Cinco meses após ser suspenso, o edital para a instalação de 20 mil câmeras e tecnologia de reconhecimento facial na cidade de São Paulo foi retomado pela Prefeitura. O conteúdo do programa Smart Sampa foi parcialmente modificado após uma série de críticas por determinar o emprego de instrumentos para identificar a cor de pele e a “vadiagem”, assim como o número de equipamentos com biometria facial dobrou de 500 para mil. O resultado do pregão é previsto para 23 de maio.
O uso de reconhecimento facial é contestado em diferentes partes do País e no exterior, principalmente pelo o que organizações chamam de uma violação a direitos individuais e também pelo histórico de falsos positivos, principalmente envolvendo pessoas negras. O custo anual estimado de todo o programa é de R$ 70 milhões anuais, mas será selecionada a empresa que fizer a menor oferta.
A tramitação do edital foi liberada no fim de abril pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). A gestão Ricardo Nunes (MDB) tem argumentado que o programa dará mais agilidade ao atendimento de ocorrências pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) e outros órgãos de segurança, inclusive estaduais.
O total de 20 mil é programado para ser alcançado até 2024, às vésperas das eleições municipais, nas quais Nunes deve buscar a reeleição. A instalação está no Programa de Metas da Prefeitura, que cumpriu apenas 13 das então 77 metas até o ano passado.
Do total, 2,5 mil câmeras serão distribuídas pelo centro, região que vive um aumento de casos de furtos e roubos. O programa inclui também 3 mil unidades com capacidade de leitura de placas, além de modelos com outras funcionalidades.
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A previsão é de que a central de monitoramento do Smart Sampa seja provisoriamente instalada na sede da Prefeitura, no Viaduto do Chá. Posteriormente, os planos da gestão Nunes é transferir o espaço para o Palácio dos Correios, no Vale do Anhangabaú, cuja proposta de concessão por 100 anos está em negociação com a União. O programa irá operar com uma série de bancos de dados, inclusive de órgãos de segurança estaduais e federais.
A instalação das câmeras será feita de forma paulatina. Nos primeiros dois meses, por exemplo, serão 200 novos equipamentos do tipo na cidade. O edital prevê que aos 200 equipamentos cheguem a cada uma das subprefeituras da cidade, principalmente no entorno de equipamentos municipais, como escolas, parques e unidades de saúde, e áreas de grande circulação.
O edital também prevê a integração do sistema a 20 mil câmeras privadas instaladas na cidade, de concessionárias, empresas e da população em geral. No caso do reconhecimento facial, está previsto que as imagens de rostos possam ser arquivadas, com data, horário e endereço, inclusive com a detecção de faces parcialmente cobertas (como por óculos e barba, por exemplo). Outra funcionalidade é o rastreamento de pessoas consideradas suspeitas, com o monitoramento de movimentos e atividades, a partir de diferentes tipos de características, como cor da roupa e forma física.
Após as críticas, o edital passou a incluir dois novos anexos, com uma política de segurança da informação e um relatório sobre o impacto de proteção de dados. Segundo a Prefeitura, a intenção é “eliminar dúvidas existentes, suprimir possíveis riscos, garantir a segurança dos dados e apresentar diretrizes éticas para assegurar equidade e imparcialidade, evitando qualquer possível discriminação, preconceito ou violação dos direitos individuais no uso da tecnologia”.
O Município destacou que, diferentemente de outras cidades, adotará um protocolo mais rígido de aplicação de reconhecimento facial. Dessa forma, apenas detecções com 90% de paridade serão consideradas, enquanto as demais serão automaticamente descartadas. Além disso, há a promessa que todos os alertas serão analisados por um agente treinado e capacitado.
O programa é inspirado em exemplos dos Estados Unidos, como Chicago e Dallas. No Brasil e no exterior, há diversos casos de pessoas inocentes erroneamente detidas após erros em sistemas de reconhecimento facial, o que motivou o banimento da tecnologia em algumas cidades, com o São Francisco e Portland.
Introduzida no País especialmente para a Copa do Mundo, a Olimpíada e outros eventos de grande porte há quase uma década, o reconhecimento facial está em uma segunda onda de difusão nos últimos três anos. Incentivos do governo Jair Bolsonaro (PL), o fortalecimento da segurança pública na agenda política, esforços de empresas do setor e até a pandemia da covid-19 estão entre os motivos apontados por especialistas ouvidos pelo Estadão.
Parte dos especialistas em direito digital e organizações entrevistadas pelo Estadão após o lançamento do programa defenderam o banimento da tecnologia no País. Também há aqueles que defendem a aplicação responsável da biometria facial, chamam as críticas de “ludismo” e citam que em caso de eventuais problemas, deve haver o aprimoramento e não a suspensão do uso. Propostas semelhantes foram suspensas nos últimos anos pela pela Justiça de São Paulo, como uma aplicada no Metrô paulistano e da concessionária da Linha 4-Amarela, que tinha o viés comercial.
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