Quem foram os jovens do MMDC, um dos símbolos da Revolução Constitucionalista de 1932

Mortes de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo no centro de São Paulo completam 90 anos nesta segunda; paulistas protestavam contra regime de Getúlio Vargas

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Foto do author José Maria Tomazela

SOROCABA - São Paulo relembrou no último dia 23 de maio os 90 anos do episódio que deu origem ao acrônimo MMDC, um dos símbolos da luta do Estado por uma Constituição. A sigla é formada pelos nomes dos quatro jovens paulistas que, nesta data em 1932, foram mortos, no centro da capital, em uma manifestação contra o governo de Getúlio Vargas, instalado em 1930. As mortes de Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antonio Américo de Camargo Andrade no confronto que deixou outros 10 feridos, desencadearam um clima de revolta que, em 9 de julho, eclodiu na Revolução de 32, a guerra paulista contra o regime de Vargas.

Capa do Suplemento Rotogravura de 25/8/1932 com os retratos dos estudantes Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antônio de Camargo Andrade, os primeiros a morrer pela causa constitucionalista Foto: Acervo/Estadão

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Um quinto nome se juntou à sigla original: outro jovem, Orlando de Oliveira Alvarenga, foi baleado no mesmo dia pelas forças leais a Getúlio, mas foi socorrido com vida e morreu no hospital, dois dias depois que a sigla MMDC já havia sido oficializada em decreto. Nesta segunda, integrantes a Sociedade Veteranos de 32 - MMDC, de São Paulo, realizaram duas solenidades no Monumento e Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932, abertas ao público. Símbolo da Revolução, o obelisco do mausoléu é o maior monumento da cidade de São Paulo, com 72 metros de altura.

Além dos restos mortais de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, o memorial abriga urnas mortuárias de outros 713 ex-combatentes. O jardim do obelisco se conecta com a Avenida 23 de Maio, que homenageia a data. Houve solenidades também em núcleos do MMDC em Campinas, Santos e Amparo.

A inclusão da inicial de Alvarenga no símbolo da Revolução dividiu historiadores. Em abril de 2002, o então governador Geraldo Alckmin (hoje no PSB) publicou decreto criando o Colar "Cruz do Alvarenga e dos Heróis Anônimos" para homenagear a quinta vítima do confronto. No ano seguinte, alegando a necessidade de "corrigir um erro histórico", a Assembleia Legislativa aprovou o projeto incluindo o "A" de Alvarenga na sigla MMDC. O projeto se tornou lei em 13 de janeiro de 2004, instituindo o "Dia dos Heróis MMDCA", a ser comemorado, anualmente, no dia 23 de maio.

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O MMDC deu nome ao Correio Militar que funcionou durante a revolução. De acordo com o pesquisador Reinaldo Macedo, o serviço de postagem foi criado para manter a correspondência circulando em São Paulo, já que o governo de Vargas isolou o Estado do serviço de Correios federal. Com selos próprios e franquia quando as cartas se dirigiam aos combatentes nas trincheiras, o Correio MMDC foi criado no dia 10 de julho e expediu a primeira mala postal no dia 14, levando 33 cartas para as cidades de São José do Rio Pardo e Igarapava. Até a criação de um grupo próprio de estafetas, as entregas eram feitas pelos próprios cidadãos, em seus veículos particulares. Para ele, o 23 de maio é uma data que não pode ser esquecida. "Foi o ponto de partida para a revolução, um acontecimento que afetou a vida de milhares de pessoas", afirmou.

Diferentemente do que muitos pensam, os mártires de 23 de maio não eram estudantes. Antônio Américo de Camargo Andrade, o Camargo, de 30 anos, era comerciário em São Paulo, mas procedia de família abastada de Amparo, no interior. Já Mário Martins de Almeida, 31, o Martins, vinha de uma família de fazendeiros em São Manuel, também no interior. Com 21 anos, Euclydes Bueno Miragaia, o primeiro "M" da sigla, era auxiliar de cartório na capital, embora tivesse nascido em São José dos Campos. O adolescente Dráusio Marcondes de Souza, de 14 anos, o "D" da sigla, trabalhava como ajudante de farmácia na cidade de São Paulo

Brasil vivia clima de insatisfação contra o governo

Em 1932, o Brasil vivia um período do regime de Vargas em que era governado de forma discricionária, sem uma Constituição Federal que delimitasse os poderes do presidente da República, já que não havia Congresso, Assembleia legislativa e Câmaras municipais. Conforme os historiadores, os Estados federados perderam grande parte da autonomia que tinham na vigência da Constituição de 1891, pois Vargas nomeava interventores leais ao seu regime. A situação de São Paulo nesse contexto era uma das mais críticas do País, dada a contínua e crescente insatisfação com a forma com que Vargas lidava politicamente com o Estado.

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Contrária à ditadura Vargas, a população paulista começou a protestar, o que resultou em uma série de manifestações iniciadas por aquela ocorrida na Praça da Sé em 25 de janeiro de 1932, no dia do aniversário da cidade, em que se aglomeraram cerca de 100 mil pessoas. Ao longo dos meses seguintes, a insatisfação popular se acentuou.

No dia 23 de maio de 1932, durante outra manifestação, um grupo tentou invadir a sede do Partido Popular Paulista (PPP), ex-Liga Revolucionária, um grupo político-militar fundado após a Revolução de 1930 e que dava sustentação ao regime de Vargas no Estado. A sede era na Rua Barão de Itapetininga, esquina com a Praça da República, no centro paulistano.

Os governistas da organização político-militar, se antecipando à provável invasão, resistiram por meio de armas e granadas, tão logo os manifestantes se postaram na frente do edifício. Após a fuzilaria, houve vários feridos e mortos, entre eles Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Os três primeiros morreram no local. Dráusio, que tinha apenas 14 anos, morreu cinco dias depois no hospital em virtude dos ferimentos. Já Orlando Alvarenga, também ferido, morreu em 12 de agosto, após quase três meses internado.

"É uma data importante para o movimento constitucionalista porque, embora antes já tivesse acontecido manifestações em São Paulo, o 23 de maio foi a primeira ação mais forte contra Getúlio, com a tentativa de tomada do prédio que abrigava o PPP (Partido Popular Populista). Com as explosões de granada e a morte desses paulistas, tivemos a gota d'água para encher o copo", destaca pesquisador Eric Lucian Apolinário, autor do livro Inverno Escarlate sobre os combates de 1932.

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Logo após o atentado, foi criada a sigla MMDC, representando uma organização civil clandestina que passou a conspirar para o levante contra a ditadura Vargas. Segundo Apolinário, o MMDC começou a ser organizado na manhã seguinte à morte dos quatro jovens. "A criação do MMDC é o início do movimento bélico em São Paulo. É quando o Estado começa a se preparar para a guerra. É importante que nós, paulistas, não deixemos a data cair no esquecimento." Após o início da revolução, em 9 de julho de 1932, o MMDC passou a fazer o recrutamento de voluntários para os combates, além de treinamento militar e arrecadação de fundos para custear o conflito.

Inquérito foi recuperado em 2013

Em junho de 2013, o inquérito policial aberto ainda no dia do atentado foi recuperado por pesquisadores do museu do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e colocado à disposição para o público. O documento é o exame mais detalhado sobre o evento, apresentando a identidade dos feridos e dos mortos, o exame do corpo de delito das vítimas, e vários depoimentos de testemunhas oculares. A autópsia de Mário Martins de Almeida, por exemplo, constatou que o seu corpo recebeu múltiplas perfurações por projéteis de arma de fogo em trajetória diagonal, indicando que ele foi alvejado por disparos de uma posição superior. Além disso, sofreu várias perfurações no corpo e no rosto por estilhaços de granadas de mão.

As testemunhas narram que, entre as 22h30 e 23 h do dia 23 de maio de 1932, após um comício exaltado, uma massa popular com cerca de 300 pessoas se encaminhou para a sede do Partido Popular Paulista (PPP), ex-Legião Revolucionária, que dava apoio político-militar à ditadura Vargas, com o objetivo de "empastelar" o prédio. Após terem se aglomerado no local, e precisamente no momento em que chegava um caminhão do corpo de bombeiros, os manifestantes foram fuzilados a esmo por soldados posicionados nas janelas daquele edifício.

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Entre os nomes dos feridos que constam no inquérito estão o de Sebastião Vergueiro dos Santos, Sebastião Alves de Oliveira, Orlando de Oliveira Alvarenga, Dráusio Marcondes de Sousa, Francisco Antonio Valente, Moacyr de Oliveira, João Baptista de Oliveira Filho, Manoel Jacinto Lessa, Emilio Almeida Bessa, Mario Rodrigues, Ignácio Cruz, Domingos Nobrega Filho, e dos três mortos Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia e Antônio Camargo de Andrade (Drausio morreu cinco dias depois e Orlando Alvarenga morreu 3 meses após ser ferido). Os feridos sofreram múltiplas lesões e dilaceramentos por conta dos projéteis de arma de fogo e de estilhaços de granadas de mão.

O depoente Sebastião Alves de Oliveira, ferido na manifestação, embora tenha declarado não ter feito parte dela, disse que muitas pessoas na multidão estariam armadas naquela ocasião, algo que ele também presumiu, já que na época era comum o porte de arma. Ele afirmou que os primeiros tiros partiram dos soldados de dentro do edifício da Barão de Itapetininga. Exceto pela fuzilaria dos soldados, Sebastião e as demais testemunhas não confirmaram terem visto troca de tiros de parte a parte, isto é, um confronto armado entre a multidão e os soldados do PPP. Também disseram que não houve disparosdos manifestantes em direção ao edifício, considerando a hipótese de um possível assalto armado ao prédio pelos manifestantes ou mesmo uma reação à fuzilaria inicial dos soldados.

Dráusio Marcondes de Sousa, apesar de internado com gravidade, conseguiu prestar um depoimento aos investigadores, em que afirmou ter ouvido muitos disparos, mas não soube precisar de que direções vinham. Ele passou por cirurgia para contenção da hemorragia na região do abdômen onde foi alvejado, mas morreu na madrugada de 28 de maio de 1932 por uma peritonite traumática.

O inquérito policial revelou que a 2.ª Região Militar do Exército Brasileiro, sediada em São Paulo, tinha em seus arquivos a lista precisa de pessoas que se encontravam dentro do prédio do PPP na ocasião do episódio de 23 de maio. Contudo, o documento foi negado pelos militares aos investigadores, tampouco foi autorizado o depoimento de pessoas ligadas à organização, mesmo nos anos subsequentes à Revolução Constitucionalista.

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Os investigadores também não puderam descobrir se houve feridos entre as pessoas que se encontravam naquele prédio, seja devido a supostos disparos vindos da multidão ou por agressões físicas. Tampouco constataram a presença de marcas de disparos nas paredes externas do prédio sede do PPP. Houve apenas a informação de que no térreo do prédio, na calçada em frente, havia um pequeno incêndio sobre entulhos feito pelos primeiros manifestantes que chegaram ao local na tentativa de invasão do prédio.

A investigação ficou paralisada entre 1936 e novembro de 1954, data em que foi encerrada definitivamente sem quaisquer atribuições de responsabilidades pelo ocorrido, por conta da prescrição de crimes prevista no art. 85 do Código Penal vigente naquela data.

Episódio do Estadão Notícias relembra cobertura do jornal da Revolução de 1932