Em meio à verticalização de parte dos bairros, às mudanças nas leis urbanísticas e à discussão eleitoral sobre um prédio de um quilômetro de altura, o ano de 2024 tem suscitado o questionamento: São Paulo é mesmo a terra do arranha-céu? Talvez não tanto quanto alguns paulistanos podem imaginar.
Embora milhares de edifícios despontem na paisagem, construções significativamente altas não são tão comuns na capital em comparação a outras na Ásia e nos Estados Unidos. O Council on Tall Buildings and Urban Habitat (Conselho sobre Edifícios Altos e Habitat Urbano; CTBUH na sigla em inglês) contabiliza São Paulo como a 71ª cidade mais vertical do mundo (cálculo que considera os prédios com 150 metros ou mais), por exemplo.
Segundo a organização, a capital paulista tem 17 torres com mais de 150 metros de altura, em oito condomínios e complexos imobiliários. Além disso, a distribuição desses principais arranha-céus é concentrada em três pontos da cidade: centro (construções mais antigas, dos anos 1940 a 1960), zona sul (entorno dos polos de negócios da Marginal Pinheiros) e zona leste (Tatuapé).
Entre aqueles que atuam na área, avalia-se que o nicho dos arranha-céus tem se alterado após desaceleração entre os anos 1970 e 2000, especialmente. Um exemplo é a recente destituição do recorde de mais alto da cidade — que esteve, por 55 anos, com o Mirante do Vale (também chamado de Palácio W. Zarzur), no centro, com seus 170 metros de altura.
O novo recorde tende a durar bem menos. Isso porque o atual maior arranha-céu — o Platina 220, do Tatuapé, em 2022, com 171,2 metros —, deve perder a liderança para a torre corporativa do complexo Paseo Alto das Nações, no distrito Santo Amaro, na zona sul, que será quase 30% mais alta.
O edifício será o primeiro a bater a marca dos 200 metros na cidade, chegando a 219 metros. A previsão de entrega é para o 2º semestre de 2025, segundo a Carrefour Property, uma das responsáveis pelo empreendimento.
Da mesma forma, o complexo Parque Global está construindo a futura torre residencial mais alta da cidade, como parte das chamadas PG Residences, com 173 metros. O edifício deve desbancar o recordista atual, o Figueira Altos do Tatuapé (de 2021), de 168,2 metros. A previsão de entrega é para setembro de 2027, segundo a Benx, também uma das empresas à frente do projeto.
Em comum, os dois possíveis novos recordistas mostram fortalecimento desse tipo de construção na região da Marginal Pinheiros — que concentra a maioria dos prédios 150+ metros da cidade. Chama a atenção também por ocorrer após o Tatuapé despontar como novo polo de arranha-céus nos últimos anos.
Todos os projetos anunciados não se aproximam, contudo, da altura dos gigantes mundiais. Segundo o CTBUH, prédios considerados “superaltos” precisam ter ao menos 300 metros, enquanto os “mega-altos” chegam aos 600 metros ou mais.
O atual recordista mundial é o Burj Khalifa, em Dubai, com 828 metros, mas há projetos no Kuwait e na Arábia Saudita que buscam ultrapassá-lo. No Brasil, o principal arranha-céu é a torre 2 do Yachthouse by Pininfarina Tower, com 294,1 m, em Balneário Camboriú (SC) — que virou referência desse segmento na América do Sul, considerada a 15ª mais alta no mundo pelo CTBUH.
Além disso, outros empreendimentos têm sido anunciados e discutidos no mercado imobiliário para mais regiões. Um exemplo é o On the Sky, que será o primeiro a chegar a 150 metros em Perdizes — área da zona oeste conhecida pelos prédios, mas não nesse padrão de altura. A entrega é prevista para 2027.
Outras empresas que ainda não construíram prédios nesse perfil estariam interessadas nesse mercado. A recém-criada consultoria catarinense FG Talls — ligada ao grupo que anunciou o plano para o mais alto residencial do mundo em Balneário Camboriú, com 500 metros — diz ter sido procurada por algumas.
Entre especialistas, há opiniões positivas e negativas. Despontar como referência em arranha-céus não significaria, necessariamente, melhoria na qualidade urbana; e há quem aponte possíveis impactos negativos no entorno.
Para além disso, entende-se que é um tipo de empreendimento de nicho para o altíssimo padrão. Mesmo assim, pelo tamanho, tem influência expressiva na paisagem.
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Por que São Paulo não é referência brasileira de arranha-céus? E por que isso tem mudado?
O ano de 2024 também é marcado pela celebração dos centenários de dois precursores dos arranha-céus paulistanos — o Sampaio Moreira e o Martinelli, no centro. Depois deles, só o Edifício Altino Arantes (atual Farol Santander) e os já citados Mirante do Vale e Platina 220 lideraram o ranking da cidade nos últimos 100 anos.
O Censo do IBGE aponta que a maioria da população de São Paulo segue vivendo em imóveis horizontais. Na prática, especialistas dizem que a cidade tem grande número de construções verticais para os padrões nacionais, mas não tão altas; e grande parte dos bairros são majoritariamente baixos.
“São Paulo é baixa — surpreendentemente para muitos de nós, paulistanos, que acham que é uma cidade alta, dos arranha-céus. Se olhar o nível de espraiamento da cidade e a altura das edificações, vê que, na média, é baixa”, diz o urbanista Valter Caldana, professor da Mackenzie.
Então, por que tão poucos prédios entraram na disputa de arranha-céus? A explicação envolve basicamente quatro aspectos:
- leis urbanísticas
- regramentos aeroportuários
- tecnologia
- custos
Em termos de leis, há desde limites de altura na maior parte da cidade a outras restrições que impactam indiretamente no tamanho dos prédios. Um exemplo é o “coeficiente de aproveitamento” (máximo de vezes que a área construída pode ser maior que a metragem do terreno) e a exigência de recuos (espaços livres sem edificação).
“Com a Lei de Zoneamento de 1972, passamos a ter dois fenômenos que convivemos até hoje: elevação forte do valor da terra e verticalização muito moderada em pontos específicos”, explica Caldana. “Nunca se deu muito espaço para grandes ousadias nas edificações, sobretudo em altura.”
A presença de dois aeroportos (Congonhas e Campo de Marte) e um terceiro em uma cidade vizinha (Guarulhos) também resultam em limites de altura. As restrições são maiores na vizinhança imediata, mas se estendem também a quilômetros de distância, a depender do porte e perfil do terminal.
“O cone de aproximação (dos aeroportos) limita de certa forma a construção de edifícios altos, mas há lugares que estão fora”, destaca o arquiteto Antonio Macêdo Filho, ex-representante do Conselho sobre Edifícios Altos, o CTBUH, no Brasil.
O alto custo é mais um motivo, em parte ligado à necessidade de terreno grande para viabilizar a construção vertical dentro das regras paulistanas.
Além disso, edifícios mais altos exigem investimento em tecnologia e equipamentos especializados, como elevadores mais rápidos, certos tipos de materiais mais resistentes a intempéries.
“Não é empilhar dois prédios de 30 andares. É bem diferente disso. Muda todo o sistema, principalmente em estrutura, contra ações dos ventos, por exemplo”, diz a engenheira Stephane Domeneghini, diretora da consultoria FG Talls.
Ela estima que, em um arranha-céu, a estrutura custe de 30% a 35% da obra, ante 22% do que seria o normal. Entre os desafios, está permitir que o prédio seja “flexível”, mas com um balanço que não seja sentido pelas pessoas.
Outro ponto são as características geológicas. Como o Estadão mostrou, algumas das áreas mais desenvolvidas da cidade estão em locais com baixa ou nenhuma aptidão à urbanização.
Pelo maior custo, esse tipo de empreendimento tem sido voltado ao alto padrão. No futuro residencial mais alto de São Paulo, o m² custa em média R$ 30 mil. Os apartamentos terão de 77 m² a 311 m². Segundo o Parque Global, 65% das unidades já foram vendidas.
Brasil tem perfil diferente, com arranha-céus no interior e em bairros fora do centro
Pesquisador sobre arranha-céus no Brasil, Luís Henrique Villanova diz que a verticalização mais recente nas principais cidades brasileiras é caracterizada por prédios espalhados por diversas vizinhanças, mas sem estatura tão proeminente.
“A corrida pelos céus no Brasil começou em uma disputa entre Rio e São Paulo (entre o A Noite e o Martinelli), com São Paulo tomando a frente pelo seu poder econômico até que os planos diretores estagnaram, com o Itália e o Mirante do Vale (praticamente) não podendo ser mais ultrapassados (por décadas)”, resume.
Doutorando em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ele observa que a produção mais recente tem sido encabeçada em grande parte por cidades menores — especialmente Balneário Camboriú — e, quando em capitais, em polos mais afastados do centro.
Doze dos 20 prédios mais altos do País estão em Balneário Camboriú. O restante do ranking inclui quatro edifícios em Goiânia, um em João Pessoa, dois em São Paulo e um em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte.
Para ele, a explicação está ligada às leis urbanísticas pós-década de 1970, pelas restrições de altura. Esses limites foram atenuados em parte da capital paulista com o Plano Diretor de 2014 e a Lei de Zoneamento de 2016, que incentivam prédios altos perto de metrô, trem e corredor de ônibus.
“Os novos (arranha-céus paulistanos) têm praticamente uma quadra inteira em função de recuos e índices de aproveitamento. Acabaram mais altos em cidades que não têm tantas restrições (o que permite construir em terrenos menores), como Balneário”, aponta o pesquisador.
O que é um arranha-céu?
Costuma-se apontar que a definição do que é um arranha-céu é subjetiva, a depender do entorno onde foi construído. Em uma vizinhança apenas de casas, um edifício vertical pode ser entendido como possível arranha-céu, enquanto esse entendimento é distinto em quadras verticalizadas, que exigiriam estatura mais proeminente.
Outro aspecto que costuma influenciar é o volume. No geral, prédios mais esguios (como torres) tendem a ter aparência mais próxima do que se estende como arranha-céu, às vezes mais do que prédios mais altos e também volumosos.
Essas duas explicações são apontadas, inclusive, nos critérios delineados pelo Council on Tall Buildings and Urban Habitat. Mas na prática a organização foca a sua base de dados em prédios com ao menos 150 metros de altura, como no ranking das cidades mais altas do mundo. É comum que a mesma estatura seja mencionada por outras fontes, embora não seja um critério definitivo.
E o prédio de um quilômetro?
Nas últimas décadas, discutiu-se erguer prédios mega-altos em São Paulo. O exemplo mais famoso é o do projeto da Maharishi Tower na região central, que teria 510 metros de altura e virou controvérsia na gestão Celso Pitta (então no PTN), em 1999.
Outras propostas de maior porte foram discutidas, mas tampouco foram adiante. A discussão voltou após o candidato à Prefeitura Pablo Marçal (PRTB) propor a construção do maior prédio do mundo — com um quilômetro de altura — em seu plano de governo.
No documento, é dito que o edifício seria um “marco arquitetônico e símbolo de inovação e progresso”, construído pela iniciativa privada. A proposta motivou discussão sobre possíveis impactos e, até mesmo, sobre a viabilidade, considerando custos, legislação e tecnologia.
Mesmo se viabilizado, o prédio poderia não se tornar o maior do mundo. Isso porque há outros projetos semelhantes anunciados (e até com obra iniciada) no Oriente Médio, como no Kuwait e na Arábia Saudita.
Os prédios e conjuntos mais de São Paulo segundo o CTBUH
- Edifício Platina 220: 171,7 m, de 2022
- Edifício Mirante do Vale (ou Palácio W. Zarzur): 170 m, de 1966/1967
- Edifício Figueira Altos do Tatuapé: 168,2 m, de 2021,
- Edifício Itália: 165 m, de 1965
- Edifício Altino Arantes (atual Farol Santander): 161 m, de 1947
- Centro Empresarial Nações Unidas (Torre Norte): 158 m, de 1999
- Complexo Cidade Jardim (Torres Begônias, Ipês, Jabuticabeiras, Limantos, Magnólias, Manacás, Resedá, Tuias e Zínias): 157,9 m, a partir de 2008
- Complexo EZ Towers (Torres A e B): 150 m, de 2014
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