Roubos de veículo cresceram em bairros da periferia da cidade de São Paulo em 2023 na comparação com os registros do ano anterior, segundo estatísticas divulgadas pela Secretaria da Segurança Pública do Estado neste mês. A dinâmica é distinta dos roubos convencionais, como os cometidos contra pedestres e comércios, cuja alta se concentrou em bairros como Morumbi e Itaim Bibi, como mostrou reportagem do Estadão.
Os dados no Estado mostram queda de 9% no roubo de veículos na capital – foram 14.983 roubos de veículos no ano passado, ante 16.480 em 2022. A distribuição dos roubos, no entanto, não se dá de forma homogênea. Os registros mostram que os veículos são mais roubados em bairros periféricos da zona sul, enquanto no centro a tendência observada foi de queda.
Os dados por delegacia de Polícia da capital mostram que as três maiores quedas de roubos de veículos aconteceram no centro expandido: Consolação (-50%), Vila Mariana (-45%) e Santa Cecília (-50%). Já as maiores altas foram em bairros periféricos na zona sul: Parelheiros (62%), Campo Grande (55%) e Cidade Dutra (53%).
Agentes da Polícia Civil acreditam que a proximidade dos desmanches, em especial os ilegais, é um fator que leva a uma preferência dos ladrões por roubar veículos na periferia. Isso porque, com os sistemas de monitoramento de veículos, levar um carro roubado do centro até o desmanche, na periferia, aumenta o risco de captura.
No mesmo sentido, o Atlas da Dinâmica Criminal em São Paulo, resultado de um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos de Violência da USP (NEV-USP) em 2021, aponta os programas de identificação de placas de veículos implementados na última década na capital, com mais câmeras em vias e investimento em inteligência, como um dos motivos para a diminuição desse tipo de roubo.
“Houve também um investimento em tecnologia e em monitoramento muito forte de segurança privada, das próprias seguradoras de veículos. Melhores sistemas de alarme e de rastreamento. Essas tecnologias vão inibindo o crime e melhorando (a segurança)”, diz o sociólogo Leonardo Ostronoff, pesquisador do NEV-USP, em uma publicação do Núcleo sobre o tema.
Ao Estadão, o coordenador do NEV-USP, Marcelo Batista Nery, disse também que “as rotas de saídas da cidade de São Paulo são um dos elementos importantes para tentar entender como a dinâmica desses roubos acontecem”. “Se os roubos a transeuntes têm na sua dinâmica o grande fluxo de pessoas como um elemento fundamental, quando você pensa no roubo de veículos, você tem que pensar na estrutura rodoviária, principalmente aquela que dá acesso à entrada e saída da cidade de São Paulo.”
Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entende que a queda de roubos de veículos na capital também está relacionada com a sofisticação e popularização de outro bem visado pelos criminosos: os smartphones. “Por que se arriscar a roubar um veículo, que é mais fácil de ser detectado, mais difícil de colocar no mercado e que provoca uma atenção maior da polícia, se você pode roubar um celular?”, diz.
O especialista explica que o valor do celular hoje no mercado ilegal não é tão menor que o de um veículo — a depender do modelo. “Roubar um carro corresponde a três, quatro celulares”, afirma. “O ladrão se especializa naquilo que existe. Na região central, por exemplo, o que mais se furta é celular. Há receptadores em tudo quanto é canto. Isso é um motivo para cair (os roubos de veículos)”.
Para Mingardi, porém, não é possível definir as razões que levam ao aumento deste tipo de crime especificamente na periferia da zona sul da capital paulista. “É necessário analisar as características geográficas e populacionais da região”, diz. Ele menciona que, por se tratar de uma área mais ampla e expandida, pode haver uma diminuição na concentração de câmeras de monitoramento e uma maior dificuldade de acesso dos policiais a todos os locais desta parte da cidade.
“Como a região sul é muito grande, é possível que existam mais lugares para abandonar carcaça de carros roubados ou, talvez, a presença de uma ou duas quadrilhas que descobriram uma metodologia nova (de roubo) e estão aplicando nessa região”, afirma. “Há menos câmeras, o acesso da polícia é mais dificultado. Então, existem características geográficas que podem facilitar o roubo e furto de carros ali. Mas não é possível cravar os motivos (que explicam esse aumento)”.
Lei dos Desmanches ajudou a diminuir o roubo de veículos, mas colocou os mais antigos no alvo
Em junho, o Estadão já tinha mostrado, em uma reportagem sobre o perfil de roubos de veículos em São Paulo, que a Lei dos Desmanches, em vigor desde 2014, tem ajudado a diminuir o número total de roubos de veículos ano a ano, especialmente entre os seminovos (veículos com menos de 3 anos de fabricação). A norma exige que estabelecimentos de revenda de componentes, como desmanches, tenham registro no Detran-SP e sejam responsáveis pelas peças adquiridas.
“Não é o mercado inteiro que se legaliza. O mercado de mais alta renda, dos carros mais nobres e dos modelos mais caros, tende a ser o mercado mais legalizado. Desses carros um pouco mais antigos, a gente continua tendo um mercado ilegal, que se vale dessas peças de veículos que foram subtraídos originalmente”, explicou Helena Lobo da Costa, professora de Direito Penal da USP, na ocasião.
Baseada em dados detalhados da Polícia Civil de 2003 a 2022, a reportagem apontou que os roubos de veículos usados (com mais de 3 anos de fabricação) aumentaram desde a mudança na legislação estadual. E a zona sul, que historicamente concentra a maioria dos casos de roubos de veículos usados, pode ter ganhado destaque nos dados de 2023 justamente por isso.
O levantamento feito pelo Estadão no final do ano passado mostrou, ainda, que motocicletas são mais roubadas que carros. As motos são aproximadamente 12% da frota estadual, mas equivalem a 34% dos veículos roubados na série histórica de 2003 a 2022. Já os carros são cerca de 66% dos veículos do Estado, mas 58% dos roubados.
Medidas
Questionada pelo Estadão sobre os dados de 2023, a Secretaria de Segurança Pública informou que as policias monitoram os índices de criminalidade em todas regiões da capital e do Estado e “quando identificado uma região com maiores registros de crimes patrimoniais ou contra a vida, são adotadas medidas como o aumento de efetivo policial ou o remanejamento de recursos, de acordo com a estratégia operacional mais adequada para lidar com o problema em questão.”
De acordo com a pasta, ao longo de 2023, 39.140 infratores foram presos ou apreendidos, e 2.438 armas de fogo foram retiradas das ruas, “enfraquecendo as atividades ilícitas em São Paulo”. “A pasta reafirma seu compromisso com a segurança da população, concentrando seus esforços no enfrentamento de diversas formas de criminalidade que afetam diretamente o bem-estar dos cidadãos paulistas.” /COLABOROU CAIO POSSATI
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