Santos faz obras para criar seu ‘Puerto Madero’; veja o que muda

Plano inclui recuperar bens tombados pelo patrimônio histórico, novo terminal turístico na área do porto e retrofits; intervenção incomoda moradores, mas prefeitura diz que transtorno é temporário

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Foto do author José Maria Tomazela
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Quem vai ao Museu Pelé e passa pelo centro histórico de Santos, no litoral de São Paulo, percebe intensa movimentação de trabalhadores em um conjunto de obras que se estende do cais velho do porto às proximidades do mercado municipal. Um grande projeto de revitalização prevê transformar a região, que foi abandonada pelos moradores e se tornou decadente, em uma área com atividades turísticas, culturais e gastronômicas.

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A ideia é buscar uma configuração que lembra a de Puerto Madero, um dos bairros mais elegantes de Buenos Aires. Com verbas públicas e da iniciativa privada, o plano inclui recuperar bens tombados pelo patrimônio histórico, construir um terminal turístico na área do porto e retrofits – edifícios antigos reformados e modernizados, com a preservação das fachadas.

Ruas, avenidas e praças estão mudando de cara com obras de drenagem, urbanização e paisagismo. O objetivo é criar atrativos para trazer de volta a população, o comércio e os turistas para o centro de Santos.

Orla deverá ser transformada para atrair pessoas para caminhadas, pesca, comércio e atividades culturais  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Para incentivar a mudança, a gestão municipal enviou à Câmara um projeto de lei criando o programa Casa Santista, que dá subsídio para famílias de baixa renda, servidores municipais e movimentos pró-moradia interessados em adquirir apartamentos na região central.

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O empreendedor que investir em imóveis com essa finalidade no centro terá isenção de impostos municipais, como o IPTU e o tributo que incide sobre a transmissão de bens imóveis.

A 1ª fase do futuro Parque Valongo, o ‘waterfront’ idealizado pela prefeitura, será inaugurada em 30 de junho. No urbanismo, waterfronts são orlas urbanas transformadas em espaços públicos dinâmicos, que atraem pessoas para caminhadas, pesca, comércio e atividades culturais.

Há quatro armazéns, que somam um quilômetro de extensão. Esses imóveis, que o Porto de Santos deixou de usar, foram cedidos ao município. O primeiro a ser inaugurado, com 2,5 mil m², será um espaço para abrigar restaurantes, lojas de artesanato e eventos. A ideia é ter em julho o primeiro grande evento, uma festa de inverno.

De janeiro a março, 2,3 milhões de visitantes usaram a rede hoteleira ou equipamentos públicos com registro, além de 900 mil que embarcaram ou desembarcaram de navios turísticos – o maior número em dez anos.

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“Nossa aposta é que esse número vai crescer muito com a mudança de perfil que queremos para o centro. Hoje o turista passa e não vê o potencial da cidade”, diz o prefeito Rogério Santos (Republicanos).

O Parque do Valongo ganhou também um mirante com vista para o estuário e um terminal flutuante com capacidade para 25 lanchas. A prefeitura espera que o governo federal transfira nos próximos meses o terminal de passageiros de cruzeiros, que hoje funciona em um armazém interno do porto, para o Valongo.

Já a estação ferroviária do Valongo - a primeira aberta no Estado, em 1867 - abrigará o museu ferroviário.

Largo Marquês de Monte Alegre e outras vias emblemáticas do centro histórico de Santos passam por obras de revitalização até o primeiro semestre de 2025. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O prédio do Trem Bélico, construção colonial-militar do século 17, foi restaurado, assim como o outeiro de Santa Catarina, marco da fundação da cidade, cujas pedras foram usadas na construção do porto. Também estão em obras de restauração o Teatro Coliseu, que ocupa um prédio de 1909, e o Mercado Municipal, de 1910, onde funcionam lojas de alimentos e uma famosa cervejaria artesanal.

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Na parte antiga do centro: 95% da rede de telecomunicações foi embutida e 90% das calçadas estão reformadas, com acabamento em concreto. Atualmente as obras se concentram na Rua Tuiuti, remodelada para facilitar o acesso aos armazéns do porto, ao Museu Pelé e ao Museu do Café.

O prédio desse último, onde funcionou a Bolsa do Café, é de 1922 e tem acervo de obras de Benedito Calixto, expoente da pintura brasileira no início do século 20.

A rua terá guias em granito, calçadas de concreto desempenado (superfície acabada com desempenadeira), faixas em mosaico português nas cores branca, amarela e vermelha, gramados e arborização com 25 ipês amarelos e 29 palmeiras da espécie jerivá. O pavimento, de quase 4 mil m² de paralelepípedos, será refeito e terá inserções de paralelepípedo retificado e polido.

Os bancos de concreto terão formato de grãos de café, em alusão ao museu próximo. A iluminação será com lâmpadas de vapor de sódio fixadas em postes ornamentais. Com as obras prontas, a Rua Tuiuti vai se transformar no Bulevar Gênova, em homenagem à cidade italiana de onde partiu a maioria dos navios de imigrantes com destino ao Porto de Santos.

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As intervenções avançam também no Largo Marquês de Monte Alegre e nas ruas Antônio Prado, Comércio e Constituição, vias emblemáticas do centro histórico. O sistema viário está sendo adequado ao VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que ainda neste ano deve ter a linha estendida até o centro histórico e a área do Mercado Municipal. As obras de revitalização seguem até o 1º semestre de 2025.

As intervenções passam pela Rua XV de Novembro (que já foi conhecida como a Wall Street brasileira), com o prédio da Bolsa do Café e outros edifícios de arquitetura singular, além de bares e cafés. Envolve também a linha turística de bondes.

São 14 bondes antigos e devem chegar mais três. “Vieram da Itália, de Portugal, um deles é de Nagasaki, no Japão, e foi doado pela nossa cidade-irmã. É de 1953, mas temos mais antigos, como o da Escócia, de 1911″, diz o prefeito.

Transtornos das obras incomodam moradores

As obras vêm sendo feitas desde o início do ano e envolvem interdições de vias e desvios no trânsito, com impacto no comércio e na rotina da população. Moradores reclamam da coincidência das obras municipais com a construção da linha do VLT pelo Estado, ampliando transtornos, que incluíram alterações em linhas de ônibus. Dizem ainda que as obras agravaram as inundações na região central durante as chuvas.

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A prefeitura afirma que a situação é temporária e que a maior parte dos serviços que interferem na malha viária urbana já foi feita. Na tentativa de diminuir o incômodo, os serviços na Tuiuti foram divididos em quatro trechos, que vão do Largo do Marquês à Praça Barão do Rio Branco. Segundo o município, os serviços de drenagem que estão sendo realizados reduzirão o problema crônico dos alagamentos.

Obras estão sendo realizadas desde o início do ano, com interdições de vias e desvios no trânsito. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Ampliar áreas verdes é ponto de atenção, diz especialista

Para a engenheira ambiental Luíza Amancio, especialista em ciência e tecnologia do mar, obras de revitalização como as de Santos, quando visam a integrar a cidade com a população e seus turistas, são importantes.

“Por muitos anos, a população de Santos tem reclamado do abandono do centro histórico - e com razão. Na questão arquitetônica, o projeto parece adequado, quando promove melhor uso da zona histórica do município, se preocupa com acessibilidade, com objetivos de desenvolvimento sustentável”, diz.

A engenheira lembra, porém, que diversos estudos indicam que Santos é muito vulnerável às mudanças climáticas. “O próprio centro velho e a região do porto são altamente propensos à inundação permanente nas próximas décadas por conta do aumento médio do mar associado ao aquecimento global”, continua.

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“A prefeitura informa que um sistema novo de drenagem foi inserido na região, mas pelas imagens disponibilizadas no site, o que se percebe é que a pavimentação e o calçamento escolhidos podem dificultar o escoamento das águas, como já acontece”, alerta.

Outro problema, segundo ela, é o baixo número de áreas verdes no projeto. “São faixas de gramíneas e palmeiras, dispostas com função mais decorativa do que ambiental. Chama a atenção a forma escolhida para sustentar a estrutura do waterfront, com colunas grossas de concreto, e o conceito aberto que parece pouco efetivo durante eventos de ressacas e tempestades, comuns na região.”

A prefeitura diz que nenhuma área do porto foi atingida pelo avanço da maré e que o planejamento para prevenir e enfrentar as mudanças climáticas é baseado em estudos como o do projeto Metrópole, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que não prevê impacto do avanço do mar na faixa da cidade onde está o Parque Valongo.

Segundo a gestão municipal, Santos foi a primeira cidade do país a criar um plano municipal para combater efeitos do aquecimento global em 2016 e, em 2022, criou o Plano de Ação Climática de Santos, que traçou 50 metas a serem cumpridas entre 2025 e 2050. Uma das metas é plantar 10 mil árvores até o fim desta década – 4 mil já foram plantadas.

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Em 2018, em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi iniciado um projeto-piloto de proteção costeira. Para conter a erosão e recuperar parte da faixa de areia das praias da Aparecida e do Embaré, foi criada uma barreira submersa na Ponta da Praia, com 49 geobags. O resultado preliminar foi um aumento de 8,9 cm de altura da areia naquele trecho da praia e o projeto deve ser ampliado.

Cortiços no centro

Santos foi fundada em 1532, mas só na metade do século 19 ganhou maior relevância devido à construção da linha ferroviária para escoar pelo porto a produção de café do interior paulista. A incorporação de milhares de imigrantes europeus à força de trabalho do Estado, inclusive na atividade portuária, consolidou a elite local, que se estabeleceu no centro.

Em 1889, Santos tinha 15,6 mil habitantes e cerca de 2 mil casas. O Teatro Coliseu e a Bolsa do Café remetem a esse período de riqueza proporcionada pelo grão.

Museu do Café, onde funcionou a Bolsa do Café, é de 1922 e tem um acervo de obras de Benedito Calixto  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O crescimento da cidade trouxe também para o centro uma população que vivia dos serviços gerados pelo porto. Na virada do século, o centro de Santos tinha mais de 700 cortiços.

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Nas décadas seguintes, os moradores mais abastados foram deixaram o centro em direção às praias. O plano diretor de 1968 chegou a proibir a construção de prédios residenciais na região central, favorecendo o esvaziamento. Devido à quantidade dessas habitações, surgiu a Associação Cortiços do Centro (ACC), movimento que até hoje atua na defesa da moradia social.

O atual projeto de revitalização foi idealizado por Jaime Lerner, arquiteto, urbanista e político que foi prefeito de Curitiba e governador do Paraná, falecido em 2021. Com a decadência do centro, muitos bens históricos importantes ficaram abandonados.

O projeto do novo centro recebeu recursos do fundo estadual de apoio aos municípios turísticos e do governo federal. Também houve apoio de empresas que têm empreendimentos locais e, por lei municipal, assumem o compromisso de compensar eventuais impactos à cidade.

No Parque Valongo, a empresa portuária Cofco investiu R$ 15 milhões no restauro do armazém e revitalização do entorno. A Ecoporto aplicou R$ 5 milhões no píer e na parte náutica.

A Rumo está fazendo uma passarela de acesso ao waterfront e, segundo o prefeito, outras empresas se comprometeram com o restauro dos demais armazéns.

Correções

Diferentemente do informado na versão original do texto, a estação foi aberta em 1867.

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