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Por que demolição de imóvel dos anos 1930 virou polêmica nos Jardins; entenda

Órgão de patrimônio considerou que sede da Associação Irmãs Imaculadas não tinha características que justificassem tombamento; associação de bairro diz que estudo foi insuficiente e defende preservação de jardim

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Foto do author Priscila Mengue
Atualização:

A demolição do que foi a sede da Associação Irmãs Imaculadas nos Jardins tem gerado discussão na cidade de São Paulo. Construída nos anos 1930, a casa que integrava parte do imóvel foi derrubada no fim de fevereiro após anuência judicial e negativa do conselho de patrimônio cultural ao pedido de tombamento. Mobilização de parte da vizinhança questiona, contudo, a celeridade do processo e a quantidade de fontes consultadas para a decisão no âmbito municipal.

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A mobilização envolve o conjunto de três construções da Residência Maria Imaculada e do Instituto Madre Vicunha na esquina da Alameda Itu com a Rua Padre João Manuel, no distrito Jardim Paulista, no centro expandido.

Parte dos vizinhos (alguns deles frequentadores do espaço) defende que a associação católica deveria continuar com as atividades no local, encerradas em 2023 e que incluíam a Educação de Jovens e Adultos (EJA), celebrações religiosas e um pensionato para jovens.

No estudo feito por técnicos do município, não foram encontradas características suficientes para um tombamento, segundo apontaram em parecer. O órgão e o conselho responsáveis pelo processo na Prefeitura defendem que a avaliação consultou todas as fontes necessárias.

A associação encerrou as atividades nos Jardins no ano passado, após autorização da Igreja para a transferência a outro endereço e a venda do imóvel. O terreno atraiu o interesse de uma construtora, que efetuou a recente demolição e tem planos de erguer um empreendimento no local.

Fotografia da área interna do conjunto religioso exposta no parecer técnico de um técnico contratado pela defesa da associação católica Foto: Carlos Augusto Mattei Faggin/Reprodução via DPH/Conpresp

Com a mobilização, um pedido de criação e instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) chegou a ser aberto pelo vereador Eliseu Gabriel (PSB), a fim de apurar o que seriam supostas omissões dos órgãos de patrimônio.

O requerimento recebeu apoio de 15 vereadores, do PSOL, PT, União Brasil e MDB. Não há sinalização até o momento, contudo, de que a CPI será instaurada na Câmara Municipal — que acumula pedidos de investigações sobre outras dezenas de temas.

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A mobilização ocorre em meio ao boom da verticalização na cidade, no qual movimentos de bairro têm recorrido a pedidos de tombamento em resposta ao avanço de prédios altos. No ano passado, por exemplo, o Conpresp aprovou a preservação provisória de mais de 600 construções em Pinheiros, na zona oeste, e de vilas, travessas, ruas sem saídas e imóveis variados nas proximidades do Ibirapuera, na zona sul, enquanto faz estudos para definir se determinará o tombamentos definitivo.

A defesa da preservação do imóvel é liderada pela Sociedade dos Amigos e Moradores do Cerqueira César (Sammorc) após ser procurada por vizinhos e frequentadores das missas do espaço católico. A associação entrou com o pedido de estudo de tombamento no âmbito municipal.

Diante da emissão de alvará de demolição para o espaço, levou o caso ao Ministério Público de São Paulo — que ajuizou uma ação e obteve liminar para que o imóvel fosse preservado até a deliberação do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), responsável pelas decisões sobre tombamentos na capital paulista.

Com a decisão judicial, o Departamento do Patrimônio Histórico (DPH, órgão técnico municipal que dá suporte ao conselho) preparou um levantamento preliminar sobre o imóvel católico em outubro. Esse primeiro documento indicava possíveis características que justificariam o tombamento, como ser um exemplar do início do loteamento do distrito, mas destacava a necessidade de estudos mais aprofundados.

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Após visita ao local (em novembro) e pesquisas a novas fontes, foi emitido parecer contrário ao tombamento. Esse documento foi encaminhado ao Conpresp, o qual decidiu pelo arquivamento e negativa do pedido de reconhecimento como patrimônio cultural. A decisão ocorreu em dezembro e foi unânime.

Os técnicos municipais destacaram que a casa não mantinha as características originais após diversas alterações realizadas ao longo de décadas, dentre outros pontos. No parecer, também apontavam que “não foram encontrados valores que justifiquem a preservação”.

“O imóvel chega aos dias atuais com esta configuração, resultado de um processo de sucessivas adequações do espaço às atividades e recursos disponíveis em cada época. Os fluxos, entre as edificações e também no interior destas, são um tanto labirínticos e indicam como, na maioria das vezes, as intervenções foram realizadas sem uma visão mais abrangente do conjunto”, diz um trecho.

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Já os representantes da associação católica destacaram que uma das fotografias apresentadas no pedido de abertura de estudo de tombamento e remetida ao MP não era desse imóvel. Também apresentaram parecer contrário à preservação, assinado pelo professor da USP Carlos Augusto Mattei Faggin, também presidente do conselho estadual de patrimônio, no qual diz que “não há razões urbanísticas, não há razões paisagístico-ambientais, históricas, arquitetônicas ou culturais que justifiquem a iniciativa da abertura de um estudo de tombamento”.

Após a decisão, a construtora Barbara obteve aval judicial para realizar a demolição. A derrubada foi criticada pela Sammorc e alguns especialistas da área, porque ocorreu durante o prazo de recurso no Conpresp, que ainda poderia acatar eventuais novas informações e eventualmente decidir pelo tombamento.

O caso voltou ao conselho em março, o qual negou o recurso e manteve a decisão de arquivar o pedido de preservação. Entre os pontos destacados, estão que o primeiro apontamento favorável do DPH ocorreu de forma provisória, diante da urgência determinada judicialmente e tempo insuficiente para estudo aprofundado naquele momento, e que não foram apresentados suficientes fatos novos para uma mudança no posicionamento.

Em resposta, a Sammorc apontou que o DPH não buscou informações sobre a construção no Arquivo Histórico Municipal. A entidade salientou que o parecer técnico não indicava aspectos importantes disponíveis no acervo da instituição, como a autoria do projeto — do arquiteto Dacio Aguiar de Moraes (o mesmo da Residência Armando Alvares Penteado, em Higienópolis) — e técnicas construtivas utilizadas e não tão corriqueiras à época, como o concreto armado.

Imagens da demolição incluídas no processo de pedido de tombamento pela defesa da associação católica Foto: Duarte Garcia/Reprodução via DPH/Conpresp

Com a demolição, a Sammorc defende a manutenção do jardim como espaço verde. Há até o comparativo de que poderia ser preservado e de acesso público como o Parque Augusta, cuja mobilização pela criação teve envolvimento da associação, assim como de outros grupos.

Além da casa, o conjunto católico envolvia um predinho de seis pavimentos, datado dos anos 1950, e um galpão de três andares, que abrigava salas de aula. O encerramento das atividades e a remoção dos móveis e outros itens da associação católica foram realizados ainda no fim do ano passado.

Conjunto inclui um predinho voltado à Alameda Itu Foto: Taba Benedicto/Estadão

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