A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente se manifestou contrariamente à demolição do prédio de luxo construído irregularmente no Itaim Bibi, na zona nobre da cidade de São Paulo, com o entendimento de que a ação teria “impacto ambiental”. Também aceitou a possibilidade de acordo para a compensação ambiental por meio de obras em parques.
O parecer foi assinado pelo secretário Rodrigo Pimentel Pinto Ravena em 2 de junho. A decisão ocorreu semanas antes de a Prefeitura requerer à Justiça a autorização para a derrubada do edifício de alto padrão, construído sem alvará de execução.
“Eventual demolição da obra já finalizada acarretará a produção de resíduos e material poluente, com sérios impactos ambientais, em flagrante infringência aos princípios que regem a proteção ambiental”, apontou o secretário no documento. “Tendo em vista as características da região em que erigida a obra, plenamente urbanizada, contempla-se que eventual compensação ambiental atenderá mais eficaz e amplamente os anseios da população, das necessidades da cidade e, em especial, do meio ambiente”, destacou.
A decisão de Ravena se refere a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pela responsável pela construção irregular, a construtora São José, em maio. No eventual acordo, de compensação ambiental, a empresa obteria a regularização do imóvel mediante obras de implantação e reforma de quatro parques.
Essas obras de parques têm o valor estimado em R$ 85,3 milhões, bastante inferior à multa requerida na Justiça pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que supera os R$ 500 milhões. Esse custo foi calculado a partir do que deveria ter sido pago pela construtora à Prefeitura por meio da compra de créditos construtivos (Cepacs) para a verticalização na área. Por envolver o perímetro da Operação Urbana Faria Lima, esse tipo de empreendimento obrigatoriamente precisa de Cepacs, leiloadas pelo Município e com um estoque limitado.
O secretário destaca no documento que a decisão “limita-se à questão ambiental, mas que, como a questão ambiental é transversal a todas as políticas e ações públicas, possui extrema relevância para toda a cidade de São Paulo”. Ele pondera que o caso é “complexo” e envolve outras pastas.
No mesmo mês, contudo, a Procuradoria do Município requereu a demolição do edifício à Justiça. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) tem defendido a medida publicamente como um exemplo de que a gestão não tolera “irregularidades, ilegalidades e ações fora da ética”.
“Desejo que o Tribunal de Justiça conceda o nosso pedido e que esse caso fique como exemplo de que a cidade não aceita ações em descumprimento à legislação”, declarou em junho. Mesma posição é defendida pela Subprefeitura de Pinheiros.
A Prefeitura foi procurada pelo Estadão e se manifestou em nota, na qual destaca que o parecer do secretário é anterior à decisão de ajuizar uma ação pela demolição. “Também foram abertas três sindicâncias internas para apurar a conduta de três agentes envolvidos no caso. Um dos servidores está suspenso preventivamente”, salientou.
A gestão municipal aguarda a decisão da Justiça. Caso o pedido de demolição não seja atendido, a Prefeitura vai propor uma solução que envolva aquisição do imóvel pelo poder público para futura comercialização, de forma que os recursos arrecadados sejam adicionados ao orçamento dos programas habitacionais da cidade, como o Programa Pode Entrar, criado para atender a população de baixa renda cadastrada na COHAB.
O MP-SP também entrou com ação sobre o tema. No processo, defende que a São José pague danos sociais, ambientais, urbanísticos e morais em indenizações de mais de meio bilhão de reais e faça a demolição do edifício. Os pedidos tramitam na Justiça paulista e ainda não foram apreciados em decisão judicial.
Em nota, a defesa da São José destacou que a construtora argumenta, “desde o primeiro momento”, que a eventual demolição causará impacto ambiental na região, o que teria sido comprovado por meio de um laudo técnico. “A empresa já manifestou interesse em realizar uma composição com todos os órgãos envolvidos visando reparar os equívocos por ela cometidos, inclusive com a celebração de um TAC para implantar parques em troca da regularização”, concluiu.
O TAC proposto envolveria obras no Parque Municipal Aterro Sapopemba e no Parque Municipal Linear da Consciência Negra, ambos na zona leste, como a implantação de vestiários, nova iluminação, parquinhos e outras intervenções. Além disso, abarca a implantação do Parque Natural Municipal Cabeceiras do Aricanduva, também na zona leste, e do Parque Municipal Sítio Morrinhos, na norte.
Os locais foram escolhidos após uma reunião de representantes da São José com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, em abril. Nenhum dos parques engloba a área da Operação Urbana Faria Lima, embora os recursos obtidos por Cepacs devam ser reinvestidos na região.
Como é o prédio de luxo construído sem alvará no Itaim Bibi?
O Edifício St. Barth tem 80 metros de altura e 14,5 mil m² de área construída. De alto padrão, tem 23 pavimentos de 20 apartamentos, divididos em unidades de 382 m² (com cinco vagas de garagem) e duplex de 739 m² (com oito vagas).
Também anunciado como St. Barths, o prédio fica na Rua Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, nas proximidades da Avenida Brigadeiro Faria Lima. São 20 andares e três subsolos, voltados principalmente para vagas de garagem.
A obra foi interrompida apenas em fevereiro, quando estava com todos os pavimentos adiantados. O embargo feito pela Prefeitura determinou multa de R$ 2,5 milhões.
Prédio irregular no Itaim Bibi: MP requer indenização de meio bilhão de reais e demolição
O MP-SP defende que a São José pague danos sociais, ambientais, urbanísticos e morais em indenizações de mais de meio bilhão de reais. Os promotores requerem também a demolição do edifício. A defesa da empresa diz buscar a regularização do empreendimento e uma solução consensual.
“Quando deu início às obras sem o alvará de execução (pedido de emissão indeferido por três vezes), a empresa requerida decidiu agir em desconformidade com a legislação, não havendo qualquer fundamento para sustentar uma eventual alegação de boa-fé”, disse a Promotoria de Habitação e Urbanismo da Capital à Justiça.
Ao ajuizar a ação, os promotores também criticaram a gestão Nunes por propor outra ação sobre o caso, pois avaliam que o Município tem responsabilidade pela execução da obra sem alvará. “Inviável que o Município pretenda, portanto, a pretexto de deter a legitimidade ativa para a propositura de demanda, esquivar-se de tal responsabilidade, que deverá abarcar, solidariamente com os demais codemandados, os custos com a demolição do empreendimento”, apontou.
Para o MP, “é mais do que evidente a falha do poder público municipal em seu dever de fiscalização”, sobretudo por se tratar “de um edifício de enormes proporções, construído ao longo de alguns anos, em pleno Itaim Bibi, sem alvará de execução, sob os olhos complacentes do poder público local”.
A Promotoria fala em dano moral coletivo e dano social, com a justificativa de que “violou a ordem urbanística difusa, que é de especial relevância para toda sociedade”. A indenização é estimada em R$ 479,8 milhões, calculada com base no dobro do valor do metro quadrado estimado do imóvel. Se a decisão final for favorável, o recurso será destinado ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados e ao Fundo Social de São Paulo.
Além disso, defende o pagamento de indenização por danos urbanísticos e ambientais, de ao menos o valor dos créditos construídos não adquiridos e que eram necessários para a obra, de R$ 61,8 milhões. Esse valor seria voltado ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb). Também pede o bloqueio de bens e valores da São José, responsável pelo empreendimento, a fim de garantir o pagamento das indenizações ao fim da ação.
Os promotores identificaram que a São José Empreendimentos começou a anunciar o edifício ao menos oito meses antes de protocolar o pedido de edificação nova na Prefeitura, em novembro de 2016. Além disso, averiguaram que um estande de vendas esteve aberto ao menos entre julho de 2016 a agosto de 2017 (que incluía o St. Barths e outro edifício) e que a construção foi iniciada sem o alvará de execução, que é obrigatório.
O pedido foi indeferido pela Prefeitura porque a São José não adquiriu os créditos construtivos (chamados de Cepacs) necessários para a obra, por estar na área da Operação Urbana Consorciada Faria Lima. Hoje, não há mais estoque previsto para leilão. “Ocorre que a edificação não é passível de regularização, conforme já demonstrado. Portanto, não sendo o empreendimento passível de regularização, a edificação deverá ser demolida”, destaca.
“Vale lembrar que a empresa requerida tinha pleno conhecimento de que precisaria apresentar a certidão de pagamento de outorga onerosa em 3.514 (três mil, quinhentos e catorze) Cepacs, desde o apostilamento do alvará de aprovação publicado em 09 de fevereiro de 2018, que expressamente não lhe dava o direito de iniciar as obras”, completou.
Nos autos da ação, a defesa da São José disse que não adquiriu Cepacs porque o último leilão teria “insegurança jurídica” para a aplicação naquele endereço. Afirmou também que não tratou do tema com descaso e que busca regularizar a situação do imóvel. “A judicialização não se demonstra a via mais adequada, célere, nem mesmo eficiente para solucionar a questão”, destacou.
Além disso, ressaltou não ter comercializado apartamentos do edifício irregular. “O empreendimento em questão não foi disponibilizado à comercialização, portanto, não há que se falar em violação à direitos de adquirentes consumidores.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.