Programa de Nunes que paga para morador sair de área de risco de chuva só teve 1.224 indenizações

Prefeito prevê dar dinheiro para moradores para deixarem o Jardim Pantanal, bairro da zona leste com histórico de enchentes. Prefeitura diz estudar 3 alternativas para a região

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Atualização:

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou, no início do mês, que as obras para construir um dique no Jardim Pantanal, zona leste de São Paulo, são complexas e teriam custo superior a R$ 1 bilhão. Diante disso, ele estuda indenizar os moradores para que deixem a área de risco, que alagou após forte temporal no início do mês.

Desde sua regulamentação, em março de 2022, o programa da Prefeitura que prevê indenizações desse tipo fez apenas 1.224 pagamentos para moradores saírem de pontos com perigo de inundação ou deslizamento. No Jardim Pantanal, bairro às margens do Rio Tietê com enchentes desde os anos 1980, ainda não houve ressarcidos. Lá, a gestão Nunes estima 36.537 pessoas nesse perfil - 9.134 famílias.

Jardim Pantanal, na zona leste, passou dias alagado Foto: Andre Penner/AP

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Questionada sobre o cronograma de indenizações para o Jardim Pantanal, a gestão Nunes diz estudar três alternativas para a região. Afirma ainda que o plano de remoção não é uma proposta única para o bairro.

Sobre o programa de indenizações, a Secretaria Municipal de Habitação diz que a modalidade “foi criada para ampliar as alternativas de atendimento às famílias em áreas de risco, com auxílio aluguel até o atendimento definitivo com unidade habitacional ou indenização calculada com base na avaliação do imóvel”. (leia mais abaixo).

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As duas primeiras priorizam obras de macrodrenagem. Uma delas inclui um dique de 6,5 quilômetros, sete reservatórios e um parque. A outra prevê a reversão em um trecho do Tietê, um canal de circunvalação, que intercepta córregos e galerias de águas pluviais e lagoas de acumulação.

A terceira possibilidade tem como foco remoções e desapropriações, reassentamentos, construção de novos conjuntos habitacionais e a criação de um parque alagável.

Os estudos têm custos que variam entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões. Diferentemente do que disse Nunes inicialmente, o gasto maior envolve deslocar as famílias (R$ 1,9 bi). O montante é superior ao das estimativas para obras antienchente, orçadas entre R$ 1 bilhão e R$ 1,3 bilhão.

Nunes, porém, sinalizou ressalvas sobre levar à frente as obras de maior porte. “Dá para fazer um dique, contornando todo o Rio Tietê, para conter aquela região? Não dá para fazer. Tem de ter transparência. Às vezes as pessoas podem gostar, podem não gostar, mas a forma de a gente tratar e lidar com as questões é dentro da realidade”, disse à imprensa.

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O prefeito declarou que estuda a possibilidade de oferecer auxílio entre R$ 20 mil e R$ 50 mil para que os moradores deixem o local. “Estamos pensando em algumas ideias de, de repente, fazer uma ajuda financeira que vai de R$ 20 mil a R$ 50 mil, dependendo da casa, para as pessoas saírem. Sai, faz a demolição e a gente ajuda financeiramente.”

Uma complicação, no entanto, é que vários dos imóveis no bairro são alugados, o que pode dificultar a remoção.

A água baixou no Jardim Pantanal nos últimos dias; o desafio agora é a reconstrução. Para mobiliar a casa depois de ter sobrado só a geladeira na última enchente, a profissional de limpeza Cícera Lucivania Souza, de 47 anos, procura entre os móveis descartados por outras famílias.

“Meu filho e eu vamos pegando o que não serviu para eles (outras famílias). A gente faz isso antes de passar o cata-bagulho (coleta gratuita de objetos pela Prefeitura)”, diz Cícera, que vive sua terceira enchente no local.

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Os moradores protestam, como no sábado, 15. Entre as exigências estão a construção do dique e dos sete reservatórios em análise pela Prefeitura, de moradias ou oferta de locação social antes da remoção; do pôlder prometido em 2023 e criação de linha de crédito subsidiado ou sem juros para a recuperação dos pertences perdidos.

Nas áreas mais do Jardim Pantanal, como na Rua Tietê, moradores já descartaram móveis destruídos pelas enchentes e tentam iniciar a reconstrução de suas casas  Foto: Werther Santana/Estadão

O projeto a ser realizado ainda não foi escolhido. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou na semana passada não ver com bons olhos nenhuma das sugestões e prometeu estudar mais a fundo o problema.

“O que foi apresentado me deixou com dúvidas”, disse, citando o risco de o problemas das enchentes migrar para áreas vizinhas, como Guarulhos, após as obras. Tarcísio não deu prazo para definir o plano de ação para o local.

Programa já pagou R$ 67,6 milhões

Desde março de 2022, foram pagos R$ 67,6 milhões em indenizações para retirar moradores de áreas de chuva. O grupo de 1.224 ressarcidos está distribuído em várias regiões da cidade:

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  • Na zona sul, foram 873, em localidades como Cai Cai, Edith Mason, Antonico, Colombo e Parque Sanfona.
  • Na zona norte, foram 328, em áreas como Alfredo Ávila, Árvore São Tomás, Córrego da Mina e Jardim da Paz.
  • Na zona central, com indenizações no Lidiane (número não especificado)
  • Na zona leste, abrangendo Caboré e Parque das Flores (número não especificado)

Segundo a pasta de Habitação, cada indenização corresponde a um imóvel.

A Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras afirma ainda que Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) é um “programa amplo que propõe diversas intervenções para aumentar a eficiência no atendimento às áreas de risco”.

Solução precisa envolver cidades da bacia hidrográfica, diz professora

Para Luciana Travassos, professora de planejamento territorial da Universidade Federal do ABC (UFABC), a situação é complexa e não tem uma única alternativa viável. “Faz pelo menos 40 anos que a população ouve do poder público de diferentes formas que será possível evitar inundações no Jardim Pantanal, que a obra A, B ou C resolverá o problema.”

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Mas, ao longo do tempo, a falta de resposta do poder público fez com que a infraestrutura do bairro se consolidasse e pode haver mais dificuldades para a remoção agora. “As próprias pessoas investiram nas suas casas”, afirma.

Segundo ela, a reparação por esses danos deve ser discutida profundamente com a comunidade e a solução não pode depender só da Prefeitura da capital. Além disso, Patrícia vê como crucial um plano integrado, envolvendo o Comitê de Bacias Hidrográficas do Alto Tietê, sobretudo diante das incertezas impostas pelos extremos climáticos, como tempestades. “O que acontece no uso da terra dos municípios da bacia também têm impacto naquela região.”

Para a professora da FGV Bianca Tavolari, as alternativas que envolvem obras e manter a população no bairro teriam de ser acompanhadas de outras soluções, já que ela avalia que novas inundações são inevitáveis, mesmo com as obras.

Já quanto à possibilidade de deslocar os moradores para unidades de habitação de interesse social, ela enxerga como uma solução viável, desde que os moradores não fiquem endividados para arcar com as novas moradias. Isso seria importante porque a indenização é insuficiente para encontrar novos locais, segundo ela, também pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

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Cidade tem 416 áreas de risco ainda sem plano

A gestão Nunes apresentou só em 23 de dezembro a versão final do Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), para minimizar impactos de chuvas fortes. O documento, previsto no Plano Diretor de 2014, só foi finalizado após determinação da Justiça, que atendeu a pedido do Ministério Público Estadual.

Segundo o plano, 490 mil moradores da capital vivem em áreas de risco hidrológico ou geológico - 4,3% da população paulistana. As subprefeituras de Perus (zona norte) e M’Boi Mirim (sul), por exemplo, têm mais de 10% de sua população em pontos de perigo.

De acordo com o plano, “existem 416 áreas para as quais não há projeto de redução de riscos desenvolvido, sendo que 150 dessas áreas detém IPVS acima de 5, ou seja, crítico”. A sigla IPVS significa Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. Das áreas sem projeto, 70% estão nas zonas sul e leste.

Questionada sobre as áreas sem plano de risco, a Prefeitura diz que “foram elencadas 121 áreas prioritárias, que já contam com projetos desenvolvidos, em elaboração ou contratados. As demais intervenções serão desenvolvidas de acordo com o cronograma de implementação do PMRR, que se estende por 4 quadriênios, e contempla todas as áreas de risco do município”.

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A Prefeitura estima, no total, a necessidade de 27 mil remoções na cidade, com investimento previsto de R$ 6,3 bilhões até o prazo final do plano, em 2030.

A Prefeitura informa que 25.330 pessoas foram cadastradas pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social para recebimento de insumos de limpeza e outros materiais entre 31/01 e 10/02.

Equipes da Secretaria Municipal das Subprefeituras afirmam fazer a limpeza para reduzir o impacto das cheias no bairro. Ao todo já foram retiradas 800 toneladas de materiais e resíduos.