O texto final da revisão do Plano Diretor apresentado no fim da noite de quarta-feira, 21, trouxe um novo trecho que permite a isenção de Imposto Sobre Serviços (ISS) para quatro estádios de futebol, dos clubes Palmeiras, São Paulo e Corinthians. Os times paulistanos têm um histórico de disputa judicial para barrar cobranças milionárias desse imposto.
O projeto transforma os locais em “polos atrativos esportivos e turísticos”. Ele abrange a Neoquímica Arena e o Estádio Alfredo Schürig – mais conhecido como Parque São Jorge e Fazendinha, ambos na zona leste –, o Estádio Cícero Pompeu de Toledo, do Morumbi, na zona sul, e o Allianz Parque, na zona oeste.
A mudança não chegou a ser discutida nas demais versões do texto e não tinha até então entrado de forma clara no debate público. A revisão dessa lei terá a segunda e definitiva votação na Câmara Municipal nesta segunda-feira, 26, dias antes do recesso legislativo. Depois, será encaminhada para a promulgação pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).
“A ideia surgiu dentro da bancada corintiana, vamos dizer assim. Dos outros clubes aqui também”, justificou o relator da revisão, vereador Rodrigo Goulart (PSD), em entrevista à Rádio Eldorado. Ele afirmou que os locais “são grandes polos de atração”. “A ideia é que a gente possa incentivar de forma econômica”, completou. “A ideia é atrair ainda mais turistas, através do esporte, para esses polos de desenvolvimento para a cidade, na zona leste, na zona sul e na zona oeste.”
O vereador admitiu que não há um estudo até o momento para identificar o impacto fiscal dessa isenção e que a Secretaria Municipal da Fazenda e a Procuradoria poderão subsidiar a Prefeitura antes da promulgação da lei, a fim de avaliar sobre a sanção ou veto desse artigo.
“Já há uma discussão. Outras legislações que tratam sobre incentivo, sobre ISS para os clubes e outros tributos também”, completou. Ele afirmou que o tema não foi ainda tratado com Nunes, diferentemente de outros pontos alterados no texto final.
Professora de Direito e coordenadora do Núcleo de Questões Urbanas do Insper, Bianca Tavolari avalia que o novo trecho pode gerar questionamentos e insegurança jurídica, pois o Plano Diretor não é uma lei que contempla cobranças de tributação. “Nada no plano toca em nenhuma parte tributária, como IPTU, ISS e outros impostos e taxas municipais”, aponta. “Precisa de lei específica.”
Uma maior cobrança pelo pagamento desse imposto por times de futebol começou em São Paulo especialmente na gestão Fernando Haddad (PT). À época, em 2016, a gestão municipal aponta que seriam cerca de R$ 300 milhões relativos apenas ao período entre 2010 e 2014.
Os valores são milionários. No ano passado, por exemplo, o Corinthians obteve uma decisão judicial que barrou a cobrança de 24 das 29 multas, que totalizavam R$ 20,9 milhões, pelo não pagamento do imposto. À época, a 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a cobrança sobre a bilheteria, mas vetou a relativa à realização de eventos e à mensalidade de sócio-torcedor, por exemplo.
Na decisão, os desembargadores destacaram que os clubes fazem a locação dos espaços para eventos, o que não seria um serviço, “sob pena de dilargar ao infinito o conceito jurídico de serviço e abarcar todo e qualquer gênero de atividade humana”. “Assim, não se pode acolher a alegação da Fazenda Municipal para justificar a lavratura dos autos de infração aqui impugnados.”
A discussão sobre a cobrança de ISS a times de futebol também é nacional. Além disso, casos semelhantes foram também julgados na 14ª Câmara de Direito Público em 2020 e 2021, envolvendo o São Paulo e o Palmeiras.
Hoje, os estádios também recebem um significativo volume de shows e outros megaeventos, além de terem restaurantes de alto padrão, visitas-guiadas e outras atrações que ampliam a receita e o número de turistas e visitantes em geral. No ano passado, uma outra mudança para essas áreas chegou a ser promulgada por Nunes, mas barrada na Justiça, que envolvia o aumento da emissão de decibéis no entorno de estádios.
Tanto no caso dos decibéis quanto na isenção de ISS incluída na revisão do Plano Diretor, as propostas envolvem projetos de outras finalidades, o que é popularmente chamado de “jabuti”. O Plano Diretor é a mais importante lei urbanística municipal, com uma série de regras e incentivos construtivos hoje evidentes na cidade.
Ampliação de eixos de verticalização e anistia a imóveis irregulares
O texto final da revisão do Plano Diretor também trouxe diversas mudanças em relação aos eixos de verticalização da cidade, como antecipou o Estadão. O recuo apontado pelo relator nos últimos dias será menor do que o anunciado, por abrir uma brecha para que imóveis mais distantes do que a 700 metros tenham incentivos municipais para a construção de prédios sem limite de altura. Por outro lado, a nova versão cria “zonas de exceção” que não poderão receber edifícios tão altos mesmo quando próximas de transporte coletivo.
No caso da expansão dos eixos, a mudança depende ainda de alterações na Lei de Zoneamento, que será enviada para a revisão pelos vereadores neste mês. A mudança no Plano Diretor passará por três audiências públicas antes da votação definitiva, mas os vereadores que lideram a revisão declararam diversas vezes nos últimos dias que novas alterações não serão acatadas após a veiculação do texto final.
A nova versão também prevê a anistia para imóveis irregulares de baixo padrão e isentos de cobrança de IPTU, com 2023 como ano de referência. Segundo Goulart, o objetivo foi “incentivar a dignidade da habitação para pessoas de menor renda”. Ele diz que a medida não tem impacto fiscal, pois envolve uma população que não paga IPTU.
Em vigor desde o começo de 2020, esse tipo de anistia se estendia até este ano. “A novidade desse caso é que faz um novo marco temporal”, alegou o relator em entrevista à Rádio Eldorado. De acordo com ele, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento fará um levantamento do total de imóveis que serão atendidos.
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