Prédio de 1 km? São Paulo tem menos arranha-céus do que você imagina; saiba por quê

Edifícios acima de 150 metros são raros na capital paulista, mas construções hoje em obras vão bater recordes na cidade, com o novo mais alto a ser inaugurado no ano que vem

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Foto do author Priscila Mengue

Em meio à verticalização de parte dos bairros, às mudanças nas leis urbanísticas e à discussão eleitoral sobre um prédio de um quilômetro de altura, o ano de 2024 tem suscitado o questionamento: São Paulo é mesmo a terra do arranha-céu? Talvez não tanto quanto alguns paulistanos podem imaginar.

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Embora milhares de edifícios despontem na paisagem, construções significativamente altas não são tão comuns na capital em comparação a outras na Ásia e nos Estados Unidos. O Council on Tall Buildings and Urban Habitat (Conselho sobre Edifícios Altos e Habitat Urbano; CTBUH na sigla em inglês) contabiliza São Paulo como a 71ª cidade mais vertical do mundo (cálculo que considera os prédios com 150 metros ou mais), por exemplo.

Segundo a organização, a capital paulista tem 17 torres com mais de 150 metros de altura, em oito condomínios e complexos imobiliários. Além disso, a distribuição desses principais arranha-céus é concentrada em três pontos da cidade: centro (construções mais antigas, dos anos 1940 a 1960), zona sul (entorno dos polos de negócios da Marginal Pinheiros) e zona leste (Tatuapé).

Entre aqueles que atuam na área, avalia-se que o nicho dos arranha-céus tem se alterado após desaceleração entre os anos 1970 e 2000, especialmente. Um exemplo é a recente destituição do recorde de mais alto da cidade — que esteve, por 55 anos, com o Mirante do Vale (também chamado de Palácio W. Zarzur), no centro, com seus 170 metros de altura.

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Placa em obra de complexo destaca obra de maior prédio de São Paulo; torre será primeira a ultrapassar marca de 200 metros na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

O novo recorde tende a durar bem menos. Isso porque o atual maior arranha-céu — o Platina 220, do Tatuapé, em 2022, com 171,2 metros —, deve perder a liderança para a torre corporativa do complexo Paseo Alto das Nações, no distrito Santo Amaro, na zona sul, que será quase 30% mais alta.

O edifício será o primeiro a bater a marca dos 200 metros na cidade, chegando a 219 metros. A previsão de entrega é para o 2º semestre de 2025, segundo a Carrefour Property, uma das responsáveis pelo empreendimento.

Da mesma forma, o complexo Parque Global está construindo a futura torre residencial mais alta da cidade, como parte das chamadas PG Residences, com 173 metros. O edifício deve desbancar o recordista atual, o Figueira Altos do Tatuapé (de 2021), de 168,2 metros. A previsão de entrega é para setembro de 2027, segundo a Benx, também uma das empresas à frente do projeto.

Localizados no eixo Berrini-Chucri Zaidan, as Eztowers estão entre os arranha-céus paulistanos com mais de 150 metros de altura Foto: Tiago Queiroz/Tiago Queiroz/Estadão

Em comum, os dois possíveis novos recordistas mostram fortalecimento desse tipo de construção na região da Marginal Pinheiros — que concentra a maioria dos prédios 150+ metros da cidade. Chama a atenção também por ocorrer após o Tatuapé despontar como novo polo de arranha-céus nos últimos anos.

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Todos os projetos anunciados não se aproximam, contudo, da altura dos gigantes mundiais. Segundo o CTBUH, prédios considerados “superaltos” precisam ter ao menos 300 metros, enquanto os “mega-altos” chegam aos 600 metros ou mais.

O atual recordista mundial é o Burj Khalifa, em Dubai, com 828 metros, mas há projetos no Kuwait e na Arábia Saudita que buscam ultrapassá-lo. No Brasil, o principal arranha-céu é a torre 2 do Yachthouse by Pininfarina Tower, com 294,1 m, em Balneário Camboriú (SC) — que virou referência desse segmento na América do Sul, considerada a 15ª mais alta no mundo pelo CTBUH.

Além disso, outros empreendimentos têm sido anunciados e discutidos no mercado imobiliário para mais regiões. Um exemplo é o On the Sky, que será o primeiro a chegar a 150 metros em Perdizes — área da zona oeste conhecida pelos prédios, mas não nesse padrão de altura. A entrega é prevista para 2027.

Outras empresas que ainda não construíram prédios nesse perfil estariam interessadas nesse mercado. A recém-criada consultoria catarinense FG Talls — ligada ao grupo que anunciou o plano para o mais alto residencial do mundo em Balneário Camboriú, com 500 metros — diz ter sido procurada por algumas.

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Entre especialistas, há opiniões positivas e negativas. Despontar como referência em arranha-céus não significaria, necessariamente, melhoria na qualidade urbana; e há quem aponte possíveis impactos negativos no entorno.

Para além disso, entende-se que é um tipo de empreendimento de nicho para o altíssimo padrão. Mesmo assim, pelo tamanho, tem influência expressiva na paisagem.

Por que São Paulo não é referência brasileira de arranha-céus? E por que isso tem mudado?

O ano de 2024 também é marcado pela celebração dos centenários de dois precursores dos arranha-céus paulistanos — o Sampaio Moreira e o Martinelli, no centro. Depois deles, só o Edifício Altino Arantes (atual Farol Santander) e os já citados Mirante do Vale e Platina 220 lideraram o ranking da cidade nos últimos 100 anos.

O Censo do IBGE aponta que a maioria da população de São Paulo segue vivendo em imóveis horizontais. Na prática, especialistas dizem que a cidade tem grande número de construções verticais para os padrões nacionais, mas não tão altas; e grande parte dos bairros são majoritariamente baixos.

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“São Paulo é baixa — surpreendentemente para muitos de nós, paulistanos, que acham que é uma cidade alta, dos arranha-céus. Se olhar o nível de espraiamento da cidade e a altura das edificações, vê que, na média, é baixa”, diz o urbanista Valter Caldana, professor da Mackenzie.

Então, por que tão poucos prédios entraram na disputa de arranha-céus? A explicação envolve basicamente quatro aspectos:

  • leis urbanísticas
  • regramentos aeroportuários
  • tecnologia
  • custos

Em termos de leis, há desde limites de altura na maior parte da cidade a outras restrições que impactam indiretamente no tamanho dos prédios. Um exemplo é o “coeficiente de aproveitamento” (máximo de vezes que a área construída pode ser maior que a metragem do terreno) e a exigência de recuos (espaços livres sem edificação).

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“Com a Lei de Zoneamento de 1972, passamos a ter dois fenômenos que convivemos até hoje: elevação forte do valor da terra e verticalização muito moderada em pontos específicos”, explica Caldana. “Nunca se deu muito espaço para grandes ousadias nas edificações, sobretudo em altura.”

Para especialistas, embora São Paulo tenha áreas com muitos prédios, a cidade tem uma estatura moderada (até baixa) Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A presença de dois aeroportos (Congonhas e Campo de Marte) e um terceiro em uma cidade vizinha (Guarulhos) também resultam em limites de altura. As restrições são maiores na vizinhança imediata, mas se estendem também a quilômetros de distância, a depender do porte e perfil do terminal.

“O cone de aproximação (dos aeroportos) limita de certa forma a construção de edifícios altos, mas há lugares que estão fora”, destaca o arquiteto Antonio Macêdo Filho, ex-representante do Conselho sobre Edifícios Altos, o CTBUH, no Brasil.

Localizado no Tatuapé, o Platina 220 é o atual prédio mais alto de São Paulo Foto: Felipe Rau/Estadão - 12/08/2022

O alto custo é mais um motivo, em parte ligado à necessidade de terreno grande para viabilizar a construção vertical dentro das regras paulistanas.

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Além disso, edifícios mais altos exigem investimento em tecnologia e equipamentos especializados, como elevadores mais rápidos, certos tipos de materiais mais resistentes a intempéries.

“Não é empilhar dois prédios de 30 andares. É bem diferente disso. Muda todo o sistema, principalmente em estrutura, contra ações dos ventos, por exemplo”, diz a engenheira Stephane Domeneghini, diretora da consultoria FG Talls.

Ela estima que, em um arranha-céu, a estrutura custe de 30% a 35% da obra, ante 22% do que seria o normal. Entre os desafios, está permitir que o prédio seja “flexível”, mas com um balanço que não seja sentido pelas pessoas.

Outro ponto são as características geológicas. Como o Estadão mostrou, algumas das áreas mais desenvolvidas da cidade estão em locais com baixa ou nenhuma aptidão à urbanização.

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Mirante instalado no segundo mais alto prédio de São Paulo, o Mirante do Vale, no centro Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 05/08/2021

Pelo maior custo, esse tipo de empreendimento tem sido voltado ao alto padrão. No futuro residencial mais alto de São Paulo, o m² custa em média R$ 30 mil. Os apartamentos terão de 77 m² a 311 m². Segundo o Parque Global, 65% das unidades já foram vendidas.

Brasil tem perfil diferente, com arranha-céus no interior e em bairros fora do centro

Pesquisador sobre arranha-céus no Brasil, Luís Henrique Villanova diz que a verticalização mais recente nas principais cidades brasileiras é caracterizada por prédios espalhados por diversas vizinhanças, mas sem estatura tão proeminente.

“A corrida pelos céus no Brasil começou em uma disputa entre Rio e São Paulo (entre o A Noite e o Martinelli), com São Paulo tomando a frente pelo seu poder econômico até que os planos diretores estagnaram, com o Itália e o Mirante do Vale (praticamente) não podendo ser mais ultrapassados (por décadas)”, resume.

Parte dos arranha-céus paulistas são de vidro espelhado Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Doutorando em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ele observa que a produção mais recente tem sido encabeçada em grande parte por cidades menores — especialmente Balneário Camboriú — e, quando em capitais, em polos mais afastados do centro.

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Doze dos 20 prédios mais altos do País estão em Balneário Camboriú. O restante do ranking inclui quatro edifícios em Goiânia, um em João Pessoa, dois em São Paulo e um em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte.

'Pai' dos arranha-céus paulistanos, Edifício Martinelli tem recebido festas e outros eventos no rooftop Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 20/03/2024

Para ele, a explicação está ligada às leis urbanísticas pós-década de 1970, pelas restrições de altura. Esses limites foram atenuados em parte da capital paulista com o Plano Diretor de 2014 e a Lei de Zoneamento de 2016, que incentivam prédios altos perto de metrô, trem e corredor de ônibus.

“Os novos (arranha-céus paulistanos) têm praticamente uma quadra inteira em função de recuos e índices de aproveitamento. Acabaram mais altos em cidades que não têm tantas restrições (o que permite construir em terrenos menores), como Balneário”, aponta o pesquisador.

O que é um arranha-céu?

Costuma-se apontar que a definição do que é um arranha-céu é subjetiva, a depender do entorno onde foi construído. Em uma vizinhança apenas de casas, um edifício vertical pode ser entendido como possível arranha-céu, enquanto esse entendimento é distinto em quadras verticalizadas, que exigiriam estatura mais proeminente.

Outro aspecto que costuma influenciar é o volume. No geral, prédios mais esguios (como torres) tendem a ter aparência mais próxima do que se estende como arranha-céu, às vezes mais do que prédios mais altos e também volumosos.

Essas duas explicações são apontadas, inclusive, nos critérios delineados pelo Council on Tall Buildings and Urban Habitat. Mas na prática a organização foca a sua base de dados em prédios com ao menos 150 metros de altura, como no ranking das cidades mais altas do mundo. É comum que a mesma estatura seja mencionada por outras fontes, embora não seja um critério definitivo.

Edifício Itália (em destaque à esquerda) é um dos maiores prédios de São Paulo há décadas Foto: Valeria Gonçalvez/Estadão - 18/01/2019

E o prédio de um quilômetro?

Nas últimas décadas, discutiu-se erguer prédios mega-altos em São Paulo. O exemplo mais famoso é o do projeto da Maharishi Tower na região central, que teria 510 metros de altura e virou controvérsia na gestão Celso Pitta (então no PTN), em 1999.

Outras propostas de maior porte foram discutidas, mas tampouco foram adiante. A discussão voltou após o candidato à Prefeitura Pablo Marçal (PRTB) propor a construção do maior prédio do mundo — com um quilômetro de altura — em seu plano de governo.

No documento, é dito que o edifício seria um “marco arquitetônico e símbolo de inovação e progresso”, construído pela iniciativa privada. A proposta motivou discussão sobre possíveis impactos e, até mesmo, sobre a viabilidade, considerando custos, legislação e tecnologia.

Mesmo se viabilizado, o prédio poderia não se tornar o maior do mundo. Isso porque há outros projetos semelhantes anunciados (e até com obra iniciada) no Oriente Médio, como no Kuwait e na Arábia Saudita.

Os prédios e conjuntos mais de São Paulo segundo o CTBUH

  1. Edifício Platina 220: 171,7 m, de 2022
  2. Edifício Mirante do Vale (ou Palácio W. Zarzur): 170 m, de 1966/1967
  3. Edifício Figueira Altos do Tatuapé: 168,2 m, de 2021,
  4. Edifício Itália: 165 m, de 1965
  5. Edifício Altino Arantes (atual Farol Santander): 161 m, de 1947
  6. Centro Empresarial Nações Unidas (Torre Norte): 158 m, de 1999
  7. Complexo Cidade Jardim (Torres Begônias, Ipês, Jabuticabeiras, Limantos, Magnólias, Manacás, Resedá, Tuias e Zínias): 157,9 m, a partir de 2008
  8. Complexo EZ Towers (Torres A e B): 150 m, de 2014
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