Com histórico de décadas de enchentes na Vila Madalena, a principal obra de drenagem defendida por diversas gestões na Prefeitura para o bairro da zona oeste de São Paulo tem se arrastado há mais de 20 anos em meio a uma disputa judicial. Os frequentes impactos de transbordamentos do Córrego Verde na vizinhança voltaram a chamar a atenção com a morte do artista plástico Rodolpho Tamanini Netto, de 73 anos, durante a chuva extrema de sexta-feira, 24, que atingiu o entorno do Beco do Batman.
Após a derrubada da liminar que impedia a obra, a proposta voltou a ser discutida em 2024, pela gestão Ricardo Nunes (MDB), que apresentou três possibilidades em consulta pública: a continuidade do projeto do piscinão tamponado, o desenvolvimento de um reservatório aberto (com uma praça aberta no período de estiagem) e criar um parque linear.
A primeira opção obteve 224 dos 371 votos na votação virtual, procedimento criticado por uma associação contrária à obra. O desenvolvimento está em tramitação na Prefeitura.
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Embora a liminar tenha sido derrubada, a Associação dos Amigos do Jardim das Bandeiras entrou com apelação no fim do ano passado, por considerar que se trataria de uma “ilegalidade da alteração de uso de bem de uso comum do povo (a praça, sob a qual ficaria o piscinão) para outro fim”. A organização continua a defender alternativas que, na visão da entidade, teriam menor impacto e maior eficiência, como de expansão de galerias. O piscinão envolveria a possível remoção de cerca de 100 árvores, com posterior compensação ambiental.
Ao Estadão, a organização reforçou o entendimento de que a Prefeitura não deveria ter insistido no projeto por tanto tempo, especialmente após o distrato, em 2015, com a construtora contratada em 2009. Defendeu que se deveria ter optado pelo redimensionamento das galerias, em vez de um piscinão, o que foi proposto por um engenheiro ligado à associação. Diz, ainda, que a própria discussão de outras alternativas ao longo dos anos mostra que o projeto seria ruim, que “na praça não se mexe” e que o licenciamento ambiental não seria mais válido.
O Ministério Público de São Paulo chegou a apelar no ano passado. Meses depois, contudo, a Procuradoria de Justiça do MP teve avaliação distinta, considerando a legalidade da obra, visto que obteve a licença ambiental (uma das motivações da ação inicialmente) em 2015. “No mérito, opinamos pelo provimento do recurso, com parecer favorável da Procuradoria de Justiça e aguardamos decisão”, destacou em nota.
O projeto é de construção na Praça General Oliveira Alvares (vizinha à Praça Horácio Sabino), na esquina das Ruas Abegoaria com João Moura. Após a obra, a praça voltaria a ter uso público. O piscinão teria 5,7 mil m² ao todo. Questionada pelo Estadão, a Prefeitura não apontou um cronograma e custos atualizados.
Na audiência pública do ano passado, a gestão Nunes apontou custo estimado de R$ 50 milhões, com dois anos de obra. Além disso, em relatório de agosto, indicou o início da implantação para o último trimestre de 2025, após assinatura do novo contrato, estudos ambientais, desenvolvimento de projeto complementar e emissão de uma nova licença ambiental atualizada.
Pela topografia, com desnível na região, não seria necessário um mecanismo de bombeamento. A capacidade estimada do piscinão é de 25 mil m³. A implantação não exigiria desapropriações, envolvendo áreas públicas.
Ao Estadão, a Prefeitura não respondeu sobre outras obras de drenagem que poderiam mitigar as enchentes no bairro. A gestão municipal, entretanto, tem alegado que nenhuma alternativa viável a curto e médio prazo teria a mesma eficácia na mitigação das inundações. Em nota, destacou, também, que “em 2024, a Subprefeitura Pinheiros realizou a limpeza de 2,3 mil m² de córregos, além de 8,6 mil m² das suas áreas de margens, retirando 135 toneladas de detritos”.
Nas audiências públicas, técnicos do Município apontaram que continuam os estudos para intervenções complementares para a região. Admitiu-se, inclusive, que o piscinão deve reduzir o impacto das enchentes, mas que não resolveria o problema inteiramente, principalmente a longo prazo.
A criação do parque linear segue no quadro de parques com a implantação preferencial na cidade do Plano Diretor, mesmo após a revisão aprovada em 2023. Dentre as intervenções complementares possíveis, fala-se em ações para aumentar as áreas permeáveis na vizinhança, por exemplo.
Além de arrastar carros e impactar casas, as enchentes na Vila Madalena também estão relacionadas ao solapamento das galerias há anos, com a abertura de crateras em vias. “A galeria, além de pequena, está deteriorada”, reconheceu um técnico da Prefeitura na audiência pública.
Com esse histórico de décadas, uma parte dos moradores e comerciantes mantém muros e comportas para conter a água em seus imóveis. Mesmo assim, relata-se que essas estruturas não são suficientes para conter todos os prejuízos. Na morte mais recente confirmada, por exemplo, um carro se chocou contra o portão da vítima, o que pode ter impactado no avanço da água para dentro da casa.
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O que explica tantas inundações naquele entorno da Vila Madalena?
O Córrego Verde é totalmente canalizado e dividido em braço I (com 4,7 mil metros de extensão) e braço II (com 4,3 mil metros). Desemboca na margem direita do Rio Pinheiros.
A nascente do braço I parte das proximidades das Ruas Herculano e Beatriz Galvão, escoando pelas Ruas Abegoaria e Medeiros de Albuquerque e os Becos do Batman e do Aprendiz. Segue, então, até as Ruas dos Pinheiros e Paes Leme, até desaguar no Rio Pinheiros.
O braço II nasce, por sua vez, nas proximidades da Avenida Doutor Arnaldo com a Rua Amália Noronha (perto da estação de metrô Sumaré). Passa, então, pela Praça Benedito Calixto, a Avenida Brigadeiro Faria Lima e outros pontos da zona oeste até o Pinheiros.
Há décadas, esse entorno do córrego tem registro de alagamentos e inundações quando há alto volume de chuva. Com a declividade e urbanização, a chuva intensa tende a escoar forte e rapidamente, junto ao transbordamento do córrego, podendo arrastar carros e outros itens.
O histórico de inundação é antigo. A própria canalização foi defendida como uma forma de mitigar esse problema na região, o que ocorreu a partir dos anos 1940 e nas décadas seguintes. Com os estudos de hoje, contudo, avalia-se o contrário como uma possível alternativa positiva: a renaturalização do córrego, cujas águas são limpas e poderiam correr a céu aberto.
Isso não está, contudo, previsto no projeto do piscinão fechado, mas em etapas posteriores, ainda a serem discutidas. Entre a população, muitos moradores são céticos quanto a essa possibilidade, principalmente em relação à manutenção desses espaços.
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Por que a obra ficou travada por mais de 20 anos?
O projeto do piscinão começou a ser desenvolvido por volta de 2002, na então gestão Marta Suplicy (PT). A construtora responsável pela obra foi contratada somente anos depois, em 2009, por cerca de R$ 15 milhões, durante a gestão de Gilberto Kassab (então no DEM, hoje no PSD).
A intervenção foi embargada pela Justiça no ano seguinte, sem o início da implantação de fato, segundo a Prefeitura. A falta de um licenciamento ambiental esteve entre os principais fatores contestados nas ações civis públicas. Foram movidas pela Associação dos Amigos do Jardim das Bandeiras e o MP-SP e, posteriormente, reunidas em um processo único.
No governo Fernando Haddad (PT), a obra voltou a ser discutida, com o desenvolvimento conjunto do projeto de um parque linear. Chegou a ser incluída no PAC, mas não avançou por conta de uma nova suspensão do piscinão na Justiça, mesmo com a obtenção de licença ambiental em 2015.
Por fim, na gestão Nunes, a decisão judicial foi derrubada há cerca de um ano. O desenvolvimento do projeto foi retomado no início de 2024, mas a ação civil ainda está em curso.
A associação que moveu a ação chegou a apresentar uma proposta de galeria de reforço, porém, foi descartada pela Prefeitura porque teria supostamente maior custo e aumentaria a mancha de inundação (afetando outras áreas), considerando a distância para o Rio Pinheiros. Na apelação, em novembro, também argumentou que a consulta pública feita pela gestão Nunes viola o “princípio ambiental de essência técnica” da decisão.
Outro ponto questionado pela associação é o dito potencial para poluição e vetor de doenças. Já a Prefeitura argumentou, nos autos, que um piscinão não produz poluição (apenas acumula sedimentos carregados pelo córrego ou galeria). “O acúmulo do material no reservatório permite que seja efetuada a sua retirada de maneira mais eficiente e barata, se comparada a limpeza e manutenção de galerias pluviais. (...) Será construído de forma a reter apenas água corrente, havendo uma declividade de fundo que irá evitar o acúmulo de água parada.”
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Em 2023, a instalação de 14 novos piscinões na cidade estava entre os objetivos removidos do Plano de Metas da gestão Nunes. A Prefeitura mudou, contudo, para 230 obras de drenagem, o que teria sido alcançado, segundo anunciou.
Hoje, São Paulo tem cerca de 70 estruturas de controle de cheias, o que inclui 34 reservatórios. Dentre os piscinões cobertos, está o da Praça Charles Miller, junto ao Estádio do Pacaembu.
O atual Plano Diretor de Drenagem, de 2024, aponta quase 100 obras prioritárias para a cidade. Essas são intervenções indicadas, mas não necessariamente estão com previsão de implantação.
Dentre elas, estão mais três reservatórios para os dois braços do Córrego Verde: na Alameda Tietê (com custo estimado de R$ 18 milhões); na Praça Portugal (R$ 105,5 milhões, com uma galeria de reforço conjunta); e na Rua Galeno de Almeida (R$ 36 milhões). Indica-se também a retomada de uma galeria desativada na Rua Capitão Prudente (R$ 500 mil) e uma nova galeria no entorno da Rua Abegoaria (R$ 19,2 milhões).