O plenário da Câmara Municipal de São Paulo aprovou na noite desta segunda-feira, 26, o projeto de revisão do Plano Diretor de forma definitiva. A sessão extraordinária teve início por volta do meio-dia e se estendeu por quase oito horas. Foram 44 votos favoráveis e 11 contrários.
Movimentos de moradia e parte da oposição se dividiram sobre a aprovação. Entre a primeira votação, no fim de maio, e a votação final, nesta segunda, o texto passou por mudanças em meio a críticas de urbanistas e associações de bairro, além de negociações entre vereadores e o Executivo. O texto seguirá para sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
O projeto propõe mudanças na mais importante lei urbanística municipal, com uma série de regras e incentivos construtivos hoje evidentes na cidade, como os que resultaram na concentração da verticalização perto de metrô, trem e corredor de ônibus, por exemplo. O texto votado é um substitutivo, apresentado pelo relator, Rodrigo Goulart (PSD), na noite de quarta-feira, 21, com uma série de mudanças em relação ao que foi aprovado em primeira votação.
A revisão libera mais prédios perto de linhas de trem e metrô, áreas chamadas de eixos de transporte ou de verticalização. Projeção feita pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper sobre a expansão permitida para esses eixos aponta que o aumento das áreas aptas a receberem edifícios sem limite de altura pode chegar a 148%.
A votação final foi marcada ainda por recuos em pontos polêmicos do texto, como a retirada do trecho que dava isenção de impostos a estádios, medida que foi alvo de críticas e apontada como ilegal.
Pela manhã, Nunes havia afirmado que o plano deve diminuir o déficit habitacional na cidade. “É preciso fazer análise ampla do Plano Diretor. Alguns comentários estão focando só em uma questão. Não pode desconsiderar o déficit habitacional. Temos mais de 400 mil unidades habitacionais. É preciso incentivar a habitação na cidade”, afirmou.
Na avaliação de uma parte dos urbanistas e associações de bairro, o novo texto descaracteriza o atual Plano Diretor, vigente desde 2014, ao expandir os eixos para áreas nas partes mais internas dos bairros e por outras alterações, como destinar parte do fundo municipal prioritário para habitação e mobilidade ao recapeamento e asfaltamento de vias.
O setor das incorporadoras e imobiliário têm se posicionado favoravelmente à verticalização proposta pelo plano e diz que a ampliação das áreas para prédios sem limite de altura é necessária para atrair a população para áreas mais estruturadas da cidade.
Presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil) declarou que sempre há críticas e que o Legislativo é a “caixa de ressonância da sociedade”. Também disse que aguarda o envio do projeto de lei da revisão do zoneamento nos próximos dias, pela gestão Nunes, e que o conteúdo começará a ser discutido após o recesso, em agosto. “Aí sim a discussão será palmo a palmo, metro a metro. A discussão será acalorada”, descreveu.
A última audiência pública foi realizada horas antes da sessão extraordinária, pela manhã. O evento contou com a presença de movimentos por moradia, associações de bairro e cidadãos, que fizeram majoritariamente críticas ao texto posto e que pediam para adiar a votação. Um homem precisou ser retirado após se exaltar e atacar verbalmente movimentos por moradia.
O PSOL declarou nesta segunda que poderá judicializar o projeto. “A forma como esse substitutivo se encontra é um retrocesso”, declarou Silvia Ferraro, da Bancada Feminista (PSOL). “Vai adensar para quem? Para o mercado imobiliário construir apartamentos de alto padrão”, completou.
O presidente da Comissão de Política Urbana, Rubinho Nunes (União Brasil), disse que a expectativa é que o projeto seja sancionado pelo prefeito “na sua integralidade”.
Na primeira votação e novamente na segunda, a vereadora Luana Alves (PSOL) exibiu um cartaz contra Nunes. As mobilizações contrárias ao texto também ocorreram no lado externo da Câmara e dentro do plenário, por parte de movimentos de moradias e associações de bairro.
A versão revisada permanecerá ao menos até 2029, quando novas mudanças deverão ser discutidas na Câmara. Entenda a seguir esses e outros pontos do projeto de revisão do Plano Diretor.
Expansão dos eixos de verticalização
Uma das principais discussões em torno do substitutivo ao atual Plano Diretor é o aumento da extensão dos eixos de verticalização. Esses locais abrangem o entorno de trem, metrô e corredores de ônibus e têm uma série de incentivos municipais para a construção de mais apartamentos, como a liberação para prédios sem limite de altura (o máximo varia pela cidade, mas não costuma passar de 48 metros), com volume construído “computável” de quatro vezes a metragem do terreno (a proporção é de até duas vezes no restante da capital; em um cálculo que excluir algumas áreas, como o comércio no térreo e outros) e descontos em parte da principal taxa cobrada das construtoras e incorporadoras (a outorga onerosa).
No Plano Diretor vigente, é permitido construir prédios sem limites de altura dentro de um raio de até 600 metros de distância das estações de metrô e trem e de até 300 metros de corredores de ônibus. A medida busca atrair moradores para perto do transporte público e, assim, reduzir longos deslocamentos.
A regra passou por diversas mudanças ao longo da tramitação na Câmara e prevê expandir os eixos para todas as quadras “alcançadas” por um raio de 700 metros de metrô e trem e um perímetro de até 400 metros nos corredores. Como o Estadão mostrou, essa mudança permite que quadras mesmo que parcialmente tocadas pelo raio se tornem eixo, inclusive alcançando imóveis a mais de um quilômetro da estação.
A ampliação dependerá de anuência da Lei de Zoneamento, que será enviada pela Prefeitura para revisão na Câmara em breve. O texto do projeto do Plano Diretor diz que a autorização para expansão deverá ser norteada pelos seguintes critérios: características de uso e ocupação local, áreas de interesse histórico, cultural, ambiental e de paisagem urbana e características do sistema viário e relevo.
Segundo levantamento feito pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, o atual texto da revisão aumenta em até 148% a expansão dos eixos. A proporção da alta é parecida com a da versão aprovada pelos vereadores na primeira votação, no final de maio. Na proposta antiga, com área de verticalização de até mil metros de estações e a até 450 metros de corredor de ônibus, o aumento de trechos de verticalização seria de 160%.
Com o Plano Diretor atual, de 2014, os eixos passaram a concentrar mais da metade dos apartamentos lançados, principalmente em distritos valorizados, como Brooklin, Butantã e Pinheiros. A lei prevê incentivos para esses locais a fim de aumentar o número de apartamentos e, assim, a população que mora perto e é usuária frequente de meios de transporte coletivo.
Questionado por jornalistas sobre a questão dos eixos de verticalização após a aprovação, Goulart afirmou que os locais em que a expansão atingiria um perímetro maior (a 900 metros ou até mais de um quilômetro, como mostrou o Estadão) possivelmente não seguem os parâmetros indicados e, portanto, terão a ampliação negada na revisão do zoneamento. Também disse que a definição do critério por quadra alcançada dará maior homogeneidade à medida.
‘Zonas de exceção’
A nova versão do Plano Diretor também prevê “zonas de exceção”, áreas onde não poderão ser construídos edifícios tão altos, mesmo se estiverem localizados perto de transporte coletivo. Hoje, o raio de influência dos eixos não incide em algumas áreas de zoneamentos da cidade, como de Zonas Exclusivamente Residenciais, de Ocupação Especial e Especiais de Preservação Ambiental, por exemplo, onde o limite de altura varia, mas sem passar de 10 metros - além de ter outras restrições e regras menos atrativas para o mercado imobiliário.
O texto final amplia essas “zonas de exceção” previstas no Plano Diretor, algumas delas já previstas na Lei de Zoneamento. Alguns exemplos são as Zonas Predominantemente Residenciais, que abrange núcleos com limite de altura de 10 metros, em alguns casos, perto de eixo de transporte. Nesses locais, não será permitido ter as características horizontais transformadas pela revisão do zoneamento, que ocorrerá nos próximos meses.
Verticalização em vilas e no Bixiga
O texto final incorporou também parte das sugestões propostas nas audiências públicas e para a sociedade civil para a proteção do Bixiga, no centro, e de vilas – como apontou o Estadão. Os novos trechos adicionados impedem que os locais sejam considerados como eixos de verticalização mesmo quando localizados perto de estações de trem e metrô e de corredores de ônibus, o que impede a construção de prédios sem limite de altura.
O objetivo é reduzir a atratividade do bairro histórico e das vilas para o setor das grandes incorporadoras. No caso do Bixiga, a proteção é temporária até ser formulado um projeto de lei específico para a área, que “deverá incluir articulação com políticas habitacionais que garantam a manutenção da população residente e do perfil racial deste perímetro, usando como parâmetro o perfil racial do último censo”.
No caso das vilas, a mudança abrangeria os locais oficialmente considerados como vilas, com a seguinte definição: “conjunto de lotes fiscais originalmente destinados à habitação constituído de casas geminadas cujo acesso se dá por meio de via de circulação de veículos de modo a formar rua ou praça no interior da quadra, com ou sem caráter de logradouro público”, semelhante ao que é definido desde 2022 por resolução da Câmara Técnica de Legislação Urbanística (CTLU) – ligada à Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento.
Essa definição engloba as vilas que se enquadram em ao menos uma de quatro condições. Uma delas é a descrita pela Lei de Zoneamento, de 2016. Ela é: “conjunto de lotes fiscais, originalmente destinados à habitação, constituído de casas geminadas, cujo acesso se dá por meio de via de circulação de veículos de modo a formar rua ou praça no interior da quadra com ou sem caráter de logradouro público”.
Caso não se encaixe nesse entendimento, o conjunto ainda pode ser reconhecido como vila se for considerado como tal por: uma decisão judicial com trânsito em julgado; o Cartório de Registro de Imóveis até 16 de dezembro de 1985; a Prefeitura até 16 de dezembro de 1985; uma avaliação pela CTLU.
Criação de parques municipais
O texto final da revisão do Plano Diretor de São Paulo prevê a criação de 18 novos parques municipais não incluídos na versão aprovada em primeira discussão e, também, exclui outras 11 áreas que estavam previstas. Entre as principais unidades propostas, estão os Parques do Jockey (zona sul), Campo de Marte (norte) e a transformação oficial da Praça Princesa Isabel (centro), que está em obras.
Dos 18 novos endereços, nove estão no distrito do Butantã, zona oeste. Entre eles, estão a Mata Esmeralda, que abriga espécies da Mata Atlântica e mais de 5 mil nascentes em seus 400 mil m², e o Parque da Joia, área de manancial com mata fechada, além de nascentes. A expansão do Parque Burle Marx estava prevista no primeiro substitutivo e foi mantida. Veja os parques previstos no projeto de revisão do Plano Diretor.
Verba de mobilidade para obras de asfaltamento
O texto final da revisão do Plano Diretor de São Paulo adicionou uma proposta semelhante à de um projeto de lei defendido pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), mas que fora suspenso pela Justiça em abril. O trecho permite o uso de parte da verba do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) – majoritariamente voltada à moradia popular e mobilidade urbana – para obras de recapeamento e pavimentação de ruas e avenidas.
O novo trecho faz uma redistribuição da destinação do fundo, hoje de ao menos 30% para habitação e outros 30% para mobilidade, enquanto os demais podem ser voltados a outras intervenções urbanas listadas. Agora, a revisão do Plano Diretor aumenta a fatia de habitação para baixa renda para 40%. Mas, no caso dos 30% da lei vigente destinada para “implantação dos sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres”, adicionou a “implantação e realização de melhorias nas vias estruturais” .
O texto passou a mencionar explicitamente os termos “pavimentação” e “recapeamento”. O Fundurb arrecada cerca de R$ 1 bilhão anuais, por meio da outorga onerosa, taxa cobrada das empresas para erguer prédios com uma área construída maior do que a metragem do terreno.
Sobre esse trecho, o relator, Rodrigo Goulart, salientou que o projeto de lei semelhante foi barrado na Justiça por questões da tramitação, e não pelo conteúdo em si. “O questionamento foi quanto à forma como estava sendo tratado. Por isso, incorporamos essa discussão no texto da revisão do Plano Diretor.”
Quais áreas que podem ganhar prédios mais altos?
Os lotes que poderão ser verticalizados sem limite de altura e com incentivos para atrair o setor imobiliário estão no mapeamento interativo abaixo. O mapa contempla uma projeção do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper sobre a expansão permitida para os eixos, que poderá chegar a um aumento de 148%.
A maioria da ampliação dependerá de aval da Lei de Zoneamento, que será revisada nos próximos meses pela Câmara. No caso de eixos no entorno do chamado “Arco Tietê”, serão oficialmente ativados pelo Plano Diretor com a promulgação, por isso, alguns locais não tinham áreas de verticalização e/ou terão um aumento mais expressivo que a média, como a Lapa.
O mapa interativo até o momento não inclui as vilas, pois não há uma base de dados oficial com todas as que existem na cidade. O projeto prevê que esses conjuntos não sejam transformados em eixo mesmo quando localizados perto de transporte. Uma zona de exceção semelhante também foi criada para o Bixiga, como é assinalado no mapa. Confira como a expansão pode mudar o seu bairro:
Veja abaixo como cada vereador votou no PL da revisão do Plano Diretor
Vereadores que votaram contra:
Celso Giannazi (PSOL)
Cris Monteiro (Novo)
Elaine do Quilombo (PSOL)
Eliseu Gabriel (PSB)
Hélio Rodrigues (PT)
João Ananias (PT)
Luana Alves (PSOL)
Jussara Basso (PSOL)
Luna Zarattini (PT)
Silvia da Bancada Feminista (PSOL)
Toninho Vespoli (PSOL)
Vereadores que votaram a favor:
Adilson Amadeu (União Brasil)
Alessandro Guedes (PT)
André Santos (Republicanos)
Arselino Tatto (PT)
Atílio Francisco (Republicanos)
Aurélio Nomura (PSDB)
Beto Social (PSDB)
Camilo Cristófaro (Avante)
Coronel Salles (União Brasil)
Danilo do Posto de Saúde (Podemos)
Dr. Sidney Cruz (Solidariedade)
Dr. Nunes Peixeiro (MDB)
Dra. Sandra Tadeu (União Brasil)
Edir Sales (PSD)
Eli Corrêa (União Brasil)
Ely Teruel (Podemos)
Fabio Riva (PSDB)
Fernando Holiday (Republicanos)
George Hato (MDB)
Gilson Barreto (PSDB)
Isac Félix (PL)
Jair Tatto (PT)
Janaína Lima (MDB)
João Jorge (PSDB)
Jorge Wilson Filho (Republicanos)
Major Palumbo (PP)
Manoel Del Rio (PT)
Marcelo Messias (MDB)
Marlon Luz (MDB)
Milton Ferreira (Podemos)
Milton Leite (União Brasil)
Paulo Frange (PTB)
Ricardo Teixeira (União Brasil)
Rinaldi Digilio (União Brasil)
Roberto Tripoli (PV)
Rodolfo Despachante (PSC)
Rodrigo Goulart (PSD)
Rubinho Nunes (União Brasil)
Rute Costa (PSDB)
Sandra Santana (PSDB)
Sansão Pereira (Republicanos)
Senival Moura (PT)
Thammy Miranda (PL)
Xexéu Trípoli (PSDB)
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