A Prefeitura de São Paulo segue cortando árvores na Rua Sena Madureira, Vila Mariana, zona sul de São Paulo, nesta sexta-feira, 8, mesmo após o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) recomendar, na quinta, 7, a paralisação imediata da obra e cobrar mais estudos técnicos para a construção de dois túneis na região. A gestão de Ricardo Nunes (MDB) alega que “aguarda decisão do Judiciário sobre o assunto”.
Ativistas e moradores do bairro estão no local pelo terceiro dia consecutivo. A situação é de tensão com os Guardas Civis Metropolitanos (GCM). Na quinta-feira, 7, uma pessoa foi detida por entrar no canteiro de obras e abraçar uma árvore, e tentar impedir a remoção. Os guardas usaram spray de pimenta contra os manifestantes.
A população questiona a efetividade da solução para o trânsito e defende que remoção de árvores para realização de obra viária em meio à crise climática é inaceitável- ao todo, 172 árvores serão cortadas para viabilizar a obra, segundo a Prefeitura.
Em reportagem do Estadão, o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli USP), Claudio Barbieri da Cunha, apontou que construir túneis para melhorar congestionamentos é “solução ultrapassada” e não resolve congestionamentos no médio e longo prazo.
Em nota enviada à reportagem nesta sexta-feira, 8, a Prefeitura manteve seu posicionamento inicial, de que “a obra respeita todas as exigências relativas a questões ambientais” e “foi autorizada pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente”, da própria Prefeitura.
A gestão promete replantar 266 mudas na região após a conclusão da obra e oferecer indenização ou outra moradia definitiva à população que hoje vive na comunidade da Rua Sousa Ramos, na Chácara Klabin, que precisará ser removida. Enquanto não há decisão judicial sobre o caso, a obra segue seu cronograma.
A justificativa do Município para realizar a obra é melhorar o trânsito no cruzamento da Rua Sena Madureira com a Rua Domingos de Moraes, facilitando o acesso à Avenida Ricardo Jafet e à Rodovia dos Imigrantes. O custo previsto é de R$ 531 milhões e o prazo de entrega, setembro de 2025.
“A intervenção prevê melhor fluidez do trânsito, comportando ônibus e veículos utilitários e garantindo a interligação entre a Vila Mariana, Ipiranga, Itaim Bibi e Morumbi”, afirma a gestão Ricardo Nunes (MDB). “Beneficiará mais de 800 mil pessoas que circulam na região diariamente.”
Descompromissos socioambientais e contratuais
No documento de recomendação de paralisação da obra, os promotores do MP-SP apresentaram uma série de considerações que justificam o pedido. Eles citam possíveis descompromissos socioambientais e contratuais do empreendimento, além de riscos que as obras do complexo viário podem causar à população e à cidade. A promotoria pede que estudos técnicos mais profundos sejam feitos antes de seguir ou decidir por cancelar a obra.
A recomendação menciona ainda que Ministério Público já vem investigando as obras do complexo por supostos danos ambientais, causados por uma “derrubada indiscriminada de árvores e no desmatamento de áreas de preservação permanente”, e que estariam afetando o córrego Emboaçu, uma nascente importante para a região da Vila Mariana. A construção já é alvo de três inquéritos do MP-SP (leia mais abaixo).
O MP-SP também cita o Termo de Compromisso Ambiental (TCA) firmado com a empresa contratada para executar a obra omite a informação de que o lugar onde o complexo viário está sendo construído é uma área de preservação permanente. Isso, conforme os promotores, é “motivo suficiente para a suspensão imediata das obras e reavaliação dos estudos de impacto ambiental”.
“Estão ignorando a recomendação do MP. No desespero de cortar rápido (as árvores), uma quase caiu em cima de um carro”, diz Flavio Matunga, empresário e parte do movimento Salvem a Sena Madureira.
“Estamos falando de árvores centenárias que serão retiradas para uma obra que foi projetada há mais de dez anos, em outro contexto, distante da crise climática que vivemos hoje”, diz Marco Martins, arquiteto urbanista, morador da Vila Mariana e autor da representação no Ministério Público.
Há tensão entre os manifestantes e a Guarda Civil Municipal (GCM). Os ativistas acompanham desde quarta-feira, 6, a derrubada das árvores na Rua Sena Madureira e a Prefeitura diz que a GCM monitora a manifestação para orientar as pessoas “a se afastarem do local onde acontece o corte de árvores”.
Nesta quinta-feira, 7, “houve resistência e pela manhã uma mulher foi encaminhada pela GCM ao Distrito Policial por desacato”, disse a GCM. “Apesar dos alertas sobre o risco devido ao uso de uma motosserra, a manifestante abraçou uma árvore e resistiu à remoção, sendo necessário o uso de algemas”, afirmou a Secretaria de Segurança Pública (SSP). O caso foi registrado com a natureza não criminal no 16º DP (Vila Clementino).
O que é a obra que está sendo realizada na Rua Sena Madureira?
A obra, que diz respeito a dois túneis de duas faixas cada, em sentidos contrários, servirá para desviar parte do fluxo do cruzamento das ruas Sena Madureira com a Domingos de Morais. Para a construção, a Prefeitura pretende retirar cerca de 200 famílias que vivem em uma comunidade na Vila Mariana e derrubar 172 árvores.
O objetivo seria facilitar o acesso à Avenida Ricardo Jafet e, consequentemente, à Rodovia dos Imigrantes, que liga a capital ao litoral sul. A conexão com a avenida ocorrerá pelas ruas Vergueiro e Embuaçu, que devem receber “adequações viárias de sinalização”. Os túneis terminam a cerca de 1,2 quilômetros da avenida:
- Um deles terá início na Rua Souza Ramos e desemboque na Rua Sena Madureira, na altura da Rua Botucatu, totalizando 977 metros de túnel, intervenções de emboque e desemboque e galerias;
- Já o outro sairá da Rua Sena Madureira, próximo à Rua Mairinque, e desembocará na área pública municipal próximo à rua Souza Ramos, onde fica a comunidade. São 674 metros no total.
Interdições já começaram a ser feitas na região da obra na Sena Madureira, com uma faixa de rolamento interditada em cada sentido da via.
Quais são as investigações do MP-SP e o que diz a Prefeitura?
Três inquéritos estão abertos hoje no MP-SP para investigar a obra. Um pediu esclarecimentos à Prefeitura sobre a motivação para ter seguido o projeto, que foi anunciado inicialmente na gestão Gilberto Kassab (2006-2012) e embargado durante a lava-jato, com a mesma construtora, a antiga Queiroz Galvão, hoje rebatizada como Áyla.
A promotoria destaca que a empresa já foi demandada em ação civil de improbidade administrativa do Ministério Público Federal e ação civil pública do MP-SP “em razão de fraude na licitação relacionada ao Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo, bem como pagamento de propina”.
Sobre isso, a Prefeitura afirmou, em nota, via Secretaria de Mobilidade e Trânsito, que “os esclarecimentos serão prestados” no prazo estipulado pelo MP-SP.
A Áyla diz que “o Consórcio Expresso Sena Madureira está executando as obras do complexo viário nos termos do contrato administrativo e de acordo com os projetos de engenharia. A construção do empreendimento envolve diversas etapas construtivas, dentre elas a criação de caminhos de serviço para o acesso às obras. As obras e intervenções estão sendo executadas de acordo com as melhores práticas de engenharia e de segurança”.
O segundo inquérito do MPSP investiga a derrubada de árvores e poluição sonora causada pela obra. E o terceiro calcula se haverá ganhos significativos de mobilidade urbana e se a população que vive na comunidade Sousa Ramos será devidamente realocada.
A Prefeitura alega a obra trará benefícios de fluidez do trânsito, beneficiando “mais de 800 mil pessoas que circulam na região diariamente”, mas não informou dados de congestionamento no local. A gestão diz que tem licenças para realizar a obra e remover 172 árvores na região, e ressalta que vai fazer replantio de 266 mudas arbóreas nos entornos das obras, assim como indenizar e prestar assistência às famílias removidas da comunidade.
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