SÃO PAULO - O primeiro dia de funcionamento da tenda emergencial montada pela Prefeitura de São Paulo para moradores de rua no Vale do Anhangabaú, no centro da capital, teve mais vagas ociosas do que preenchidas. Com capacidade para alojar até 500 pessoas, o abrigo recebeu nesta terça-feira, 21, 232 moradores de rua. Ficaram vazios 268 leitos. A tenda fica na Galeria Prestes Maia e funciona todos os dias, das 18 horas às 7 horas.
Esta foi a primeira das quatro tendas anunciadas pelo prefeito Fernando Haddad (PT), que ao todo terão capacidade para atender 1 mil pessoas. A próxima será na Mooca, na zona leste. Sé e Glicério também vão receber o abrigo emergencial, de acordo com a Prefeitura.
Haddad anunciou as tendas na semana passada, após o Estado revelar que guardas-civis estavam retirando colchões e papelões de moradores de rua em noites de recorde de baixas temperaturas e depois que cinco pessoas em situação de rua foram encontradas mortas, supostamente por causa do frio.
Nesta quarta, o prefeito comemorou o número de moradores atendidos e afirmou que a tenda “foi um acerto”, pois demandou pouco investimento, mas teve “muita adesão”. “Achei muito boa a adesão para o primeiro dia. Ninguém conhecia o endereço, as pessoas precisam ser informadas”, afirmou.
Segundo a Prefeitura, na tenda da Prestes Maia as carroças serão guardadas no próprio local pela Guarda Civil Metropolitana (GCM). Para os animais de estimação, será montado um canil até o fim da semana. Haddad disse que “até isso está sendo feito” para atender a todos os perfis de moradores.
“Alguns reclamam da distância. Carregar uma carroça com um animal por alguns quilômetros não é fácil para ninguém. No centro isso está sendo superado. É mais próximo”, disse Haddad.
O abrigo da Prestes Maia tem entrada pelo Vale do Anhangabaú e pela Praça do Patriarca. São 250 beliches, com banheiros feminino e masculino. Os acolhidos recebem jantar e café da manhã.
Assistência. Lenilson Francisco de Lima, de 24 anos, era o primeiro da fila do abrigo, no fim da tarde desta quarta. Voltou após aprovar a estada no dia da inauguração.
Desempregado, Lima vive na rua há quatro meses. Antes, trabalhou como auxiliar de padeiro e como servente de pedreiro. “Agora, não ando conseguindo mais trabalho nenhum”, lamentou.
Quando as portas se abriram, a fila tinha 37 pessoas. Entretanto, mais e mais sem-teto foram chegando, e as camas aos poucos passaram a ser ocupadas. Às 19h15, 71 albergados tinham sido registrados.
A menos de 50 metros da Galeria Prestes Mais, lado a lado sob o Viaduto do Chá, havia 17 moradores de rua deitados no chão, envolto em cobertores. O termômetro marcava 15 graus. Era início de noite. Dois deles afirmaram que não sabiam da existência da abrigo. Um terceiro, o artesão Antonio Júnior, de 35 anos - há dois nas ruas - disse que havia "ouvido falar". "Só que eu não vou nessas coisas", comenta. "Eles acordam e tocam a gente cedinho, umas 6h da manhã. Aí a gente tem de sair num frio desgraçado. Pelo menos aqui na rua a gente já está abrigado debaixo do cobertor."
"Lá dentro tem muitas regras. Vivo na rua porque não gosto de regras", diz um outro, que não quis revelar a identidade. Outra queixa comum é com relação ao animais de estimação. Muitos sem-teto têm cães. Por enquanto, o abrigo não conta com infraestrutura para os bichos, mas a promessa é que até o início da semana que vem um canil esteja em funcionamento - e os animais devem passar a noite sob os cuidados de agentes de zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde.
O abrigo emergencial funciona de "portas abertas", ou seja, o acesso é livre em qualquer horário da abertura ao fechamento, até o limite das 500 vagas. Esta foi uma preocupação da gestão municipal: flexibilizar as regras dos abrigos tradicionais, justamente para diminuir a resistência dos moradores de rua. O albergado pode se servir da quentinha tão logo ingresse no local - nesta quarta, o cardápio tinha arroz, feijão, salada de acelga, polenta, almôndegas, farofa, além de uma garrafinha d´água e uma paçoca de amendoim.
Apesar de o espaço contar com dois conjuntos de sanitários, um feminino e um masculino, não há estrutura para banho. Foi o que deixou bastante incomodado o auxiliar de enfermagem Gilson Ribeiro da Silva, de 46 anos, que vive há 4 anos sem um lar. Ele chegou, deixou suas coisas sobre a cama e foi ao banheiro, na expectativa de conseguir tomar banho. Decepcionado, consultou um funcionário. A resposta foi negativa. "Eu entendo, porque este é um lugar emergencial, improvisado, não é?", foi sua resposta.
Os carroceiros têm como passar a noite ali deixando seus veículos no calçadão do Vale do Anhangabaú. Ali, guardas civis metropolitanos têm de se encarregar de vigiar as carroças durante a noite.
O abrigo da Prestes Maia é o 15o espaço emergencial aberto na cidade para o período de frio. No total, são 2067 leitos a mais do que as 10 mil vagas fixas disponibilizadas de forma contínua nos 79 centros de acolhida municipais. Há alojamentos emergenciais já em operação na Casa Verde, Capela do Socorro, Itaim paulista, Itaquera, Lapa, Mooca, Brás, Pirituba, Santo Amaro, e Sé, além deste do Vale do Anhangabaú. Até a tarde desta quarta, em nenhum deles havia sido registrada ainda a lotação completa. Pelo histórico, é possível observar que as vagas são ocupadas de maneira rotativa, de acordo com as necessidades dos sem-teto e, principalmente, a queda da temperatura.
É o caso do auxiliar de serviços gerais Carleones Santos da Silva, de 31 anos. Ele vive na rua desde os 21 anos. Na noite de terça, não quis saber de albergue. "Estava na cachaça, então tudo bem", conta. Nesta quarta, achou melhor se tonar um hóspede da Prestes Maia. "Estão falando que a noite vai ser fria, melhor me preparar."
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