O projeto de revisão do Plano Diretor que será votado pelos vereadores na segunda-feira, 26, vai permitir a expansão da área urbana da cidade de São Paulo que poderá receber prédios sem limite de altura e com incentivos municipais atrativos para o mercado imobiliário. Essa fatia do território vai crescer de 5,6% para cerca de 10%, segundo cálculo do laboratório Arq.Futuro, do Insper. O estudo identificou que a nova proposta estende esses benefícios de 51,5 km² para até 94,2 km² da capital, em imóveis no entorno de estações de metrô e trem e de corredores de ônibus.
A mudança está no texto substitutivo apresentado pelo relator, o vereador Rodrigo Goulart (PSD), aprovado em 1ª discussão no fim de maio. Uma nova versão será apresentada nos próximos dias, com a possibilidade de novas alterações. A ampliação dependerá de alterações no zoneamento da cidade, o que será revisto pela Câmara nos próximos meses. Isto é, não entrará em vigor imediatamente se for promulgada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).
O Plano Diretor é a mais importante lei urbanística municipal, com uma série de regras e incentivos construtivos. Algumas das mudanças que a atual versão propõe são evidentes na cidade, como a concentração da maioria dos apartamentos lançados perto de metrô, trem e corredor de ônibus, em distritos como Brooklin, Butantã e Pinheiros. O atual plano está em vigor desde 2014 e a versão revisada permanecerá ao menos até 2029.
Uma das mudanças propostas para esses locais é que os incentivos municipais para a verticalização alcancem imóveis a até 800 metros de distância da maioria das estações de trem e metrô. Hoje, esse limite é válido para quadras até 600 metros.
No caso de corredor de ônibus, a abrangência inclui quadras até 300 metros e passará a se estender para lotes até 400 metros. A ampliação não afeta a todas as quadras igualmente, pois alguns zoneamentos da cidade (como em áreas exclusivamente residenciais e de proteção ambiental) vetam a verticalização, mesmo quando perto de transporte.
A nova proposta pode permitir que imóveis vizinhos em uma mesma quadra tenham regras distintas. Isto é, um terreno poderá receber prédios mais altos enquanto o vizinho ao lado (por estar a mais de um quilômetro) terá restrição maior. Hoje, como o raio incide sobre toda a quadra, as normas são mais uniformes. Em geral, áreas passíveis de maior verticalização são valorizadas no mercado imobiliário. Esse ponto ainda está em discussão e poderá passar por novas mudanças. O mapa interativo abaixo, feito em conjunto com o laboratório Arq.Futuro, mostra as possíveis mudanças:
Outro motivo para a expansão é um trecho que destrava os incentivos para as quadras vizinhanças a corredores, Metrô e CPTM do entorno da Marginal do Tietê, como as Estações Lapa e Piqueri, da Linha 7-Rubi, e Santana, Carandiru e Portuguesa-Tietê, da Linha 1-Azul.
Originalmente, a ativação dependia de um projeto específico a ser avaliado pelos vereadores. Como a Prefeitura não cumpriu todos os ritos dentro do prazo exigido, esses locais passarão a receber oficialmente os incentivos de eixo (prédio sem limite de gabarito e outros) até o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Arco Tietê ser entregue (o novo prazo será 2024) e aprovado pela Câmara (sem data máxima fixada).
O Plano Diretor prevê esses incentivos para os eixos a fim de aumentar a construção de apartamentos e, consequentemente, a população que mora perto e é usuária frequente de meios de transporte coletivo. Além disso, em geral, são locais com maior oferta de infraestrutura, comércios, emprego e serviços, reduzindo os longos deslocamentos pela cidade. Na prática, contudo, ainda não há estudos suficientes para identificar se a lei conseguiu alcançar o objetivo, ainda mais diante do boom de microapartamentos e volume de empreendimentos de alto padrão em parte desses endereços.
O laboratório identificou que, com a mudança para um raio de até 800 metros, a maioria das quadras (52%) estará a até 10 minutos da estação. As demais estarão com a seguinte distribuição: 10 a 15 minutos (37%), 15 a 20 minutos (9%), 20 a 25 minutos (1%) e mais do que 30 minutos (1%).
Coordenador do levantamento e professor no Insper, Adriano Borges Costa avalia que a expansão dos eixos territorialmente pode fazer sentido desde que mantenha a proximidade ao transporte público. Outra estratégia que aponta seria a ativação de novas área de eixos mediante a efetivação de investimentos em novas infraestruturas de transporte público.
“No entanto, é preciso considerar que atualmente há novas frentes de permissão de adensamento a partir da aprovação do PIU Setor Central (agosto/2022), PIU Jurubatuba (junho/2023) e PIU Vila Leopoldina (junho/2023). Ou seja, acelerar em demasia a criação eixos em áreas já consolidadas pode comprometer o desempenho de novas frentes de desenvolvimento adensado”, diz.
Por outro lado, o pesquisador critica a expansão do raio de influência por lote, e não mais apenas por quadra. Além da questão de uniformidade em uma mesma quadra, avalia que abrirá brecha para uma falta de transparência, pois a ampliação dependerá de aprovação na Câmara Municipal por meio de uma revisão da Lei de Zoneamento ou de um projeto à parte. Esse ponto está em discussão ainda entre os vereadores.
“É problemático. Abre espaço para decisões arbitrárias, negociações políticas e pode gerar um mecanismo de negociação individual, com casos de corrupção. É menos possível de controlar”, diz. “Uma pessoa pode comprar um lote na zona mista (fora de eixo) e pleitear o zoneamento como eixo”, exemplifica.
Além disso, não há orientações de como a mudança envolveria remembramentos de terrenos (fusão de um dentro de eixo e outro fora de eixo). “Vincular com a quadra faz mais sentido urbanístico, porque tem características similares”, argumenta.
Coordenador do Arq.Futuro, com passagens pela Câmara como vereador e subsecretário estadual de Desenvolvimento Urbano, José Police Neto argumenta que a expansão mantém o conceito do Plano Diretor (de aproximar a população do transporte). “Não há conflito conceitual. A simulação está comprovando a aderência da revisão ao conceito original”, diz. “É uma aderência ao sonho parisiense, da lógica da cidade de 15 minutos (de cidade compacta, defendida pela prefeita Anne Hidalgo)”, compara.
Police Neto cita alguns locais que serão majoritariamente formados por eixos, como o distrito da Bela Vista. “Vai ser a nossa Ilha de Manhattan”, compara. Também destaca que impactará também na periferia, como no entorno do monotrilho da zona leste, atraindo também a população que trabalha em municípios vizinhos, como São Caetano do Sul.
Para a equipe do Arq.Futuro, o adensamento construtivo e residencial de áreas próximas ao transporte público está de acordo com as diretrizes e objetivo do atual Plano Diretor e, por tanto, a ativação de novas áreas de eixo, desde que próximas ao transporte público, não se caracteriza como retrocesso ou um “cavalo-de-pau” na atual política urbana de São Paulo. “Ir na direção contrária ao propagado pelo Plano Diretor é permitir apartamentos maiores e com mais vagas de garagem nos eixos”, diz Adriano.
Os pesquisadores do Insper são críticos, contudo, a outros pontos do projeto de lei para os eixos, como a ampliação de 80 m² para 120 m² na metragem média máxima dos apartamentos e a criação de unidades residenciais com mais de uma vaga de garagem sem a cobrança de taxa. Isso porque podem incentivar moradias voltadas a um público que possivelmente não utilizará metrô, trem ou ônibus no dia a dia.
Outro ponto criticado foi a alteração do “coeficiente de aproveitamento” (limite para a área construída em um terreno) das áreas mais distantes de transporte. Hoje, há a limitação de que as construções nos “miolos” de bairro podem ter até o dobro da metragem do terreno. Na versão aprovada em primeira votação, essa ampliação seria de três vezes a área, isto é, um prédio de 300 m² em um lote de 100 m², porém a medida será revista no texto substitutivo.
Para Adriano, a proposta de permitir o aumento do coeficiente nos miolos de bairro sem um respectivo aumento nos eixos, enfraquece a capacidade de direcionar o adensamento para área mais acessíveis por transporte público.
“O mercado imobiliário diz que a conta não fecha nos miolos de bairro e, por isso, não estão sendo feitos empreendimentos de alto padrão nesses locais para famílias que vão continuar se deslocando de carro”, diz. “Mas aumentar no miolo sem aumentar nos eixos é um equívoco, vai enfraquecer o poder dos eixos de atrair densidade”.
Em nota, o relator do Plano Diretor, Rodrigo Goulart, destacou que “ampliação do adensamento nos eixos não é fato consumado com a aprovação da revisão”. Disse que será tratada na Lei de Zoneamento, “caso a caso”.
“O objetivo das mudanças propostas no substitutivo é corrigir distorções do Plano Diretor de 2014, mas, como se trata de uma revisão, manter o principal conceito da lei original, que é o adensamento seguindo os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, ou seja, as áreas ao longo do transporte coletivo”, destacou.
“A ideia é incentivar a verticalização, mas de uma forma muito mais justa e qualificada, trazendo pessoas de todos os níveis sociais para morar perto do transporte”, apontou. “Isso sem deixar de lado o controle desse adensamento, pois foram incluídos no texto mecanismos de proteção para que a transformação proposta nos eixos pelo PDE em 2014 não cause uma verdadeira destruição de alguns bairros como se tem observado.”
Nº de andares de edifícios aumentou após lei
Outra pesquisa realizada pelo mesmo grupo neste ano apontou que o Plano Diretor potencializou a construção de prédios mais altos nos eixos de transporte. A média de andares subiu de 11,1 pavimentos, em 2013, para 16,4 pavimentos, em 2021.
Esse mesmo levantamento também já havia apontado que os incentivos municipais atraíram o mercado imobiliário para os entornos de metrô, trem e corredor de ônibus. Os eixos passaram a concentrar 54,1% dos lançamentos voltados ao público em geral de 2019 a 2021, ante 16,7% do período de 2013 e 2015.
Dados têm apontado que a transformação é maior em bairros de classes média e alta, como Brooklin, Butantã e Pinheiros, onde casas, sobrados e outros imóveis mais horizontais e de menor porte estão sendo substituídos por prédios altos. Porém há casos também em outras partes da cidade, como a vizinhança da Linha 15-Prata do Monotrilho, como Vila Prudente e São Lucas, na zona leste.
O conteúdo do substitutivo tem recebido críticas e apoios, além de dividir opiniões entre urbanistas, associações de moradores, setor imobiliário e vereadores. Entre as demais mudanças previstas, estão a ampliação do máximo de área construída permitida nos “miolos” dos bairros (de duas para três vezes a área do terreno), o pagamento da principal taxa pela pelas construtoras em execução de obras públicas e a determinação da implantação e expansão de novos parques – como a ampliação do Burle Marx, na zona sul paulistana, com a anexação de áreas de Mata Atlântica.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.