Os prédios de madeira vão se espalhar pela Faria Lima? Para além do característico vidro espelhado, ao menos seis projetos de edifícios de madeira para o entorno do centro financeiro de São Paulo estão previstos para os próximos dois anos. As novas construções devem se somar à primeira do tipo por ali: a loja conceito da Dengo, de três andares, em Pinheiros, na zona oeste.
Tendência em países desenvolvidos, a construção industrializada em madeira tem crescido em resposta às mudanças climáticas e à busca por construções neutras em carbono. Neste ano, esteve na vitrine com as Olimpíadas de Paris, assim como está em outros tantos projetos na Europa, Oceania e América do Norte, como os quarteirões do YouTube no Vale do Silício.
O crescimento também ocorre no Brasil, embora não no mesmo ritmo, segundo especialistas e empresas do setor. São Paulo está entre os destaques, com vários projetos em planejamento, em obras e, alguns, entregues.
Dentre eles, estão um prédio de apartamentos na Grande São Paulo, as novas instalações do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP de São Carlos, casas quadriplex em Alto de Pinheiros, o centro tecnológico da multinacional Henkel no interior, um McDonald’s na região da Avenida Paulista e a expansão do Colégio Santa Cruz, além de ao menos oito predinhos corporativos em diferentes fases de desenvolvimento.
Mais do que o aspecto visual, esse tipo de construção tem madeira como parte da estrutura, como em vigas e pilares, assim como a matéria-prima pode estar presente em portas, forros e outros elementos.
No Brasil, o segmento aposta especialmente em projetos híbridos, que trazem componentes metálicos e de concreto combinados com a madeira processada industrialmente (como técnicas de produção de painéis de madeira colada, dentre outras).
Para quem atua no setor, vê-se que o temor quanto à proteção contra fungos, brocas, cupins e fogo é menor do que antes; e a umidade segue como um dos principais motivos para a combinação de uso com outras matérias-primas. Além disso, técnicas e produtos químicos são utilizados para aumentar a proteção a intempéries.
Grande parte da “obra” ocorre antes da chegada ao canteiro, isto é, ocorre na fabricação das placas de madeira. A operação in loco é mais de “encaixe” das peças, o que tende a acelerar a entrega em comparação a um processo mais comum. No geral, a matéria-prima nacional apontada pelas empresas é de madeira plantada, no caso, pinus e eucalipto, mas especialistas destacam a importância da garantia de certificação.
Além de obras e projetos, o assunto ganhou destaque com a exposição Woodlife Sweden (algo como “vida sueca amadeirada” em tradução livre). A mostra foi aberta no fim de setembro, com realização da Embaixada da Suécia (referência no setor) na USP, e segue até 18 de outubro.
Na Europa, incentivos e exigências legais para a redução da pegada de carbono e uso de opções de menor impacto têm influenciado no crescimento do uso da madeira. Com essa escalada por lá, há até uma discussão se não criaria “concorrência” pela terra com a produção alimentar e a necessidade de recuperação de biomas.
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Prédio residencial de madeira?
Enquanto os predinhos previstos na capital paulista são comerciais, uma cidade da região metropolitana está com a obra de um dos pioneiros de residencial multipavimentos em madeira do País. Trata-se do Aurora 275, predinho híbrido (com amplo uso de madeira na estrutura, em conjunto com outros materiais), que deve ser entregue entre o fim deste ano e o início do próximo, em Suzano.
Ao todo, são 10 apartamentos divididos em seis pavimentos, com 22,5 metros de altura. O projeto é da Crosslam, que levou cerca de quatro anos no desenvolvimento do projeto, com uso de madeira engenheirada (peças maciças feitas a partir de camadas de madeira colada industrialmente).
Embora haja amplo uso de madeira, nem sempre é visível, como na laje recoberta por uma capa de concreto, a fim de neutralizar eventuais vibrações.
“O prédio é carbono negativo. O volume de madeira é muito maior do que o de concreto”, diz Renato Simonsen, um dos sócios. Desde 2008 no setor, a empresa tem percebido demanda mais variada: o que antes era basicamente de casas de alto padrão, agora engloba projetos de maior envergadura.
Dentre os exemplos recentes, estão um centro de treinamento de futebol e parte da nova obra do aeroporto regional de Ribeirão Preto.
Mesmo assim, Simonsen estima que o País esteja cerca de 30 anos atrás do mercado europeu. “Continua representando ‘zero vírgula alguma coisa’ por cento. É um segmento muito pequeno se comparado com concreto e aço”, avalia.
A madeira também é um dos principais elementos construtivos dos predinhos de cerca de quatro andares entregues pelo Estado a atingidos pelos deslizamentos de 2023 em São Sebastião, no litoral norte.
Nesse caso, as construções envolvem “wood frame”, que são placas estruturais de madeira com outros materiais (como cimento e gesso), cuja pré-fabricação e consequente agilidade de obra chamam a atenção para a aplicação em obras habitacionais públicas emergenciais.
Cidade de SP tem ao menos 8 projetos e pré-projetos de predinhos de madeira
O Estadão identificou ao menos oito projetos e pré-projetos de predinhos corporativos de madeira na cidade de São Paulo. Parte deles tramita na Prefeitura, segundo os responsáveis, enquanto outros ainda estão em desenvolvimento. Por ser uma obra rápida, a entrega é prevista em cerca de um ano a partir da aprovação (alguns em menos tempo).
Do total, três projetos envolvem a parceria da Noah Tech (de madeira engenheirada) e a Engeform, a qual captou R$ 190 milhões na B3 por meio de um Fundo de Investimento Imobiliário (FII) em junho. Chamados de “boutique office”, os predinhos terão três andares, um deles com cerca de 20 metros de altura (pelo pé direito alto e outros aspectos).
A expectativa é de entrega no 1º semestre de 2026. Os três devem ser erguidos no lado Pinheiros da região da Avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste. Além disso, a empresa está construindo um condomínio com seis casas quadriplex em Alto de Pinheiros, de cerca de 400 m² cada, com entrega prevista para o próximo semestre.
CEO da Noah Tech, Nico Theodorakis percebe “aculturamento do mercado”, de modo que a madeira assusta menos do que há alguns anos, a cada nova obra entregue, como o McDonald’s Av. Bernardino de Campos, entregue em 2023. “Além da sustentabilidade e da obra rápida, a madeira traz design diferente, uma estética individual mesmo que seja industrializada. Traz a natureza para as cidades.”
Já outros três futuros predinhos envolvem uma linha chamada “Casa Office”, com desenho do escritório paulista da multinacional Perkins&Will — a qual tem diversos projetos com madeira no exterior. O plano é que também sejam construídos no entorno da região da Faria Lima.
Líder criativo e diretor de design do Perkins&Will, Douglas Tolaine explica que a madeira foi escolhida como um dos elementos principais a fim de trazer maior conforto ambiental a ambientes corporativos, dentre outros motivos. A ideia é replicar o exemplo em mais locais da cidade futuramente.
“A intenção é construir edifícios bem localizados com alma de casa e tecnologia de torres corporativas”, descreve. Para ele, o setor está em momento de amadurecimento, de modo que o custo (que, inicialmente, tende a ser mais alto) reduza quando o mercado se expandir. “De 0 a 10, a gente está em 4. Fora do País, predinhos de madeira são normais de acontecer. Aqui, ainda há uma barreira (resistência) natural”, diz.
Nesse caso, a expectativa é de entrega do primeiro predinho no fim do ano que vem, após cerca de oito meses de obra. Os outros dois ficariam para 2026. Cada um terá três andares, uma parte deles com pavimento adicional no subsolo.
Dos demais predinhos, outro projeto é para a Rua Groenlândia, nos Jardins, com envolvimento da aflalo/gasperini, escritório de arquitetura autor de diversos prédios nos eixos corporativos da cidade. Por fim, o oitavo está em fase de pré-projeto, com previsão de sete pavimentos. A localização não foi divulgada após contato do Estadão com uma das empresas envolvidas.
Prédios de madeira em obras na USP e em escola de São Paulo
Dentre as novas construções com madeira no Estado, está a ampliação do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP São Carlos, cuja obra deve ser entregue em fevereiro do ano que vem. Os trabalhos foram iniciados em outubro de 2022, com algumas alterações no projeto ao longo da construção.
Segundo nota da instituição ao Estadão, o novo prédio vai mais do que dobrar a área construída do IAU, com um acréscimo de 4,3 mil m² e custo de R$ 25,1 milhões. Ao todo, contemplará três blocos, com salas de aula, ateliês, auditório, biblioteca, acervo, saguão para exposições e espaços multiuso.
Outro exemplo é a obra de expansão do Colégio Santa Cruz, em Alto de Pinheiros, na zona oeste, com um prédio de madeira de três pavimentos, voltado à educação para crianças de um a quatro anos.
Coordenador de Campus e Eventos, o engenheiro Guilherme Taunay Ferreira conta que o colégio enviou uma carta convite a cinco escritórios de arquitetura, na qual requisitava uma construção sustentável. Do total, três das propostas eram de madeira engenheirada.
“Um dos pilares do colégio é a sustentabilidade. A madeira também traz um conforto, um aconchego, um bem-estar, da biofilia”, diz. Iniciada há um ano, a obra deve ser entregue em novembro, a tempo de receber as crianças no próximo ano. Ao todo, são 3,4 mil m² de área construída.
Madeira é mais sustentável mesmo?
Pesquisadora do Laboratório de Tecnologia e Desempenho de Sistemas Construtivos do IPT, a ecóloga Ligia Ferrari Torella di Romagnano explica que a madeira tem ganhado espaço pelo potencial das árvores de captura de carbono. Por isso, acaba se tornando uma alternativa mais sustentável em um setor que está entre os maiores emissores de poluentes no mundo (a construção civil).
“A madeira pode ser leve e de alta resistência em várias tecnologias”, diz a cientista, que é coordenadora da pós-graduação de Arquitetura em Madeira do instituto, criada em conjunto com a associação Núcleo da Madeira, em 2020. Além da madeira, o bambu, o tijolo ecológico, a taipa, a argila, a palha e a recuperação de edificações existentes (como o retrofit) estão entre alternativas para a redução de emissões na construção civil.
Também pesquisador do tema, o engenheiro civil e ambiental Lucas Caldas aponta que uma obra sustentável envolve tanto o consumo de energia e as emissões durante a produção de seus componentes quanto a durabilidade. “Precisa pensar o projeto de um edifício como uma dieta de carbono. Incentivar materiais com baixa emissão ou negativa. Não dá para fechar os olhos para as mudanças climáticas”, salienta.
Ele avalia que a madeira é uma opção atraente, assim como outras também de menor impacto, mas salienta que não há uma “bala de prata contra as mudanças climáticas”. Isto é, não há uma solução única e suficiente, mas uma gama de opções que podem ser combinadas.
Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, Caldas exemplifica que a madeira não é uma opção tão atraente para construções muito altas, pois exige um grande volume de material para obter a resistência necessária nesses casos. “Será que é preciso ter arranha-céus de madeira?”, questiona. “A ideia é usar da melhor forma possível”, completa.
Segundo o Council on Tall Buildings and Urban Habitat (Conselho sobre Edifícios Altos e Habitat Urbano; CTBUH na sigla em inglês), os maiores prédios com amplo uso de madeira na estrutura são o Ascent (em Milwaukee, nos Estados Unidos), o Mjøstårnet (em Brumunddal, na Noruega) e o HoHo (em Viena, na Áustria), com respectivamente 86,6 metros, 85,4 metros e 84 metros de altura. Mas há projetos que ultrapassam os 100 metros de altura.
Por outro lado, o professor da UFRJ aponta dois pontos de atenção em relação a esse segmento: a importância da certificação da madeira e, ainda, eventuais casos de “greenwashing”. Isto é, quando se dá a incorreta aparência de sustentável para algo que não é, de fato.
Alguns desses pontos também foram abordados em estudos internacionais. Um relatório do instituto WRI do ano passado indicou, por exemplo, que o uso da madeira industrializada na construção pode ser não tão “carbono neutro” como se costuma calcular e que, para atingi-lo, exigiria circunstâncias desafiadoras. Além disso, diante da emergência climática, outros usos do solo deveriam ser prioritários em vez da destinação para florestas plantadas para construção civil.
“Esses usos expandidos têm o potencial de aumentar dramaticamente a concorrência pelo uso da terra, (...) aumentando muito a pressão sobre as florestas remanescentes do mundo e outros ecossistemas naturais”, diz um trecho, que menciona diretamente a produção de madeira para construção. “Esses usos da terra, também, normalmente aumentam as emissões pelo menos no médio prazo (até 2050)”, acrescenta.
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