Porto de Santos: caça a drogas com scanner inclui cargas de Rússia, Israel e 8 países; veja lista

Diversificação das rotas do tráfico provoca mudanças nos procedimentos da Alfândega da Receita Federal

PUBLICIDADE

Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

Uma possível diversificação das rotas do tráfico internacional de drogas tem entrado cada vez mais no radar da Alfândega da Receita Federal do Porto de Santos, o maior do hemisfério sul. Agora, contêineres que vão ser embarcados em navios com passagem ou destino a Rússia, Israel e outros oito países (veja lista mais abaixo) devem obrigatoriamente passar por scanners.

PUBLICIDADE

A inclusão de novos países foi determinada por meio de portaria publicada no Diário Oficial da União (DOU) e passou a valer no último dia 1.º, com previsão de término em dezembro (a medida ainda pode ser renovada). Hoje, já passam pelo escaneamento obrigatório as cargas de todos os navios que vão para África e Europa, destinos mais frequentes do tráfico feito a partir do Brasil.

Para especialistas, a medida recém-adotada indica não só uma tendência de expandir o escaneamento obrigatório, mas também uma inquietação das autoridades – houve queda significativa nas apreensões de cocaína nos últimos anos no Porto de Santos. Já a Receita Federal reconhece que tem ocorrido maior diversificação nas rotas do tráfico e afirma tomar a iniciativa como forma de teste.

Inclusão de novos países foi determinada por meio de portaria publicada no Diário Oficial da União e passou a valer no último dia 1º Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“A tendência da organização criminosa é sempre variar o momento, a forma e a rota para mitigar o prejuízo com apreensões”, disse ao Estadão Richard Neubarth, delegado da Alfândega da Receita Federal do Porto de Santos. “A gente observou uma maior diversificação nas rotas, tanto em apreensões aqui no continente sul-americano quanto lá fora.”

Segundo Neubarth, a inclusão dos novos países foi feita como forma de teste a pedido da equipe de gerenciamento de risco da Alfândega. “Em alguns desses países houve apreensão, e em outros é justamente para a gente poder medir a conformidade (dos contêineres)”, afirmou o delegado.

O escaneamento de contêineres, considerado importante para auxiliar na identificação de cargas contendo cocaína ou outros ilícitos, como armas de fogo irregulares, antecede a entrada dos contêineres em um dos mais de 50 terminais do porto. É uma das etapas principais antes do embarque nos navios.

Quais destinos foram incluídos no escaneamento obrigatório de contêineres?

No começo deste ano, a Receita expandiu o escaneamento obrigatório para contêineres com destino a cinco países, localizados na Ásia e na Oceania, como forma de testes. A medida vigorou por dois meses. A ideia era observar se alguns deles eram usados como baldeação ou até como destinatários finais da droga.

Publicidade

Desta vez, a nova portaria publicada pelo órgão determinou que alguns desses destinos da portaria do começo do ano continuem com o escaneamento obrigatório (eles estão assinalados com asterisco na lista abaixo) e incluiu sete novos países na lista:

  1. Austrália*;
  2. Indonésia*;
  3. Hong Kong*;
  4. Turquia;
  5. Rússia;
  6. Geórgia;
  7. Síria;
  8. Líbano;
  9. Israel;
  10. Arábia Saudita.

Em relação ao começo do ano, dois destinos deixaram de integrar a lista de países com escaneamento obrigatório: Cingapura e Taiwan. Conforme a Receita Federal, as mudanças foram feitas a pedido da equipe de gerenciamento de risco da Alfândega com base em uma série de informações reunidas pelo setor.

Apreensões de cargas de cocaína despencaram no Porto de Santos

A quantidade de cocaína apreendida no porto pela Receita despencou nos últimos anos. Foram 7,1 toneladas interceptadas no ano passado, menos da metade do que em 2022 (16 toneladas). Diante disso, autoridades buscam mapear outras possíveis rotas usadas pelo crime organizado para entender se há alguma tendência bem definida.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

  • 2024: 1.623 kg (até julho)
  • 2023: 7.143 kg
  • 2022: 16.075 kg
  • 2021: 16.917 kg
  • 2020: 20.572 kg

Relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, de 2022, apontou que organizações criminosas no Brasil têm buscado portos menores no Nordeste e no Sul do País para diversificar as vias de escoamento de cargas ilegais. O documento, que não cita quais terminais têm sido usados, diz que essa tendência se intensificou na pandemia.

O Porto de Salvador, por exemplo, é visto como alternativa aos terminais de Santos e do Rio de Janeiro, já muito visados por operações policiais para o tráfico internacional. Uma das causas, como mostrou o Estadão, é o avanço do Bonde do Maluco (BDM) na Bahia.

Publicidade

Ainda com essa tendência, o Porto de Santos, o maior do hemisfério sul, é considerado a principal porta de escoamento para o exterior da cocaína comprada de países vizinhos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção criminosa a atuar no País.

A Europa, por sua vez, é vista como o principal destino da droga que sai do Brasil, embora nem sempre seja o destino final das embarcações que saem daqui: uma tática recorrente, por exemplo, é o envio de cargas para o continente africano para, a partir de lá, destinar os carregamentos para outras localidades.

Até por conta dessa dinâmica, o escaneamento obrigatório começou a ser implementado no Porto de Santos no começo de 2016 com foco inicial em contêineres com destino a Europa e, em 2019, foi ampliado para a África – a medida segue em vigor para todos os navios que vão para esses continentes.

Crime organizado muda rotas com frequência, dizem especialistas

Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Gabriel Patriarca afirma que os testes relacionados à chamada inspeção não invasiva por meio de escaneamento “não eram comuns” até a portaria do começo deste ano. “É uma tendência recente”, explica.

“Demonstra claramente que a Alfândega está ciente que o tráfico é flexível e adaptável. Ou seja, embora a Europa continue sendo o principal destino das remessas de cocaína que saem do Brasil, sabe-se que o tráfico precisa mudar suas rotas se o seu destino principal for muito fiscalizado”, acrescenta.

Na avaliação dele, a inspeção tem sido ampliada para cobrir “rotas alternativas”. “Isso demonstra que a Receita está atenta à possibilidade de que a queda das apreensões representa não só a diminuição do tráfico no porto, mas também a possibilidade de que fiscalização não está captando o tráfico que continua acontecendo”, diz Patriarca.

Isabela Vianna Pinho, pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), pondera que a portaria para inclusão de ainda mais países não necessariamente indica que há uma preocupação da Alfândega de que novas rotas estão surgindo com destinos finais para Ásia e Oceania.

Publicidade

“É uma tendência de cada vez mais escanear todos os contêineres que vão ser exportados”, afirma. Segundo ela, trata-se de um processo gradual, até por demandar um tempo para que as dezenas de terminais do porto se adaptem a formas mais tecnológicas de fiscalização.

Ainda assim, ela também reconhece a possibilidade de haver migrações rápidas pelo crime organizado. “Como os contêineres que estão sendo exportados tanto para África quanto para Europa precisam passar por escaneamento, talvez os traficantes se adaptaram e estão usando fluxos que tenham como destino outros países que antes não estavam sendo escaneados.”

Quais interceptações de cocaína foram realizadas neste ano pela Receita?

  1. 04 de julho: 380 kg de cocaína foram apreendidos em um de dois contêineres de uma carga de café com destino a Gotemburgo, na Suécia;
  2. 02 de julho: 882 kg de cocaína foram interceptados em um contêiner em meio a uma remessa de açúcar que ia para a Guiné;
  3. 24 de junho: 44 kg de cocaína foram localizados na estrutura do contêiner refrigerado com destino a Roterdã, na Holanda;
  4. 05 de junho: 271 kg de cocaína foram encontrados na carga de papel sulfite com destino a Le Havre, na França;
  5. 20 de março: 46 kg de cocaína estavam escondidos na estrutura do contêiner refrigerado com destino a Sydney, na Austrália.
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.