PUBLICIDADE

Por que polícia está em alerta no Guarujá após ataques a PMs? Qual é o elo com o PCC?

Ao menos 280 agentes foram enviados para a Baixada Santista na Operação Impacto; promotor não acredita ações coordenadas da facção. Região vê escalada de violência nos últimos anos

PUBLICIDADE

Foto do author Ítalo Lo Re
Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:

Dois ataques a tiros nesta semana a agentes da Polícia Militar no Guarujá, na Baixada Santista, estão entre os motivos que fizeram o comando da corporação colocar as tropas em alerta para o risco de uma nova onda de violência na região. Autoridades monitoram se os casos representam uma ofensiva do Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção do País, mas não há até agora indícios que apontem para ação coordenada.

Dois homens dispararam contra a base comunitária Vila Zilda, da Polícia Militar, no Guarujá Foto: @PMESP

PUBLICIDADE

Só na segunda-feira, 14, foram dois episódios. Primeiro, uma base da PM no bairro Vila Zilda, no Guarujá, foi atacada a tiros por ao menos dois homens – a moto em que estavam já foi localizada, mas os suspeitos seguem foragidos. Depois, quatro agentes que faziam ronda de moto na Avenida Prefeito Raphael Vitiello, na mesma região, também foram alvo de disparos ao abordar suspeitos.

A PM reforçou o policiamento na Baixada após esses casos. Ao menos 280 policiais foram deslocados para a região, em operação denominada Impacto. O foco neste primeiro momento é o Guarujá, mas a incursão ainda pode ser ampliada. O comando da PM colocou os batalhões do Estado de sobreaviso, para eventual necessidade de ampliar a ação.

A Vila Zilda, onde os ataques ocorreram, é a mesma em que o soldado Patrick Reis, da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), foi assassinado em julho de 2023. A morte desencadeou a Operação Escudo, uma forte reação da PM que resultou em 28 suspeitos mortos só na primeira fase.

Em 2024, com novas mortes de PMs na região, o governo estadual determinou outras ações na Baixada. Entre 3 de fevereiro e 1º de abril, 56 pessoas foram mortas em ações policiais no âmbito da Operação Verão. O Ministério Público investiga relatos de supostos abusos nessas ações, o que é negado pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Fontes internas da Inteligência da PM ouvidas pela reportagem afirmam que, até agora, não há indícios de interligação entre os dois casos recentes no Guarujá. Mas eles apontam que as medidas foram adotadas como forma de precaução pelo comandante-geral da PM, o coronel Cássio Araújo de Freitas.

“O PCC está presente em toda a Baixada Santista por se tratar de região estratégica para o crime organizado, principalmente em razão do Porto de Santos, o principal ponto de escoamento de cocaína para a Europa e para a África”, diz o promotor Silvio Loubeh, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual.

Publicidade

Operação Escudo foi deflagrada após morte de agente da Rota Foto: Taba Benedicto/Estadão

Para ele, os ataques foram pontuais, mas o risco permanece devido ao interesse logístico dos criminosos. Ele lembra que as favelas e ocupações na Baixada, principalmente no Guarujá, favorecem bastante a ação do PCC. “São áreas de difícil acesso para a polícia. Com essas características, confrontos armados, por iniciativa dos criminosos, são a regra e não a exceção.”

No total, conforme o governo do Estado, o policiamento na Baixada Santista e no Vale do Ribeira teve patrulhamento reforçado com 724 novos agentes e foram repassados mais de R$ 43,5 milhões para as forças de segurança, incluindo áreas costeiras, com o uso de uma embarcação blindada. As medidas, diz o Estado, resultaram na queda das taxas criminais nas duas regiões.

Autoridades investigam supostos ‘salves’ da facção

Nesta semana, um possível “salve” (orientação da alta cúpula a faccionados) foi encontrado na Penitenciária de Parelheiros, zona sul paulistana. O bilhete, escrito a mão, listava insatisfações sobre as condições das prisões e orientava que líderes do PCC em presídios paulistas indicassem nome e endereço de dois policiais penais de cada unidade, possivelmente para retaliação. A veracidade do salve ainda não foi atestada pelas autoridades.

Em paralelo, uma denúncia anônima, recebida por telefone, apontou que o PCC teria difundido um “salve” demonstrando revolta pela morte de um faccionado com possível atuação no Guarujá e encorajando, por conta disso, ataques contra agentes de segurança do Estado.

PUBLICIDADE

O incêndio de um caminhão da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) na Avenida Doutor Gastão Vidigal, na Vila Leopoldina, na última semana aumentou os temores quanto a possíveis atentados. Conforme a Secretaria da Segurança Pública, o caso ocorreu quando o veículo estava sendo conduzido por um agente que retornava de uma audiência com detentos a bordo.

Procurada pela reportagem, a SAP negou “qualquer ataque a seus agentes”. A pasta afirma que o veículo sofreu pane elétrica na noite da sexta, 11, durante o temporal. Depois, pegou fogo. “Não houve feridos, pois o caminhão havia sido esvaziado antes do fato”, acrescenta a secretaria, em nota.

Integrantes da PM e do Ministério Público do Estado (MP-SP) também minimizaram um possível ataque coordenado. “Não há indícios de correlação dos ataques na Baixada com o suposto salve, cujo conteúdo não foi analisado e confirmado pela Inteligência da SAP e tampouco aqui pelo Gaeco (Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado)”, disse o promotor Lincol Gakiya.

Publicidade

Atuação de milícia é investigada no Guarujá

Conforme mostrou o Estadão, uma investigação da Polícia Civil em conjunto com o Ministério Público desvendou a presença de organização criminosa no Guarujá que, entre outras ações, ordenava os ataques contra policiais. Quatro agentes morreram na cidade desde o ano passado. Informações preliminares indicam a atuação de uma milícia nos homicídios.

A organização seria liderada por um membro do alto escalão do PCC, que comandava o tráfico de drogas e de armas em uma comunidade no distrito de Vicente de Carvalho. Em 2022, o suposto líder da facção teria ido ao Rio de Janeiro para ter informações sobre como instalar milícias em bairros do Guarujá.

Quando aconteceu o ataque à base da PM na Vila Zilda, havia ao menos dois policiais no local. Os dois suspeitos chegaram em uma moto e fizeram cinco disparos, mas os PMs não foram atingidos. Ao ouvirem o primeiro disparo, eles se abrigaram atrás de um balcão. As balas estilhaçaram a porta de vidro da base e uma delas atingiu a parede. O caso foi registrado como tentativa de homicídio e dano no 1º DP do Guarujá.

Ao assumir a chefia do MP paulista, em abril, o procurador-geral de Justiça Paulo Sérgio de Oliveira Costa disse ao Estadão que organizações criminosas como o PCC seriam enfrentadas com ações de inteligência, científicas e estratégicas. “É preciso não ter receio de dizer que é intolerável se aceitar que o crime organizado desafie o Estado. Nós somos o Estado. Estão desafiando a nós mesmos”, disse, na ocasião.

Procurado pela reportagem, o MP informou que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, núcleo Baixada Santista, não abriu investigação específica sobre o ataque à base da PM, não tendo “informações que corroborem esse alerta até o momento”.

Um dos principais municípios turísticos do estado, o Guarujá deve receber cerca de 3 milhões de visitantes no verão 2024/25. Na temporada passada, a cidade recebeu cerca de 2,8 milhões, segundo a Secretaria Municipal de Turismo. Devido ao grande fluxo de visitantes, o Estado amplia consideravelmente o efetivo na cidade.

Questionada sobre os ataques a policiais, a prefeitura de Guarujá informou que as ações da PM em curso na cidade são pontuais e disse manter o patrulhamento e as rondas com as equipes do município.

Publicidade

O PCC é considerado uma organização criminosa, por isso sua estrutura, baseada na hierarquia, não tem existência formal. Surgida no sistema prisional paulista, em 1993, a facção está espalhada por todo o Brasil.

Sua principal fonte de recursos é o narcotráfico, embora o PCC se organize em outras atividades, por meio de empresas de fachada. É considerado o principal exportador de cocaína da América do Sul e tem alianças com organizações poderosas do exterior, como a máfia italiana.

Estado e prefeituras dizem investir em moradias

Em nota, o Estado diz investir em áreas sociais. No setor habitacional, conforme o governo, foram viabilizadas mais de 3,6 mil moradias na Baixada Santista desde janeiro de 2023 em projetos como o Vida Digna, que visa a reassentar moradores de áreas de risco, comunidades de palafitas ou áreas sujeitas a enchentes.

Mais de 800 famílias foram atendidas e outras 2.112 serão atendidas com unidades em construção. O Programa Viver Melhor atende 1.023 famílias na Baixada e 3 mil receberam regularização fundiária.

As prefeituras de Santos, Guarujá, Cubatão e São Vicente afirmam que o combate ao crime organizado é competência do Estado, mas atuam em ações sociais e habitacionais.

Santos tem parceria com a Polícia Ambiental para conter ocupações irregulares, com apoio da PM. Desde junho, o monitoramento das áreas é feito por satélite. De janeiro a julho, o grupo de trabalho desmontou 20 construções inabitadas. Moradores de áreas de risco são removidas para conjuntos habitacionais.

Em 2025 serão entregues mais 700 unidades e outros sete projetos estão em andamento, totalizando 1.698 habitações. Santos projeta ainda o Parque Palafitas, no Dique da Vila Gilda, com 60 casas no projeto-piloto.

Publicidade

O Guarujá informou ter entregue 1.644 novas moradias em menos de oito anos e há 799 em construção, retirando famílias que viviam há décadas em áreas de risco, como palafitas e encostas de morros. A prefeitura integra força-tarefa composta também pelo MP e polícias em trabalho permanente de combate a invasões. De janeiro a setembro foram realizadas 207 operações e realizadas 481 demolições de habitações irregulares.

Cubatão disse fazer voos a cada 15 dias para fiscalizar áreas críticas. As favelas Vila Esperança e Vila dos Pescadores estão sendo urbanizadas e os novos espaços vão facilitar a entrada do policiamento ostensivo. No Nova Esperança estão sendo construídas 1.100 moradias para famílias que moram em palafitas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.