A escalada da violência policial, com a repercussão de ao menos sete casos no último mês, resultou na prisão de dois PMs e no afastamento de 46 agentes. Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), os policiais afastados permanecem trabalhando na corporação e recebendo salário, mas passam a exercer atividades internas, burocráticas. No caso dos PMs presos, eles perdem a remuneração e passam a receber auxílio reclusão. A pasta não informou o valor.
A sequência de denúncias fez o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) admitir falhas e a necessidade de revisão não apenas de protocolos - mas de discurso. Na quinta-feira, 5, o chefe do Executivo afirmou que errou ao questionar a eficácia das câmeras e defendeu o uso do equipamento. Apesar da mudança de tom, ele defendeu a manutenção do secretário da Segurança, Guilherme Derrite, no cargo.
Entre janeiro e o início de dezembro, foram registradas 784 mortes em decorrência de intervenção policial, segundo o Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público. A Secretaria da Segurança Pública tem afirmado investigar os casos e não tolerar os desvios de agentes. “A Polícia Militar não compactua com desvios de conduta de seus agentes, punindo exemplarmente aqueles que infringem a lei e desobedecem aos protocolos da instituição”, disse, em nota.
Dados da SSP apontam que de janeiro a setembro, a Polícia Militar matou 496 pessoas - o maior número desde 2020. A alta interrompeu a curva de queda de mortes pela PM que havia sido registrada a partir do uso das câmeras corporais nas fardas dos agentes. Em 2022, o total de óbitos do tipo foi o menor da série histórica, iniciada em 2001.
Veja abaixo o número de agentes afastados e presos nas ocorrências recentes:
- Agressão a uma idosa de 63 anos em Barueri: 12 policiais afastados
- PM entra em adega, bate em funcionário com cabo de enxada e promove quebra-quebra: 1 policial afastado
- Flagra de policiais atirando um homem de uma ponte: 12 policiais afastados e um preso
- Assassinato de um homem atingido nas costas após tentativa de roubo em um mercado: 1 policial preso
- Agressão a um motociclista durante abordagem na zona norte de SP: número não informado pela PM
- Morte de um estudante de Medicina baleado em um hotel da capital: 2 policiais afastados
- Morte de uma criança de 4 anos na Baixada Santista: 7 policiais afastados
Além desses casos, a corporação teve o afastamentos de oito agentes por suspeita de envolvimento na morte do delator do Primeiro Comando da Capital (PCC), o empresário Antônio Vinicius Lopes Gritzbach. Ele foi executado no dia 8 de novembro no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo.
Outros quatro policiais foram afastados por apostar um racha e provocar um acidente no Cambuci, zona sul da capital Uma das viaturas bateu ficou destruída após bater em carros parados na via.
Relembre as denúncias do último mês:
4/12/2024 - PMs agridem idosa de 63 anos em Barueri
Policiais militares foram filmados agredindo uma idosa de 63 anos durante abordagem na garagem da casa da família no Jardim Regina Alice, em Barueri, na Grande São Paulo, na quarta-feira, 4. Na ocasião, o filho dela, o empresário Juarez Higino Lima Júnior, também foi agredido.
As imagens mostram um chute e empurrões. Os vídeos foram gravados por testemunhas e obtidos pelo Estadão. A PM disse que “não compactua com desvios de conduta e assegura que qualquer ocorrência envolvendo excessos será investigada e os agentes, devidamente punidos”. A Polícia Civil disse investigar as imagens. O caso foi encaminhado à Corregedoria da PM.
Segundo familiares, a abordagem começou por causa de uma moto que estava estacionada na calçada na Rua Mar Negro, em frente à garagem da família. Estavam na calçada Matheus Higino Lima Silva, de 18 anos, e seu pai, Juarez, de 39. O veículo está com a documentação irregular.
Pai e filho resistiram à ação e correram para a garagem, segundo a versão da PM. De acordo com o boletim de ocorrência, eles teriam xingado os agentes de “seus lixos”.
“A gente não questiona a situação da moto. Ela está errada, mas eles não precisavam entrar, arrebentar o portão e bater em todo mundo”, diz a motorista Paula Sena, irmã de Mateus. ‘Não temos arma em casa, ninguém tem passagem (pela polícia)”, acrescenta.
3/12/2024 - PM entra em adega e bate em funcionário com cabo de enxada
Um policial militar de folga entrou em uma adega em Jacareí, interior de São Paulo, agrediu um funcionário do estabelecimento e destruiu garrafas e outros objetos que estavam à venda, em conduta que durou mais de seis minutos. O caso aconteceu no bairro Loteamento Villa Branca na terça-feira, 3, e foi filmado por câmeras de segurança. O Estadão teve acesso às imagens.
Segundo a Polícia Civil o PM é o major Jorgio Baltazar de Jesus, de 45 anos. O Estadão não localizou o policial e seus representantes, para que se manifestem sobre as acusações. Segundo a SSP, ele foi afastado das atividades.
As imagens mostram o policial agredindo o funcionário da adega com o cabo de uma enxada. Ele também quebrou garrafas e derrubou prateleiras.
Conforme relato da vítima à polícia, o major acusou o funcionário de ter “passado a mão” no filho dele no dia anterior, numa padaria da vizinhança. O caso foi denunciado à Polícia Civil e é investigado pelo 1º DP de Jacareí, que considera que podem ter ocorrido lesão corporal, dano e ameaça.
2/12/24 - Homem é jogado de ponte na zona sul de São Paulo
Vídeo divulgado nas redes sociais flagrou um policial militar jogando um homem do alto de uma ponte de São Paulo na madrugada de segunda-feira, 2, na zona sul da capital.
Treze policiais foram afastados. Um deles é o soldado Luan Felipe Alves Pereira, que atirou o rapaz da ponte. Ele foi preso na quarta, 5, após a Justiça Militar aceitar pedido da Corregedoria da PM.
Pelas imagens, é possível ver três agentes da PM sobre a ponte. Um deles levanta uma moto do chão e a encosta na mureta. Outro policial aparece segurando pelas costas um homem usando uma camiseta azul.
O vídeo registra o momento em que o policial levanta o homem pelas pernas e o joga do alto da ponte sobre um córrego. Na sequência, o corpo de um homem aparece boiando nas águas do córrego - testemunhas dizem que ele sobreviveu à queda.
Segundo a corporação, os PMs fizeram o registro no sistema operacional da polícia de uma perseguição de um homem considerado suspeito, mas sem mencionar qualquer arremesso de viaduto.
O procurador-geral de Justiça do Estado, Paulo Sergio de Oliveira e Costa, considerou as imagens “estarrecedoras e inadmissíveis”.
1/12/2024 - PMs agridem com socos e chutes motociclista rendido no chão
Um motociclista já rendido e uma mulher que estava na garupa foram agredidos por policiais militares durante uma abordagem no Jardim Damasceno, zona norte de São Paulo. O caso aconteceu domingo, 1º, no cruzamento das ruas Gregório Pomar e Fortunato Devoto.
Imagens que circulam em redes sociais mostram o homem sendo arrastado e recebendo golpes de cassetete, socos e chutes quando já estava dominado pelos agentes. A mulher tenta intervir e também é agredida. O motociclista foi perseguido por seis PMs da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam). Durante a perseguição, um dos agentes bateu na moto onde estava o casal.
20/11/24 - Aluno de Medicina é assassinado em hotel na Vila Mariana
O estudante Marco Aurélio Acosta, de 22 anos, morreu baleado por um policial militar em um hotel na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. A polícia afirma ter sido acionada por causa de um desentendimento entre o jovem e a mulher que o acompanhava, uma garota de programa.
Imagens da câmera de segurança mostram o jovem entrar no estabelecimento correndo. O rapaz é seguido por um PM que o puxa pelo braço, empunhando a arma. Um segundo policial aparece, chutando Acosta, que segura seu pé e o faz desequilibrar. Em seguida, um dos PMs disparam na barriga da vítima.
Na versão divulgada pela SSP, o jovem teria golpeado uma viatura e tentado fugir em seguida. Ainda conforme a pasta, ele teria investido contra os policiais ao ser abordado e foi ferido por um disparo. O caso é investigado e ao menos dois agentes envolvidos na ocorrência foram afastados. O PM responsável pelo disparo foi indiciado por homicídio doloso (com intenção de matar).
“A polícia de São Paulo está matando por um retrovisor?”, questionou a médica Silvia Mônica Cardenas, mãe de Acosta.
5/11/24 - Criança de 4 anos morre enquanto brincava na rua
Ryan Andrade, de 4 anos, morreu ao ser atingido por bala perdida durante confronto entre a PM e suspeitos, em Santos, no litoral. O menino brincava na rua quando foi atingido pelo tiro na barriga. Segundo a PM, o projétil partiu da arma de um policial.
A SSP diz que os policiais reagiram ao serem atacados por um grupo com cerca de 10 suspeitos - o patrulhamento era feito em área dominada pelo tráfico de drogas. O caso é investigado. Ainda de acordo com a pasta, sete policiais envolvidos na ação foram afastados.
Dois adolescentes também foram atingidos durante a troca de tiros e um deles morreu. Uma jovem de 24 anos também foi vítima de bala perdida, mas foi ferida de raspão. Em fevereiro, o pai de Ryan também havia morrido durante uma operação policial. Conforme a SSP, ele tinha envolvimento com o narcotráfico.
3/11/24 - Homem é morto com tiro nas costas após tentar roubar sabão
Gabriel Renan dos Santos, de 26 anos, foi morto a tiros por um policial militar de folga após tentar furtar pacotes de sabão em um mercado no Jardim Prudência, zona sul de São Paulo. Ele foi alvejado pelas costas ao tentar fugir e escorregar na porta do estabelecimento, mostram imagens da câmera de segurança.
No boletim de ocorrência, o PM Vinicius de Lima Britto afirma que agiu em legítima defesa. A versão contestada pela família. Ele foi preso preventivamente na manhã desta sexta, 6, após a Justiça aceitar pedido do Ministério Público.
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