Há tempos não se falava tanto de Gregori Warchavchik em São Paulo. O pioneiro da arquitetura modernista no País é celebrado em exposição no Itaú Cultural, na Casa Modernista e no Museu Lasar Segall, enquanto tem o futuro de uma das suas principais obras discutido por um dos clubes mais tradicionais da capital.
A discussão é centrada no salão de festas do Esporte Clube Pinheiros (ECP), cujo projeto original (dos anos 50) é assinado por Warchavchik. A diretoria divulgou este mês novo plano arquitetônico para o espaço, modificando as características atuais, o que é criticado por parte dos associados e por especialistas da área de patrimônio histórico-arquitetônico.
Um abaixo-assinado online reúne ao menos 896 assinaturas contrárias ao novo projeto. “Preservar uma obra considerada patrimônio arquitetônico não é uma questão de gosto ou vertente política. É questão de preservação de aspectos da vida em sociedade”, diz o texto. A mudança também será criticada em uma exposição, prevista para o próximo mês.
As críticas não são de hoje: um movimento reivindica a conservação do salão ao menos desde 2014. Um pedido de tombamento chegou a ser aprovado no ano passado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), que voltou atrás após três meses e mudanças na relatoria.
O ECP foi contrário ao tombamento, alegando que o salão está descaracterizado, pois o pórtico principal foi demolido na expansão da Avenida Faria Lima. Já os que defendem a preservação consideram que o espaço ainda mantém grande parte das características originais.
“Passei minha infância vendo aquele prédio, o salão sempre foi maravilhoso. É uma pena você destruir a história”, lamenta o economista Michel Neumark, de 71 anos, sócio do clube. “ Mesmo que tenha perdido uma parte, mantém a estética. É uma obra de arte.”
Ele foi o único sócio contrário ao projeto que permitiu divulgar o nome nesta reportagem. Os demais contatados feitos pelo Estado aceitaram falar apenas sob anonimato, com receio de perderem o título de associados. Um deles disse que estuda entrar com ação judicial para barrar a mudança. Nas redes sociais, eles chegaram a publicar vídeos e comentários críticos ao projeto.
O Estado procurou o clube, que encaminhou apenas texto publicado na revista institucional. Segundo a publicação, o projeto é dos escritórios Biselli/Katchborian e Zanatta e Figueiredo e “propõe modernizar” o salão, “preservando e resgatando os aspectos históricos” da construção. “A versatilidade é a marca do projeto e o salão de festas será cenário para festas, formaturas, apresentações musicais, tornando-se um espaço multiúso de qualidade internacional, para a programação interna e externa”, aponta o texto.
Alternativa
“O problema aqui não é em relação à qualidade do projeto proposto, que parece ser bom, mas sim em relação à perda de um dos poucos projetos de vulto remanescentes de Warchavchik”, diz o arquiteto Carlos Eduardo Warchavchik, neto do idealizador do salão. Para ele, que apoiou o tombamento do espaço, uma “grande reforma interna” poderia atender às demandas do clube. “Se agora há dúvidas quanto à relevância da preservação da obra, em 20 ou 40 anos tenho certeza que essa preservação jamais seria questionada. A distância temporal valoriza a importância daquilo que ficou preservado no tempo.”
Uma das curadoras da mostra Ocupação Gregori Warchavchik, Silvia Segall defende um restauro que valorize as características originais do salão. “Não importa quão bem resolvido seja esse projeto (do clube), ele se torna pequeno a medida que opta por não respeitar a nossa história. Nossa cultura tem que ser preservada pois é ela que nos dignifica.”
Ela ressalta que Warchavchik é uma referência até fora do País, de quem Oscar Niemeyer foi estagiário. “Em um País que é conhecido internacionalmente por sua arquitetura moderna, como não valorizar seu precursor?”
Para o arquiteto Fernando Vazquez, por sua vez, o projeto do clube não tem “valor cultural”, enquanto o atual salão não pode ser visto como descaracterizado. “Já se passaram 50 anos nessa situação. O edifício mantém essas características, é algo que a própria história do clube e da cidade já tem marcado.”
Coordenador do Comitê Internacional para Documentação e Conservação de Edifícios, Locais e Bairros do Movimento Moderno (Docomomo) em São Paulo, Vazquez chama a obra de “requintada”. “Tem uma espacialidade centralizada, que é raro no movimento moderno, em que, em geral, as coisas são mais quadradas.
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