A Justiça negou nesta segunda-feira, 5, o pedido de liminar da ação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) pela suspensão da tramitação do projeto de lei de revisão do Plano Diretor da capital paulista. A proposta que altera a principal lei urbanística da cidade foi aprovada em primeira votação na semana passada e passará pela apreciação final em 21 de junho.
Entre as principais mudanças, estão a ampliação das áreas sem limite de altura para novos prédios, a facilitação para a construção “gratuita” de apartamentos com mais de uma vaga de garagem perto de metrô, a ampliação do máximo de área construída permitida nos “miolos” dos bairro e o pagamento com desconto da principal taxa cobrada do setor imobiliário por meio da execução de obra pública. A proposta tem sido criticada por uma parte dos especialistas e defendida pelo mercado das incorporadoras.
Na decisão, a juíza Maricy Maraldi, da 10ª Vara de Fazenda Pública, destaca que o Judiciário não pode interferir na atuação do Legislativo, como na tramitação de um projeto de lei, e que eventual contestação deve ser feita após o fim do trâmite na Câmara. Ela ressalta que a decisão não envolve o conteúdo em si do projeto de lei.
“Ressalto, inicialmente, que, no caso, a análise restringe-se à cognição à eventual presença dos requisitos legais para a concessão da liminar, sem a emissão de qualquer juízo a cerca do mérito da demanda”, disse. “Não cabe a terceiros e, por consequência ao Ministério Público, intentar ação que possua como intuito o controle preventivo da legalidade/constitucionalidade de norma ainda não aperfeiçoada.”
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP). Ainda cabe recurso. Nos últimos dias, uma série de entidades requereu para ser incluída no processo como amicus curiae, além da vereadora Silvia Ferraro, da Bancada Feminista do PSOL, a fim de apoiar os questionamentos feitos pela Promotoria.
A magistrada também refuta o argumento de que não houve tempo hábil para discutir o texto substitutivo — apresentado pelo relator do projeto, vereador Rodrigo Goulart (PSD), a menos de 24 horas da última audiência pública antes da votação na Câmara. Ela aponta que a tramitação está disponível no site da Câmara e que “inexiste regulamentação específica a respeito do lapso temporal prévio para fins de chamamento da audiência pública a ser realizada, sendo indubitável que, nos dias atuais, a possibilidade de acesso digital”.
Em nota, o presidente do Legislativo paulistano, Milton Leite (União Brasil), reiterou que a tramitação ocorre de maneira correta e que espera que a normalidade seja mantida até o fim. “A Câmara, instituição democrática que é, debate a revisão do Plano Diretor em um processo amplo e transparente e, para isso, está ouvindo todos os lados da sociedade”, apontou.
Na ação, o MP alega, ainda, que o texto substitutivo “desconfigurou” a proposta da gestão Ricardo Nunes (MDB) até então discutida e que pontos sensíveis foram alterados “sem qualquer critério técnico”. Por isso, seria necessária a suspensão temporária em tutela de urgência até a apresentação de estudos técnicos sobre os impactos das mudanças e um maior volume de discussão pública.
“Se isso ocorrer (votação nos moldes previstos atualmente), o processo é viciado e o resultado será ilegítimo”, diz o pedido. “Trata-se de alterações significativas e que causarão grande impacto no funcionamento da cidade. Nem de longe, portanto, estamos diante de modificações pontuais ou superficiais no texto anterior, consolidado como fruto de debates e discussão”, acrescenta.
No texto, o MP também cita uma carta aberta divulgada na quarta-feira, 24, que aponta uma série de mudanças expressivas no Plano Diretor, assinada por urbanistas ligadas ao tema. A carta também solicita a apresentação de estudos e a realização de ao menos 15 audiências públicas na Câmara, que marcou um total de oito entre a primeira e a segunda votação.
“Ao aumentar, por exemplo, a área de influência dos eixos (estações de metrô e trem) para 1 km, o substitutivo não considerou a capacidade de suporte, de atendimento e de distribuição espacial (atual e desejada) das infraestruturas, dos equipamentos e dos serviços públicos dos locais atingidos por essa drástica transformação”, destacou o Ministério Público ao citar a proposta para a verticalização.
Verticalização, apartamentos com mais vagas e taxa convertida em obra
Como o Estadão mostrou, algumas das principais críticas ao novo texto do PL envolvem os chamados “eixos” de transporte, que são as quadras mais próximas da maioria das estações de metrô e trem e de corredores de ônibus. Esses locais têm uma série de incentivos públicos para a construção de edifício, tornando-os atrativos para o setor imobiliário, de modo que concentram mais da metade dos novos apartamentos lançados na cidade, especialmente quando próximos de bairros de classe média e alta, como Brooklin, Butantã e Pinheiros.
Hoje, os eixos incidem em um raio de 400 metros das estações, podendo chegar a 600 metros se a quadra for alcançada pelo perímetro de influência (isto é, se o raio abranger mesmo que um trecho pequeno). Na nova versão do PL, o incentivo à verticalização poderá chegar a quadras a até um quilômetro, adentrando o interior de bairros, especialmente no centro expandido. Já, no caso de corredores de ônibus, a influência que é hoje de até 150 metros (chegando a até 300 metros) poderá aumentar para até 450 metros.
Esse tipo de zoneamento foi proposto pelo Plano Diretor em 2014 com o objetivo de aumentar a população que mora perto de meios de transporte de massa e reduzir os longos deslocamentos. Para dos empreendimentos tem sido destinada, porém, para locação temporária e população de maior renda, que, por vezes, não usa metrô, trem ou ônibus no dia a dia, o que gerou críticas.
A nova versão do PL também incentiva mais prédios nas quadras no interior dos bairros. Nesses locais, o empreendimento poderá construir até três vezes a área do terreno em vez da permissão de duas vezes hoje em vigor, mediante o pagamento (outorga onerosa) à Prefeitura. As vizinhanças seguirão, contudo, sujeitas às regras de altura de cada zoneamento, lei que também está em revisão e terá uma nova versão enviada em breve à Câmara.
Outra mudança é a que propõe repassar à iniciativa privada parte das obras públicas de habitação, mobilidade e drenagem. A mudança permite que as construtoras substituam o pagamento da chamada outorga onerosa, uma espécie de taxa pelo direito de construir, pela entrega dessas intervenções. Há possibilidade de até 10% de desconto no que seria pago na forma de taxa.
A atual versão do PL também tirou propostas da Prefeitura. Um delas é o trecho voltado a “frear” o boom de 250 mil microapartamentos perto de estações de metrô e corredores de ônibus, que restringia a construção de vagas de estacionamento “gratuitas” (sem a cobrança da chamada outorga onerosa) apenas para unidades de ao menos 30 m². O substitutivo deixou essa regra exclusivamente para empreendimentos totalmente residenciais, que são menos da metade do que é construído nessas áreas. Também há um trecho que prevê a expansão do Parque Burle Marx, com a anexação de áreas de Mata Atlântica do entorno.
Para urbanistas ouvidos pelo Estadão, a nova proposta incentiva a verticalização como um todo na cidade, por ampliar a área de influência dos eixos e muda o potencial de construção nos miolos de bairro, praticamente anulando a distinção entre zonas em bairros com transporte mais desenvolvido, como os do centro expandido.
Já o Secovi-SP, organização que representa as empresas do mercado imobiliário, como construtoras e incorporadoras, afirmou que a nova versão proposta para o Plano Diretor “amplia o que deu certo na sua concepção e permite maior inclusão de pessoas em áreas dotadas de infraestrutura urbana”. Também disse que a proposta faz a “adequação necessária aos parâmetros que determinaram o adensamento ao longo dos eixos de transporte”.
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