizar, além de partes de rochas e pedras remanescentes da construção do cruzeiro, vestígios da Itu antiga e de indígenas que habitaram a região. O material foi devidamente catalogado e será exposto.
O Cruzeiro Francisco é o único elemento que restou do conjunto arquitetônico dos religiosos fransciscanos que estiveram em Itu no século 18. Outra característica de relevância é o fato de ser uma das poucas obras deixadas por Thebas, mestre pedreiro negro que viveu de 1721 a 1811, deixando um legado artístico surpreendente. Escravo que comprou sua própria liberdade, Thebas foi essencial para a renovação do estilo arquitetônico da cidade de São Paulo no século 18. O artista é considerado um mestre nas técnicas de alvenarias, especialmente na cantaria (técnica de talhar pedras), além ter dominado os segredos da hidráulica.
São de sua lavra a pedra fundamental da fachada da antiga igreja do Mosteiro de São Bento (1766), o Chafariz da Misericórdia (1792), o primeiro chafariz da capital paulista, as partes frontais da igreja da Ordem Terceira do Carmo (1776) e da igreja da Ordem Terceira do Seráfico São Francisco (1783). O Cruzeiro Fransciscano de Itu (1795) foi uma de suas últimas obras. Apesar da importância de seu legado, só em 2018 ele foi reconhecido como arquiteto, tendo sido inserido postumamente nos quadros do Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo.
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