Após atingir o menor patamar em 2020, a cidade de São Paulo tem visto explodir o número de mortes no trânsito. De janeiro a junho deste ano, foram 520 óbitos nas vias da capital - desde 2015 a quantidade não era tão alta. Ante o mesmo período do ano passado, foram 395 mortes e alta de 31,6%, segundo o Infosiga, plataforma do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) que contabiliza ocorrências de trânsito.
O recorte não contabiliza as vítimas de julho, como o motociclista Pedro Kaique Ventura Figueiredo, de 21 anos, morto na madrugada desta segunda-feira, 29. Ele foi atingido por uma Porsche na Avenida Interlagos, na zona sul, após um suposto bate-boca entre a vítima e o condutor do automóvel, que foi preso e vai responder por homicídio doloso (quando há intenção de matar).
A Prefeitura aponta o desrespeito às leis e à sinalização como um dos principais motivos para a alta de mortes nas ruas. O diz fazer campanhas para conscientizar a população (leia mais abaixo).
Embora em condições atípicas, o perfil do motociclista se encaixa no perfil mais frequente de mortos no trânsito: jovens na faixa de 18 a 24 anos. A taxa de mortalidade entre pessoas de 20 a 24 é a mais alta entre todas, de 7,11 para cada grupo de 100 mil habitantes da capital. Homens são maioria.
Motociclistas são as vítimas mais comuns na cidade (45%), seguidos de pedestres (37%). O aumento de serviços de entrega por delivery, em muitos casos sob pressão para deslocamentos rápidos, está entre as explicações para a alta. O celular ao volante também é outro fator de risco cada vez mais comum. Especialistas apontam ainda a sensação de impunidade como outro motivo para o descuido de motoristas.
“São Paulo retrata o que acontece nos países em desenvolvimento do mundo todo”, diz Flavio Adura, diretor científico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). “Por quilômetro percorrido, aquele que se desloca a pé tem nove vezes mais probabilidade de morrer no trânsito, e o que o faz usando motocicleta, 20 vezes mais do que aquele que se desloca em veículos de passeio.”
O engenheiro civil Horácio Augusto Figueira, pesquisador na área de segurança do trânsito, lembra que motociclistas já tinham o hábito de não parar no sinal vermelho, mas vê piora na situação. “Em cruzamento com semáforos, as motos não estão parando. De noite, então, é barbárie total”, diz. Em várias situações, porém, motociclistas apontam o risco de assaltos como um dos motivos para não ficarem parados nas vias.
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), órgão da Prefeitura, afirma que a principal causa dos acidentes é “o desrespeito à sinalização e às leis de trânsito”, principalmente o excesso de velocidade. Segundo a CET, a capital mantém “índice de mortes no trânsito abaixo das médias nacionais e estadual”.
A autarquia municipal destaca ainda a adoção da faixa azul nas principais vias, espaço prioritário destinado quem anda de moto. Segundo a Prefeitura, a medida “reduziu a gravidade de acidentes entre motociclistas que usam os mais de 168 km de sinalização já instalados na capital”.
Em abril do ano passado, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), substituiu a meta oficial de redução de mortes no trânsito por um programa com “18 medidas para a redução de morte no trânsito”, mas sem um número específico. “A forma de poder evitar o número de óbitos é adotar ações concretas. Ninguém está desistindo das metas. Estamos adequando para algo que possa ter um resultado melhor”, argumentou, na ocasião.
Já o Detran-SP informou desenvolver “políticas públicas que aumentem a segurança viária e conscientizem a população”. Segundo o órgão, os valores arrecadados com multas são revertidos em ações e aquisição de equipamentos. para melhorar a fiscalização e conscientização dos motoristas.
“Em 2023, foram R$ 364,5 milhões do Fundo de Multas foi para educação, conscientização, fiscalização e melhorias da segurança viária. A arrecadação é também repassada para melhorias de segurança viária dos municípios, por meio do programa Respeito à Vida, atualmente em 586 cidades”, afirma.
Leia também
Adura, da Abramet, vê uma sensação de impunidade em relação a infrações. “As pessoas têm consciência do antagonismo entre o consumo de álcool e a condução de veículos, mas infelizmente muitos dirigem depois de beber ou até mesmo durante o ato de dirigir e, por razões inexplicáveis, acreditam serem exceção à regra”, diz.
”A certeza da impunidade e a falta da percepção real do risco faz com que muitas pessoas insistam, ainda, em conduzir seu veículo após o consumo de bebidas alcoólicas”, acrescenta ele.
Especialista em crimes de trânsito, Maurício Januzzi considera que a legislação é adequada, mas acredita que tem havido um entendimento “benevolente” de juízes que julgam recursos em instâncias superiores.
“A violência nos crimes de trânsito tem aumentado bastante e os tribunais não estão, tecnicamente, fazendo com que a interpretação seja mais rigorosa”, defende o professor de Direito Penal da PUC-SP.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.