Como agia quadrilha que roubava e sequestrava motoristas na Rodovia Régis Bittencourt

MP denuncia 15 suspeitos de integrar gangue; Promotoria vê envolvimento em pelo menos 10 roubos de veículos de carga no início do ano. Identidades dos acusados não foram divulgadas

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Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:

O Ministério Público de São Paulo denunciou 15 suspeitos de integrar uma quadrilha que sequestrava e roubava motoristas de caminhão na Rodovia Régis Bittencourt (BR-116), principal ligação entre a capital paulista e o Sul do País. O grupo é apontado como autor de ao menos dez roubos de veículos de cargas em menos de três meses, no início deste ano. Há suspeitos investigados também por dois latrocínios – roubo seguido de morte. Em alguns casos, os motoristas foram mantidos em cativeiro e sofreram extorsão.

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Os denunciados foram alvos da Operação Cacaria, deflagrada em maio pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e pela Polícia Federal, com apoio da Polícia Militar e das polícias rodoviárias estadual e federal (PRF e PF). As identidades dos suspeitos não foram divulgadas, por isso não foi possível localizar as defesas.

A operação foi deflagrada após uma sequência de roubos de cargas na rodovia ou em áreas de descanso dos caminhoneiros, a maioria na região metropolitana de São Paulo.

Como havia indícios de uma organização criminosa, os delitos passaram a ser investigados pela PF. A denúncia, protocolada em 26 de julho na Justiça Federal, pede a condenação dos suspeitos pelos crimes de associação criminosa, roubo e extorsão. Em caso de condenação, as penas individuais podem passar de 50 anos de prisão, segundo a PF.

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Polícia Civil de São Paulo tem Programa de Prevenção de Furtos e Roubos (Procarga), voltado especificamente para caminhões. Foto: Governo de SP/Divulgação

Como a quadrilha agia

Conforme o MP, uma parte do grupo era responsável por abordar os caminhoneiros às margens da Régis Bittencourt, sempre armados e de forma violenta. Outros tinham a função de orientar os comparsas sobre o trajeto a ser seguido.

Os criminosos usavam bloqueadores de sinais para evitar o rastreamento. Os veículos eram levados para galpões onde a carga era transferida para distribuição. Os caminhões eram entregues para receptadores ou desmontados para a retirada de peças.

Havia ainda os que se incumbiam de providenciar os cativeiros, geralmente em imóveis periféricos, alugados por poucos dias, ou em áreas de mata. No local, as vítimas eram ameaçadas e, em muitos casos, obrigadas a transferir dinheiro, via Pix, para a quadrilha.

O roubo que deu origem à investigação ocorreu no início de dezembro de 2023, em Itapecerica da Serra. Na abordagem violenta dos bandidos, uma pessoa foi morta e outra ficou gravemente ferida, com fratura craniana.

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Em outro caso, um caminhoneiro de 43 anos foi sequestrado em Taboão da Serra, na mesma região, e ficou seis horas em cativeiro, enquanto o veículo era levado pelos suspeitos em direção ao Paraná, pela Régis. O cúmplice da quadrilha que dirigia o veículo foi preso em Miracatu.

A investigação apurou que o mesmo cativeiro havia sido utilizado em dois roubos anteriores, no dia 24 de janeiro em Juquitiba, e no dia seguinte em São Lourenço da Serra.

Bandidos aguardavam próximo a pedágios

Conforme a PF, os envolvidos abordavam os veículos quando se aproximavam de pedágios, em velocidade reduzida, ou estavam estacionados em áreas de descanso. Em uma das abordagens, um caminhoneiro foi agredido com coronhadas no interior da cabine.

Em outro roubo, em 9 de fevereiro, em São Lourenço da Serra, o motorista de 46 anos foi assassinado e jogado às margens do Rodoanel Mário Covas. O corpo foi encontrado três dias depois, com os pés e mãos amarrados e sinais de violência. O veículo, que saiu do Paraná com uma carga de soja e voltava do Porto de Santos, foi encontrado em Barueri.

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Já o latrocínio de Itapecerica da Serra foi esclarecido a partir da prisão de um dos suspeitos durante outro roubo, em 3 de abril, em Sumaré, na região de Campinas. Um motorista de 63 anos que viajou do Paraná até a cidade do interior foi rendido e ameaçado pelos criminosos. Ele foi levado para um cativeiro onde já estavam outros dois motoristas sequestrados.

Os criminosos chegaram a mandar um vídeo para a família de uma das vítimas exigindo resgate de R$ 20 mil. Ao menos R$ 10 mil foram enviados via Pix para a quadrilha. A casa usada como cativeiro tinha sido alugada por uma semana.

Lista de caminhões

Conforme a delegacia especializada da PF em Campinas, que conduziu a investigação, a quadrilha tinha uma lista de caminhões que seriam alvo de crimes. A lista incluía veículos de marcas, modelos e anos específicos. Houve caso em que o roubo foi abortado porque, após a abordagem, se verificou que não se tratava de caminhão do modelo e ano encomendado.

A Operação Cacaria, termo que designa grupo de ladrões, mobilizou 140 policiais para cumprir 13 mandados de prisão temporária e 18 mandados de busca e apreensão expedidos pela 2ª Vara da Comarca de Itapecerica da Serra. Os mandados foram cumpridos em Osasco, Barueri, Guarulhos e São Paulo.

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Além dos autores diretos dos roubos, foram denunciados dois integrantes que atuavam como receptadores e distribuidores de peças dos veículos roubados e dois envolvidos na morte do caminhoneiro.

Operação Cacaria visa "desarticular associações criminosas voltadas a roubos violentos de cargas e caminhões", segundo a PRF. Foto: Portal GovBR/Divulgação

Sequência de crimes

Além do latrocínio em Itapecerica da Serra, as investigações apontaram indícios de participação dos suspeitos nos seguintes crimes:

  • 1- 24/01/2024 – Roubo em Juquitiba;
  • 2- 25/01/2024 – Roubo em São Lourenço da Serra;
  • 3- 09/02/2024 – Latrocínio em São Lourenço da Serra (corpo da vítima encontrado no Rodoanel em 12/02/2024);
  • 4- 19/02/2024 – Roubo em São Paulo;
  • 5- 21/03/2024 – Roubo em Juquitiba;
  • 6- 22/03/2024 – Roubo em Itapecerica da Serra;
  • 7- 27/03/2024 – Roubo em Juquitiba;
  • 8- 03/04/2024 – Roubo em Tatuí (interior de SP);
  • 9- 03/04/2024- Roubo em Sumaré (interior de SP);
  • 10- 11/04/2024 – Roubo em Itapecerica da Serra.

Queda este ano

Conforme a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, as polícias estaduais fazem constantes operações contra o roubo de cargas no Estado. No último dia 30, operação da Polícia Civil prendeu três integrantes de uma quadrilha que agia na Rodovia Anhanguera, entre a capital e Jundiaí. Em março, operação da Polícia Militar prendeu 11 suspeitos de roubos de cargas que agiam em bairros da zona sul da capital.

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Dados da SSP indicam queda no número de roubos de cargas no primeiro semestre no Estado, na comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 2.412 roubos de janeiro a junho, ante 3.058 no primeiro semestre de 2023.

O número deste ano é menor também que os de outros anos anteriores. Foram 3.022 registros em 2022 e 3.162 em 2021. Este ano, em comparação com 2023, houve queda nos roubos de cargas também na capital, de 1.409 para 1.148, e na Grande São Paulo (fora a capital), de 933 para 679.

Vigilância com câmeras

A Arteris Régis Bittencourt, concessionária responsável pela BR-116, informou que investe em dispositivos de tecnologia para segurança viária aos usuários, como iluminação, rádio comunicador e câmeras de monitoramento.

Atualmente, são 276 câmeras ao vivo, 24 horas por dia, entre São Paulo e Curitiba. As câmeras servem, inclusive, de apoio ao trabalho ostensivo da PRF, responsável pela segurança pública na rodovia.

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“Em ocorrências desse tipo, a PRF é imediatamente acionada para seguir até o local, coibir o ato criminoso e garantir a segurança das vítimas e dos colaboradores que realizam os atendimentos na pista”, disse, em nota. A concessionária informa ainda que não tem áreas de descanso para caminhoneiros sob sua gestão previstas em contrato.

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