Por que tapumes bloqueiam a Sena Madureira mesmo após obra do túnel ser suspensa?

Ministério Público enviou ofício à Prefeitura pedindo explicações. Ao ‘Estadão’, Gestão Nunes disse que responsabilidade da remoção é da concessionária, já que contrato foi rescindido; construtora não quis se manifestar

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Foto do author Giovanna Castro
Atualização:

Dois meses após a Prefeitura de São Paulo seguir a orientação do Ministério Público e rescindir o contrato de construção de dois túneis na Rua Sena Madureira, na Vila Mariana, na zona sul, os tapumes do canteiro de obras e a interdição de faixas da via continuam nos dois sentidos e ainda atrapalham o trânsito. O promotor Silvio Marques enviou ofício à Secretaria de Mobilidade e Trânsito nessa terça-feira, 8, pedindo explicações e dados sobre o “eventual prejuízo” no tráfego.

Ao Estadão, a Prefeitura disse que a responsabilidade de remover as estruturas e restabelecer a via em seu formato original é da concessionária, a construtora Álya (antiga Queiroz Galvão). De acordo com a gestão Ricardo Nunes (MDB), não foi imposto prazo para a remoção. Procurada, a Áyla não quis se manifestar.

  • O contrato com a construtora foi rescindido após o Ministério Público apontar risco de improbidade administrativa, já que a empresa é alvo de ação por fraude. A Áyla também não se manifestou sobre o tema.

“O Consórcio deverá fazer a recomposição do viário da Rua Sena Madureira para devolução nas condições anteriores ao início das obras. Também deverá finalizar as obras no talude da Rua Maurício Francisco Klabin, etapa que já está em andamento. Além disso, o Consórcio terá de efetuar a desmobilização do canteiro de obras, com retirada de tapumes e outras interferências“, diz a Prefeitura.

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As obras na Rua Sena Madureira foram suspensas, mas tapumes seguem no local e atrapalham o trânsito. Moradores colocaram cartazes de protesto Foto: Werther Santana/Estadão

Trânsito piora e revolta moradores

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“Não dá para entender por que não tiraram esses tapumes daqui ainda. Inventaram essa obra sem pé nem cabeça para melhorar o trânsito no cruzamento com a (Rua) Domingos de Morais, e só fizeram piorar”, diz Ana Paula Augusto, advogada e moradora da região.

“Dá a impressão que a Prefeitura pretende retomar essa obra de algum jeito depois que a poeira baixar, mas a gente não vai se desmobilizar. É um absurdo remover um monte de árvores e famílias para construir um túnel praticamente inútil”, reclama Lucas Gonçalves, administrador de empresas e também morador.

Canteiro das obras suspensas ocupa faixas da Rua Sena Madureira, na Vila Mariana. Foto: Werther Santana/Estadão

Desde setembro de 2024, quando começou a obra, moradores e ativistas ambientais se opuseram à intervenção. Eles alegavam que a perda de centenas de árvores na rua, um dos corredores verdes da cidade, e a remoção de dezenas de famílias de uma comunidade próxima para viabilizar a construção, não valeriam o impacto positivo no trânsito. Para eles, o benefício para o tráfego seria mínimo.

“Sempre teve trânsito nos horários de pico, mas não é nenhum absurdo a ponto de precisar dos túneis”, diz Ana Paula. Além disso, havia receio que o trânsito fosse transferido para as Ruas Vergueiro e Embuaçu, por onde os carros deveriam passar no trajeto entre os túneis e a Avenida Ricardo Jafet, destino final da maioria que passa pelo cruzamento.

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O projeto da obra que estava em andamento não incluía intervenções estruturais nas Ruas Vergueiro e Embuaçu - somente sinalização nova.

A Prefeitura, porém, diz que não desistiu totalmente do projeto. “Após o encerramento de todos os trâmites, a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras irá elaborar novo processo licitatório para a contratação da obra, que fará a ligação da Rua Sena Madureira com a Avenida Ricardo Jafet, na região do Ipiranga.”

Ativistas e moradores da Vila Mariana e demais regiões de São Paulo durante protesto contra o corte de árvores da Sena Madureira pela prefeitura para a construção de um túnel.  Foto: Tiago Queiroz/Estad

Entenda o imbróglio

A rescisão do contrato com a Áyla foi em fevereiro, após o Ministério Público afirmar que o prefeito poderia responder por improbidade administrativa se seguisse com a parceria com a construtora, demandada em ação civil de improbidade administrativa do Ministério Público Federal e ação civil pública do MP-SP.

No ofício, o promotor Silvio Marques afirmou que a manutenção da Álya como contratada decorreu de parecer de um assessor jurídico que, posteriormente, admitiu à promotoria ter errado “ao não verificar as fraudes e crimes contra a Administração Pública nas licitações do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo”.

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O encerramento do contrato não impede a Prefeitura, no entanto, de abrir novo processo licitatório para construir os túneis Sena Madureira. Assim que anunciou a rescisão do contrato, Nunes disse que acataria a recomendação do MP-SP, mas que pretendia começar o processo do zero. Nesta terça, 9, a Prefeitura informou que ainda não há prazo para a nova licitação.

As obras estão paralisadas desde novembro após decisão da Justiça, que determinou a suspensão da construções dos túneis em três oportunidades, todas em caráter liminar e em resposta a cada um dos inquéritos abertos.

  • Um dos inquéritos analisava o contrato com a Áyla e possível improbidade administrativa;
  • Outro tratava da derrubada de árvores e poluição sonora causada pela obra;
  • O terceiro avaliava o impacto da obra na mobilidade urbana e se a população removida seria devidamente realocada.

Em meio a esse entrave com o MP-SP, a Prefeitura também precisou lidar com manifestações populares no local. Uma mulher chegou a ser detida pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) após tentar impedir a derrubada de uma árvore.

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O projeto

A obra, que envolvia dois túneis de duas faixas cada, em sentidos contrários, tinha o objetivo de desviar parte do fluxo do cruzamento das ruas Sena Madureira com a Domingos de Morais. Conforme divulgado pela gestão municipal em novembro, o projeto beneficiaria “mais de 800 mil pessoas que circulam na região diariamente”.

“A intervenção prevê melhor fluidez do trânsito, comportando ônibus e veículos utilitários e garantindo a interligação entre a Vila Mariana, Ipiranga, Itaim Bibi e Morumbi”, afirmou a Prefeitura na época. O objetivo seria facilitar o acesso à Avenida Ricardo Jafet e, consequentemente, à Rodovia dos Imigrantes, que liga a capital ao litoral sul.

Os túneis terminariam, no entanto, a cerca de 1,2 quilômetros da Ricardo Jafet. A conexão final ocorreria pelas ruas Vergueiro e Embuaçu, que receberiam “adequações viárias de sinalização”.

  • Um dos túneis estava previsto para começar na Rua Souza Ramos e desembocar na Sena Madureira, na altura da Rua Botucatu, totalizando 977 metros de túnel, intervenções de emboque e desemboque e galerias;
  • Já o outro sairia da Sena Madureira, próximo à Rua Mairinque, e desembocaria na área pública municipal próximo à Rua Souza Ramos, onde fica a comunidade de mesmo nome. Seriam 674 metros no total.

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