Quando a Revolução de 1932 começou, o governo requisitou à Escola Politécnica de São Paulo e todos os seus laboratórios para constituir o Serviço de Engenharia da Força Pública, o exército paulista da época. O objetivo era um só: dedicação integral à produção de armas, munições e outros artefatos bélicos para equipar os combatentes constitucionalistas. Em 9 de julho daquele ano, o Estado de São Paulo entrou em guerra com o governo de Getúlio Vargas para exigir uma nova Constituição.
Com a dificuldade de obter matéria-prima por causa dos embargos federais, os engenheiros do Laboratório de Ensaios de Materiais (LEM) tiveram de usar a criatividade para desenvolver equipamentos que nem o Exército federal possuía. Um exemplo era o telescópio de trincheira – aparelho que possibilita ao soldado entrincheirado enxergar os arredores sem alçar a cabeça à borda da trincheira, expondo-se ao tiro inimigo.
Para fabricar granadas de mão e munição para artilharia, não se conseguia o trotil (elemento explosivo), o que levou os químicos a usarem o amonal, matéria-prima mais instável e propensa a acidentes. Assim, chegaram a ser produzidas, por dia, até três mil granadas de mão, conhecidas pelos soldados como “abacaxizinhos”, por causa do formato parecido com o da fruta.
Como o alcance médio da granada era de 30 metros, os técnicos desenvolveram um bocal para que fosse lançada com o uso de fuzil, passando a alcançar até 180 metros. Na época, a Revista Polytécnica registrou que essa arma “lançava o terror e o pânico” no exército inimigo.
A fábrica da Politécnica chegou a ter mil voluntários que, trabalhando em turnos, dia e noite, produziram 150 mil granadas. O laboratório instalou uma linha de montagem para produzir bombas para aviões, morteiros e projéteis de explosão por percussão, além da munição para fuzis e metralhadoras. Foi desenvolvida também uma bomba de fumaça para confundir a tropa adversária e um lança-chamas, capaz de atear fogo em blindados e trincheiras inimigas.
O Centro de Memória do IPT preserva exemplares de máscara contra gases, capacetes feitos com ligas leves, e mochilas anatômicas para dar mais conforto aos soldados, além de exemplares desativados do “abacaxizinho”.
Alguns desses produtos foram encaminhados para produção em fábricas do Estado, sob orientação do laboratório. “Para o entendimento da nossa história atual, é necessário conhecermos o nosso passado. E, para isso, a preservação de objetos tridimensionais, de documentos e imagens de fatos relevantes é fundamental”, diz a pesquisadora Mirian Cruxen Barros de Oliveira, responsável pela memória histórica do IPT.
Trens blindados cruzavam o Estado
Com respaldo da Politécnica, foram construídos os famosos trens blindados que cruzavam o Estado levando tropas, além de carros blindados mais leves, pesando apenas 4 toneladas, e até uma lancha blindada, o que exigiu o desenvolvimento de chapas metálicas mais leves e resistentes.
O prestígio da Politécnica por encabeçar a produção de material bélico levou a escola a ser considerada “encarregada da defesa do Estado” e rendeu um salvo conduto ao então diretor, Francisco Maffei, para transitar livremente pelas áreas conflagradas. Os documentos fazem parte do acervo.
Conforme a pesquisadora, o aumento nas atividades na época, aliado ao estreitamento do contato com as indústrias paulistas, levou à criação do IPT, em 1934, a partir do laboratório da Politécnica. “O legado deixado ao IPT pela sua participação na Revolução de 32 foi um grande desenvolvimento tecnológico”, diz.
“O IPT, que na época era Laboratório de Ensaio de Materiais (LEM), ainda vinculado à Escola Politécnica, passa a produzir armas e munições. Resolve, por exemplo, problemas técnicos com periscópios, elabora mapas detalhados das frentes de batalha”, acrescenta Mirian.
Segundo ela, todo esse conhecimento desenvolvido e acumulado nos poucos meses da revolução foram absorvidos pelas equipes técnicas do LEM e posteriormente usados para aquisição de novos conhecimento. Isso alavancou o desenvolvimento das inovações tecnológicas, que passaram a ser utilizadas nas várias áreas técnicas do Instituto.
“Dessa forma, o IPT passa a suprir a indústria paulista nas suas necessidades de inovação tecnológica, com atuação interdisciplinar, que é uma das marcas do IPT”, destaca.
Explosão de granada durante testes matou três e deixou dois mutilados
Durante a revolução, o Laboratório de Ensaios de Materiais da Politécnica foi palco de um evento trágico particular, em meio às tragédias diárias do conflito sangrento. A explosão de uma granada que estava sendo testada matou os engenheiros Douglas Mc Lean e Joaquim Bohn, e o estudante José Greff Rocha, deixando ainda mutilados o engenheiro Adriano Marchini, na época diretor do laboratório, e o voluntário Mário Bertacini.
O laboratório havia desenvolvido o novo modelo de granada, conhecido como “abacaxizinho” e, para instruir sobre o seu uso, criou a Escola de Granadeiros dentro da área da Politécnica. O local era utilizado também como campo de testes para os explosivos.
O acidente foi relatado mais tarde pelo engenheiro do IPT Miguel Siegel, responsável pelo laboratório de metalurgia, como uma imprudência. “Havia uma câmara onde a granada era colocada e o detonador era puxado por corda. O detonador não abriu. Marchini foi lá e puxou com a própria mão”, descreveu.
No acidente, Marchini perdeu totalmente a mão direita, o que, segundo Siegel, não abateu o engenheiro. Rapidamente o diretor aprendeu a fazer tudo com a mão esquerda. “Na Revolução de 32, no LEM, sob a orientação de Marchini, tínhamos de criar praticamente do nada e aprendemos muita coisa naquelas experiências. Percebemos que éramos capazes de executar praticamente tudo o que quiséssemos”, disse, já em 2002.
Sem a mão direita, Marchini continuou prestando serviços relevantes ao Estado, sendo considerado um dos principais criadores do IPT. Em 1939, tornou-se superintendente do Instituto. Foi também um dos responsáveis pela instalação da Cidade Universitária da USP no bairro do Butantã, na zona oeste de São Paulo.
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