SOROCABA – Depois de três meses sem chuva volumosa, 1,3 milhão de pessoas em 16 cidades já enfrentam racionamento de água no interior de São Paulo. No início de agosto, apenas seis estavam nessa situação, o que mostra o agravamento da estiagem na região. Três cidades com rodízio no abastecimento estão entre as maiores do interior, com população próxima de 400 mil habitantes. Conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o volume de chuvas em São Paulo, de setembro a novembro, será entre 10 milímetros e 50 mm abaixo da média, podendo chegar a menos 100 mm em algumas cidades.
Em Franca, o rodízio começou no último dia 2 e vai até 17 de setembro. Na cidade, de 358.539 habitantes, 140 mil ligações de água serão afetadas. Cada região ficará três dias com abastecimento e um sem água.
Conforme a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), responsável pelo abastecimento da cidade, a medida foi adotada em virtude da severa estiagem que atinge grande parte do País. Segundo a empresa, em outros 374 municípios que atende no Estado, o abastecimento está normal para esta época do ano, “ainda que haja diminuição do nível dos mananciais”. Em algumas cidades, a empresa vem adotando captações emergenciais.
Morador de Franca, o dentista Luciano Barbosa lamentou que o racionamento tenha sido adotado em um momento em que a água se faz mais necessária para a higiene pessoal, por causa da pandemia. “Fácil cortar a água e aumentar o preço. A culpa é também da falta de chuva, mas a Sabesp sabe há muito tempo que o abastecimento de água da cidade está no limite, mais ainda nessa estiagem. No entanto, a obra de captação do Rio Sapucaí, que poderia contribuir no abastecimento, está parada”, disse.
Sobre a captação no Rio Sapucaí Mirim, questionada pelo morador de Franca, a Sabesp informou que a previsão inicial era que os trabalhos fossem concluídos em 2017, mas a empresa contratada abandonou a obra. Após decisão da Justiça, a companhia fez nova licitação em 2019 e os serviços estão em andamento. O sistema, com conclusão prevista para 2022, vai elevar a produção de água tratada de Franca de 1.000 litros por segundo para 1.800.
Em São José do Rio Preto, com 469.173 moradores, cerca de 100 mil convivem com o racionamento desde abril deste ano. O abastecimento é interrompido diariamente das 13 às 20 horas. A cidade não registra chuvas significativas há mais de três meses. Em Bauru, com 381.706, uma parcela de 35% da população abastecida pela captação no Rio Batalha tem o fornecimento de água dia sim, dia não. Para amenizar o impacto da estiagem, a prefeitura está investindo na perfuração de poços.
Outras quatro cidades com população acima de 100 mil habitantes estão sob os efeitos da crise hídrica. Em Valinhos (133.169 pessoas), o rodízio foi adotado no último dia 27, com a interrupção do serviço de abastecimento por 18 horas em dois dias da semana. Conforme a prefeitura, a medida se tornou necessária devido à estiagem e à falta de outros mananciais para abastecimento.
Na cidade de Itu (177.150 habitantes), o rodízio no abastecimento foi ampliado no dia 20 de agosto, devido à queda no nível dos seis mananciais que abastecem a cidade. As casas recebem água dia sim e dois dias não. Em Catanduva (123.114 moradores), a captação de água está sendo reduzida em 20% para evitar a necessidade de um racionamento mais drástico. Segundo o município, mesmo com a redução no volume disponível, mas não há desabastecimento. Campanhas em redes sociais pedem à população que economize água.
No município de Salto (118.663 habitantes), os moradores têm 36 horas de abastecimento e ficam 12 horas sem água nas torneiras. O baixo nível dos rios causou também um desastre ambiental na cidade. De acordo com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, na semana passada as águas do rio Tietê, que corta a região central, ficaram escuras e mais poluídas devido à abertura de comportas na barragem de Pirapora do Bom Jesus, na Grande São Paulo. Com isso, os peixes do Tietê se refugiaram no Ribeirão Guaraú, um afluente. Como o córrego está quase sem água devido à estiagem, milhares de animais morreram por falta de oxigênio – foi recolhida mais de uma tonelada de peixes mortos.
Água de pedreira
A falta de água afeta também cidades de menor porte. Em Araçoiaba da Serra, o serviço de saneamento faz captação de água em uma pedreira desativada para manter o atendimento em rodízio aos 34 mil moradores. A cada dia, metade da cidade é abastecida e a outra fica sem água. Em Tietê, a interrupção do abastecimento no chamado ‘racionamento experimental’ acontece todas as noites, das 22 horas às 6 da manhã.
Mesmo sendo abastecida por poços perfurados no aquífero Bauru, a cidade de Cedral, de 9,3 mil habitantes, entrou em racionamento no último dia 26 para não ficar sem água. De acordo com a coordenadora municipal de obras, Leiriane Vieira, os poços estão com níveis críticos. O abastecimento é interrompido todo dia, das 13 às 17 horas.
Suzanápolis, também abastecida por poços, adotou o racionamento no dia 16 de agosto. “A decisão foi tomada depois de constatada expressiva queda no volume de chuvas este ano e o baixo nível de água potável nos cinco poços que abastecem a cidade”, informou a prefeitura. Em Rio das Pedras, com as represas de captação quase secas, o abastecimento é interrompido todo dia das 5 às 18 horas.
A prefeitura de São José da Bela Vista decretou situação de emergência e adotou racionamento devido à crise hídrica. Morador flagrado desperdiçando água é multado em R$ 145,50. “A represa do Jaguarão que nos abastece está com nível extremamente baixo, o que vem prejudicando o abastecimento. Se não controlarmos o consumo agora, em outubro e novembro pode ser pior”, disse o secretário de Obras, Rodolfo Canesin.
As cidades de Mirandópolis, Uchoa e Santa Fé do Sul também precisaram restringir o fornecimento de água aos moradores. Outras cidades do interior não adotaram rodízio, mas já sofrem com a pouca água nos mananciais. Em Marília, nos períodos de maior consumo, falta água em bairros da zona norte. Ourinhos, Garça e Lençóis Paulista estão multando o desperdício.
Cantareira
O volume útil do Sistema Cantareira, que abastece grande parte da Região Metropolitana de São Paulo, chegou a 35,5% nesta quarta-feira, 8. No dia 11 de agosto, quando o sistema entrou em estado de alerta, o nível era de 39,9%. A Sabesp informou que não há risco de desabastecimento neste momento, mas reforçou a necessidade do uso consciente da água. Segundo a companhia, o sistema que abastece a região metropolitana é integrado e flexível, permitindo transferências de água entre as regiões. Esse sistema integrado operava com 43,3% da capacidade nesta sexta, nível semelhante ao de 2018, quando não houve falta de água.
Outros Estados
No Paraná, 18 cidades estão com racionamento devido à estiagem. Na região metropolitana de Curitiba, além da capital, o rodízio foi adotado em Araucária, Almirante Tamandaré, Bocaiúva do Sul, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Fazenda Rio Grande, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, São José dos Pinhais e Tijucas do Sul. No interior, há racionamento em Pranchita, Santo Antônio do Sudoeste, Jardim Alegre e Jandaia do Sul.
Em Mato Grosso do Sul, a Sanesul, empresa estatal de saneamento, emitiu alertas para o risco de faltar água em 24 cidades. Em cinco – Coxim, Corumbá, Caracol, Amambai e Ladário – já foram adotadas restrições no fornecimento. Em Minas Gerais, estão com racionamento as cidades de Urucania (distrito de Bom Jesus dos Cardosos) e Bugre. Em Mato Grosso, a falta d' água levou à redução da captação em Várzea Grande, enquanto em Tangará da Serra o racionamento está em vigor desde o dia 18 de agosto.
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