Em julho de 2024, Alicia Dudy Muller Veiga foi condenada a cinco anos de prisão por desviar R$ 927 mil da festa de formatura da sua turma de Medicina na Universidade de São Paulo (USP). O caso veio à tona em janeiro de 2023, após colegas de turma registrarem boletim de ocorrência contra ela, que era presidente da comissão de formatura.
Como mostrou o Estadão, mesmo condenada a cumprir pena em regime semiaberto, ela terminou a faculdade e conseguiu o registro no Conselho Federal de Medicina (CFM) como médica em dezembro de 2024- a Lei não impede condenados de estudar, se formar no ensino superior e trabalhar.

No site do CFM, a informação disponível é de que médicos recém formados devem apenas apresentar um diploma válido e o seu nome na lista de colação de uma turma de faculdade reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) para obter o primeiro registro como médico.
A defesa de Alicia negou, na época da condenação, que ela tenha cometido crime de estelionato. Também afirmou que iria recorrer da decisão. Após a veiculação de notícias sobre ela ter conseguido o registro do CFM, o advogado Sergio Ricardo Stocco Giolo reforçou, em nota, o “direito ao esquecimento”.
O advogado também disse que Alicia não deve ser submetida a “linchamento público contínuo” e que a “insistência na divulgação de informações antigas” impede “a reintegração social”.
O Estadão procurou o Tribunal de Justiça de São Paulo para saber se houve pedido de revisão da condenação por estelionato, mas foi informado de que o caso tramita em segredo de justiça e, por isso, as informações não podem ser divulgadas pelo Tribunal.
Tramita na Justiça, ainda, um segundo processo, sobre Alicia ter dado um golpe em uma lotérica da zona sul de São Paulo - este ainda não foi julgado. A suspeita é de que ela teria usado o dinheiro da comissão de formatura para fazer apostas e, em uma delas, ela teria deixado de pagar o valor integral da aposta.
Golpe em colegas e casa lotérica
Em janeiro de 2023, estudantes de Medicina da USP abriram um boletim de ocorrência contra a colega de turma e presidente da comissão de formatura Alicia Dudy Muller Veiga. As investigações apontaram que a então estudante usava o dinheiro levantado para a festa em proveito próprio, para a compra de celular, relógio, aluguel de carros e gastos com aluguel de apartamento.
A polícia percebeu a melhora do padrão de vida da jovem em pouco tempo e a denúncia por estelionato contra Alicia foi feita pelo Ministério Público em março de 2023. O documento, assinado na época pelo promotor Fabiano Pavan Severiano, afirma que a jovem teria praticado estelionato por oito vezes e tentado em uma nona oportunidade, que não chegou a ser concretizada.
A quantidade de crimes praticados pela jovem se refere ao número de ocasiões em que ela teria pedido à empresa contratada para organizar a festa para transferir o montante da conta bancária da comissão para a sua particular. Os repasses teriam começado em novembro de 2021 e se estendido ao longo de 2022 em outras sete ocasiões.
Os oito pedidos totalizaram a transferência de R$ 927.765,33 para as contas de Alicia. Ela teria tentado uma nova transferência em janeiro de 2023, mas a empresa, já ciente da situação por colegas da turma, não efetuou o que seria o nono repasse.
Ainda em janeiro de 2023, Alicia teria admitido aos colegas de turma ter perdido o dinheiro arrecadado pela comissão. Primeiro, disse que tinha investido o dinheiro e sido vítima de um golpe praticado por uma empresa de investimentos.
Dias depois, após o episódio tornar-se público e os colegas registrarem boletim de ocorrência, ela admitiu, em depoimento à Polícia Civil, que usou os valores acumulados no fundo da formatura para gastos pessoais e apostas em casas lotéricas para tentar, sem sucesso, reaver o dinheiro perdido.
O juiz Eduardo Balbone Costa, da 7ª Vara Criminal da Capital, que assina a decisão por estelionato contra os colegas de turma, diz que a então estudante de medicina da USP se prevaleceu da sua condição de presidente da comissão de formatura “para engendrar um plano” para apossar o dinheiro arrecadado ao longo de meses “a fim de obter lucro para si com a aplicação especulativa daquele capital”.
Em nota, a defesa de Alicia afirmou na época que recorreria da decisão por entender que a estudante não praticou o crime de estelionato. Não há confirmação sobre isso ter sido feito, de fato, ou não.
“Entendemos que a respeitável decisão desconsiderou as provas de inocência apresentadas pela defesa de Alicia, como o exame dos depoimentos prestados no curso da ação penal; das inúmeras mensagens eletrônicas trocadas entre os membros da comissão de formatura; e pelo cerceamento de defesa em razão do juízo não ter permitido a realização de prova tempestivamente requerida”, afirmou o advogado de Alicia na ocasião.
O Ministério Público de São Paulo também acusa Alicia por suspeita de lavagem de dinheiro e estelionato em relação às apostas que ela fez em uma casa lotérica da zona sul de São Paulo. De acordo com depoimento do gerente da lotérica, Alicia teria afirmado que faria o pagamento das apostas por meio de transferência PIX.
O valor das apostas teria sido de R$ 193,8 mil, mas o gerente percebeu depois que Alicia havia feito apenas um agendamento da quantia, e não o pagamento de fato. Antes, ela já havia gasto mais de R$ 400 mil em apostas. A Polícia Civil acredita que o dinheiro usado seria o da comissão de formatura.