Plano Diretor de SP: Câmara retoma incentivo a mais garagens e ‘freio’ a microapartamentos

Nova versão para projeto será apresentada na próxima semana; trecho resgatará proposta da Prefeitura para vagas de estacionamento em prédios perto de metrô, trem e corredores

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Atualização:

A nova versão para o projeto de lei da revisão do Plano Diretor de São Paulo que será apresentada pela relatoria na segunda-feira, 19, irá retomar o trecho proposto pela gestão Ricardo Nunes (MDB) para vagas de garagem em prédios perto de metrô, trem e corredor de ônibus. A mudança prevê um desestímulo a mais microapartamentos na cidade e, ao mesmo tempo, um incentivo municipal para que grandes unidades tenham mais de um espaço para estacionar.

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A mudança permite que empreendimentos perto de metrô e outros “eixos de transporte” criem mais vagas de garagem não contabilizadas na área construída – que é limitada a quatro vezes a metragem do terreno mediante o pagamento da chamada de “outorga onerosa”. Isto é, serão espaços para carros isentos da principal taxa cobrada pela Prefeitura ao setor imobiliário e que não impactarão no limite de tamanho dos edifícios.

O trecho estava originalmente na proposta enviada aos vereadores pela gestão Nunes, em março, mas foi posteriormente retirado no texto substitutivo, apresentado pelo relator, Rodrigo Goulart (PSD), dois meses depois. A alínea que será adicionada novamente ao projeto envolve os empreendimentos de uso misto, isto é, prédios que reúnem apartamentos e espaços não residenciais (como comércio no térreo, por exemplo).

O Plano Diretor é a mais importante lei urbanística municipal, com uma série de regras e incentivos construtivos que direcionam mudanças hoje visíveis na cidade. Como o Estadão mostrou, a versão em vigor (de 2014) transformou e verticalizou diversas áreas, especialmente os entornos das estações Brooklin, Butantã e Sumaré do Metrô. A revisão da lei será votada em segunda e definitiva apreciação pelos vereadores no dia 21 e, depois, enviada para a sanção pelo prefeito.

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Os condomínios com uso misto se tornaram a maioria dos lançamentos no entorno de metrô, trem e corredor de ônibus nos últimos anos. Com a retomada do trecho na versão final do projeto, esses empreendimentos estarão sujeitos às mesmas regras propostas para os que são totalmente residenciais.

A mudança proposta restringe que os empreendimentos construam uma vaga “gratuita” para cada apartamento de ao menos 30 m², o que torna menos atraente a construção de compactos, que tiveram um boom com 250 mil unidades lançadas nos últimos anos. Por outro lado, permite um espaço para carros “grátis” para cada 60 m² de área privativa, ou seja, estimula que apartamentos grandes tenham mais de uma vaga.

O Plano Diretor hoje em vigor permite um espaço de estacionamento “grátis” por apartamento, independentemente da metragem. Essa regra (e a mudança proposta) envolve os empreendimentos dos “eixos de transporte” – áreas que recebem vários incentivos municipais e que concentrarem a maioria da verticalização na cidade.

Estação Brooklin é o eixo de transporte mais transformado pelo Plano Diretor Foto: Felipe Rau/Estadão

A justificativa apresentada pela Prefeitura é que a nova regra tem o objetivo de “desestimular a produção de microunidades habitacionais nessas regiões bem servidas de transporte público, que não tem atendido às necessidades habitacionais de núcleos familiares”, segundo nota enviada ao Estadão em janeiro.

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Hoje, os “raios de influência” dos eixos (quadras com mais incentivos) se estendem a até 600 m (no caso de estação metrô e trem) e 300 m (corredor de ônibus), porém a nova versão da lei permite que sejam ampliados para até 1 km e 450 m, respectivamente. Isto é, as alterações nas normas para garagens poderão abranger uma maior área da cidade. O Estadão apurou que a ampliação dos eixos será mantida no texto final da revisão.

Além disso, estudos têm demonstrado que os eixos transformaram especialmente bairros de classes média e alta, como Butantã, Brooklin e Pinheiros. O objetivo do Plano Diretor originalmente é que atraiam novos moradores que vão utilizar o transporte coletivo, a fim de reduzir os deslocamentos de carro pela cidade, porém não há um levantamento que identifique se os empreendimentos têm aumentado ou não o volume de usuários de metrô, trem e ônibus.

Um levantamento de um grupo de trabalho do Insper liderado pelo pesquisador Adriano Borges Costa identificou, em março, que as novas regras poderão aumentar o total de vagas de garagem perto dos eixos de transporte em cerca de 12%. Um exemplo simulado apontava, por exemplo, que a versão agora retomada no projeto permitiria que empreendimentos com unidades medianas (de 60 a 80 m²) tenham até 33% mais vagas do que a regra atual.

Em linhas gerais, o texto substitutivo é apoiado pelas principais entidades do setor imobiliário. No caso das vagas, contudo, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) avalia que a trava para unidades de até 30 m² “desincentiva a produção de pequenos apartamentos, que representam um tipo de produto com muitos interessados na cidade”.

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“A entidade é a favor da liberdade de escolha, que exige liberdade de produção. Ao termos regras que interferem demais nos produtos ofertados, devido ao descasamento com os desejos dos compradores, tendem a gerar distorções de mercado”, respondeu ao Estadão, em nota. Em maio, a organização e outras associações do setor enviaram propostas formais aos vereadores, incluindo a que defende a permissão de uma vaga “grátis” por unidade, independentemente da metragem.

Professora de Direito e coordenadora do Núcleo de Questões Urbanas do Insper, Bianca Tavolari avalia que a mudança uniformiza a nova regra para os empreendimentos que são maioria nos eixos de transporte. Ela aponta, contudo, que a parte que facilita apartamentos com mais uma vaga vai em desacordo ao objetivo original do Plano Diretor, que é de aumentar a população que mora perto e utiliza transporte coletivo.

“O critério tem que ser o menor número de vagas possível. A Prefeitura está abrindo mão de contrapartida financeira para essas vagas, é um incentivo”, explica. Para ela, a mudança não é uma concessão feita às críticas direcionadas ao texto da revisão, mas um ajuste porque a regra anterior não teria efeito (já que a maioria dos empreendimentos nesses locais são mistos).

Embora parte dos urbanistas tenha defendido mudanças variadas no projeto de lei, a especialista avalia que o substitutivo final possivelmente terá poucas mudanças em relação à redação atual. Um dos motivos é a aprovação em primeira discussão na Câmara e o apoio da maioria dos vereadores, dentre outros.

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O novo texto do PL deve manter também a proposta da Prefeitura de dar 10% de área construída “grátis” para os empreendimentos sem nenhuma vaga de garagem. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, diante de outros incentivos previstos pelo Plano Diretor, é difícil precisar se essa norma poderá desestimular o número de garagens perto de transporte de massa.

Entre as demais mudanças previstas na revisão do Plano Diretor, estão a ampliação das áreas sem limite de altura para novos prédios, a ampliação do máximo de área construída permitida nos “miolos” dos bairros e o pagamento com desconto da principal taxa cobrada do setor imobiliário por meio da execução de obra pública. A proposta, em geral, tem sido criticada por uma parte dos especialistas e da sociedade civil, enquanto é defendida pelo mercado das incorporadoras.

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