Policiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo, têm atuado cada vez mais fora da capital, onde historicamente as suas ações se concentram, e até fora do Estado. Na semana passada, os agentes participaram pela primeira vez de uma operação na fronteira do Brasil com o Paraguai.
Na gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a polícia estadual já foi enviada três vezes para missões fora do território paulista. Na mais recente, ao menos 40 viaturas viajaram 1,1 mil quilômetros para entrar em ação em cidades fronteiriças do Mato Grosso do Sul, como Aral Moreira, Antônio João e Ponta Porã, esta última separada por uma avenida da paraguaia Pedro Juan Caballero.
A região é marcada por uma disputa violenta em torno do mercado ilegal de drogas, conflito potencializado por facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).
As operações nas divisas estaduais e fronteiras foram concebidas após a mobilização de secretários de segurança de cinco Estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Batizada de Operação SULMaSSP, a ação tem por objetivo “intensificar o policiamento ostensivo em todos os municípios de São Paulo que fazem divisa com os outros quatro Estados”, segundo o que foi divulgado em julho pelo governo paulista. O Estado, porém, não faz divisa com o Rio Grande do Sul nem com Santa Catarina.
No caso mais recente, a Rota esteve em cidades do Mato Grosso do Sul, mas na fronteira do Brasil com o Paraguai, e portanto distante da divisa paulista. Já no primeiro dia, a tropa paulista entrou em confronto com suspeitos de integrar esquemas de tráfico internacional de drogas e um deles, de 22 anos, foi baleado e morto.
Ao anunciar os resultados das operações em entrevista divulgada pela pasta, o secretário Guilherme Derrite disse planejar novas fases. “São feitas reuniões preparatórias com as dez polícias (civis e militares) envolvidas e selecionados os alvos relevantes, sobretudo o tráfico de drogas transnacional. O objetivo em realizar operações nas divisas e fronteiras inclui um acordo para a troca de informações”, disse.
Já houve outras operações com o mesmo escopo na divisa entre Paraná e São Paulo, além de uma outra anterior também no Mato Grosso do Sul.
Ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Cláudio Silva entende que a lei orgânica das PMs permite a atuação fora do Estado, mas em situações especiais. “Forças especiais, com treinamento específico, como a Rota, são comumente solicitadas quando as operações exigem. O que é preciso observar é o cumprimento da lei pelos profissionais de segurança, dentro dos limites estabelecidos”, z.
Para o especialista em segurança pública Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, o envio de policiais estaduais a unidades federativas diferentes das suas de origem envolve questões legais e técnicas.
“É necessário que atuem com forças locais, que conhecem o terreno e saibam quais as áreas onde há mais risco de vitimização. Um exemplo disso é que mesmo no Estado, a Rota teve dois policiais baleados no Guarujá (em julho), entrando em áreas de comunidade com as quais não eram familiarizados”, ressalta.
Fronteira não é problema nosso, diz ex-comandante da PM
Ex-comandante-geral da PM de São Paulo, o coronel Benedito Meira é crítico em relação ao envio da Rota para atuar na fronteira. “Se o Estado de São Paulo estivesse vivendo nas nuvens em termos de segurança, não veria problema, mas a partir do momento em que temos problemas aqui, não entendo como salutar mandar a Rota para a fronteira. É problema do Estado que está na fronteira e do governo federal”, avalia.
Ele vê a Rota como preparada para agir em qualquer circunstância. Mas, segundo ele, a tropa não está com o tamanho ideal e não faz sentido deslocar parte dela para atender um problema que não é do Estado. “Reforçar o policiamento nas divisas de São Paulo com Paraná e Mato Grosso do Sul com a Rota, concordo e entendo como necessário, pois entra muita droga. Já na fronteira, não vejo motivo para o emprego da Rota.”
Para o coronel reformado da PM José Vicente da Silva Filho, consultor em planejamento de segurança pública, os 150 quilômetros da faixa de fronteira onde a Rota atuou é território onde as Forças Armadas têm poder de polícia, conforme lei complementar. “Há um sistema integrado de vigilância das fronteiras (Sisfron) que está sendo implantado há dez anos e carece de orçamento. Fronteira é majoritariamente de alçada federal, principalmente das Forças Armadas”, disse.
Silva Filho também lembrou que a PM paulista está com déficit de efetivo. “Não tem sentido esse prejuízo para o policiamento. Seria compreensível a colaboração federativa para algum fato grave, objetivo e urgente, como uma greve da polícia local.”
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Oposição ao governo federal
Especialistas também destacam que, por trás das missões interestaduais da Rota, também há um pano de fundo político da atuação de Tarcísio. Em junho, a divulgação dos resultados da Operação SULMaSSP II, decorrente da colaboração interestadual, ocorreu no Palácio dos Bandeirantes com a presença do governador.
“Esta articulação de governadores Sudeste/Sul reúne alguns francos opositores do governo federal (do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT)”, afirma Langeani. A gestão petista na área de segurança pública, sob o ministério de Flávio Dino, tem sofrido críticas por falta de propostas efetivas.
Secretário de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Antônio Carlos Videira defende a união entre os Estados como uma ajuda no combate a crimes fronteiriços.
Ele lembra que as fronteiras são porta de entrada de ilícitos e o tráfico fomenta toda uma cadeia de criminalidade. “A prevenção de crimes fronteiriços produz efeitos muito além de nossas fronteiras e divisas. Mostra inclusive para os países vizinhos que estamos atentos ao que acontece na fronteira”, z.
A Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) do Paraguai disse, em nota, que mantém constante intercâmbio de informações com as autoridades brasileiras da região de fronteira para inibir o narcotráfico.
Recentemente, a Senad fez operação em coordenação com a Polícia Federal do Brasil para identificar os bens e estabelecer, em território paraguaio, os vínculos do narcotraficante Jarvis Chimenes Pavão, preso no Brasil.
Tropa é requisitada no Estado
Para o consultor em segurança Edmar Bueno, policial da reserva que atuou na Rota, a unidade tem sido bastante requisitada por prefeituras do interior e governos de outros Estados devido à sua experiência em ações de maior complexidade, sobretudo em ambientes urbanos.
“O treinamento da Rota é pautado no combate urbano, com foco no crime organizado, mas a tropa está preparada para atuar em outras condições quando é requisitada.” Segundo ele, os agentes passam pelo treinamento teórico, que abrange legislação, interpretações jurídicas e atualidades do Estado e do País.
Já o treinamento prático envolve técnicas de abordagem, entrada em locais de alto risco, especialização em tiros e negociações em situações complexas. “Quando integrava a Rota, estivemos em Rondônia, Paraná e Mato Grosso, mas em ações bem pontuais, como levar ou buscar presos, fazer cursos ou intercâmbio. Via de regra, a ação da Rota sempre foi no Estado de São Paulo.”
Em julho, a Rota foi para a Baixada Santista após uma onda de violência no Guarujá, com rroubos, arrastões e assaltos a caixas eletrônicos, até com uso de fuzis. Na ocasião, a prefeitura apelou ao Estado para o envio da tropa de elite da PM na tentativa de reverter o clima de insegurança instalado em uma das principais cidades turísticas do litoral.
No dia 20 de julho, Derrite viajou a Santos para lançar a segunda edição da Operação Impacto, com a participação da Rota. Estavam previstas ações contra o tráfico de drogas e armas, e prevenção de furtos e roubos de cargas, incluindo revistas de veículos, incursões em comunidades e abordagens de pedestres.
A Rota permanecia no Guarujá quando o soldado Patrick Bastos Reis, de 30 anos, foi morto com um tiro na cabeça durante patrulhamento na Vila Zilda, em um conhecido ponto de tráfico,em 27 de julho.
Outro policial foi ferido, mas sobreviveu. Segundo dados da corporação, Reis foi o 1º agente da Rota assassinado em serviço desde novembro de 1999. No dia seguinte à morte, o governo desencadeou a Operação Escudo, mobilizando grande efetivo, inclusive da Rota, para prender os autores do ataque.
Encerrada só em 5 de setembro, a operação foi alvo de críticas devido ao alto índice de letalidade, já que deixou 28 civis mortos. De acordo com a SSP, houve 958 presos. Ao longo da operação, o governo afirmou que os óbitos de civis se deram em confrontos com suspeitos e disse investigar os casos.
Rota atua nas mais complexas ocorrências contra o crime organizado, diz governo
A Secretaria da Segurança Pública disse, em nota, que o 1º Batalhão de Polícia de Choque “Tobias de Aguiar” (Rota) foi criado nos anos 1960 com a missão de conter roubos a banco. “Hoje, o batalhão conta com quatro companhias operacionais que atuam nas mais complexas ocorrências contra o crime organizado em todo o Estado de São Paulo.”
A nota informou que a PM atuou em Mato Grosso do Sul, na 3ª edição da Operação Impacto SulmaSSP – Divisas Integradas, juntamente com as polícias de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul.
“Esta operação é fruto de parceria entre as secretarias estaduais de Segurança Pública com o objetivo de fortalecer as ações de fiscalização de pessoas e dos meios de transporte utilizados para cruzar as divisas entre os Estados que integram o convênio”, afirmou.
Ainda segundo a nota, o reforço de policiamento ostensivo com essas ações policiais planejadas e integradas tem ajudado a inibir e reprimir o tráfico de drogas e de armas. A nota informa ainda que a Rota atuou também nas duas edições anteriores da Operação SULMaSSP.
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