Seis dias após o temporal que atingiu São Paulo na sexta-feira, 3, ainda há casas sem energia elétrica na maior cidade do País. Morador do Planalto Paulista, na zona sul, o personal trainer Eduardo Barbosa, de 28 anos, lamenta fazer parte dessa estatística. Mais do que isso: não vê a hora de falar sobre o apagão no passado. “Não aguento mais, é um absurdo ainda passar por isso”, diz.
Conforme a Enel, concessionária de energia elétrica, o problema já foi resolvido na maioria dos 2,1 milhões de endereços que chegaram a ficar sem luz na região metropolitana, mas cerca de 1,3 mil deles seguem no escuro. Nesta quarta-feira, 8, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que a Prefeitura vai processar a empresa pela demora para restabelecer o fornecimento.
“Acho que fui premiado”, afirma Barbosa. Com o sonho de cursar Medicina, diz ele, o pior é ser impactado pelo apagão justamente na semana do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que teve o primeiro dia de provas no domingo, 4. “Pelos gabaritos extraoficiais, fui bem no primeiro dia. Mas é no próximo que as disciplinas para Medicina pesam mais.”
A segunda parte do exame será daqui a três dias, quando vão ser aplicadas provas de Matemática e Ciências da Natureza. Formado em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP), Barbosa trabalha durante o dia e tem pouco tempo para estudar. Normalmente, dedica o período da noite para revisar os conteúdos, mas a rotina tem sido prejudicada. “Costumo usar o tablet para estudar, mas não consigo manter carregado mais”, disse ele, aluno de cursinho há dois anos.
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‘Entrei na frente do carro’
De ter que tomar banho gelado a jogar comida fora por não ter como ligar a geladeira, Eduardo relata muitos perrengues enfrentados ao longo da última semana. Em uma das situações mais extremas, chegou a parar uma equipe da Enel na rua para que técnicos fossem até seu endereço. “Entrei na frente do carro.”
Não adiantou muito. Os funcionários da concessionária, relata, até foram ao local, mas disseram que não podiam prestar o atendimento completo nem eram especializados no tipo de problema visto na rua – uma árvore caiu e danificou alguns postes de energia, segundo ele.
A orientação foi que Barbosa e os vizinhos, moradores da Avenida Moaci, teriam de esperar o encaminhamento de uma equipe pela central de atendimento da Enel. “Temos ligado todo dia, até mais de uma vez, o problema é que nunca mandam equipes.”
Segundo ele, para alguns chamados até deram o problema como resolvido, o que o revoltou ainda mais. Além da casa dele, pelo menos mais dois endereços da rua permanecem no escuro. “A gente vive como se fosse neandertal”, desabafou o personal trainer.
Rotina de banho gelado
Sem saber mais o que fazer, moradores da região se acostumaram com uma rotina que envolve banho gelado e comer fora de casa. O celular carregam onde dá. Dia desses, Eduardo relata que chegou até a dormir no banco de trás do carro, com receio de o aparelho descarregar e ele se atrasar para o trabalho. “Precisava do despertador para acordar para dar aula”, disse. O celular ficou carregando no acendedor de cigarro.
Procurada para comentar o caso, a Enel afirmou, em nota, que uma equipe técnica seria enviada ao local. Após o fotógrafo do Estadão ir à rua na noite de quinta, uma equipe da concessionária chegou ao endereço, mas a luz não havia voltado até a publicação da reportagem.
Cerca de 1,3 mil clientes estão sem fornecimento desde a última sexta-feira na Grande São Paulo, segundo a Enel. “Técnicos seguem trabalhando desde a madrugada em uma ocorrência complexa que envolve árvores e a substituição de postes em Cotia e Embu (na região metropolitana) para restabelecer a energia”, afirmou.
Ainda segundo a Enel, diante da complexidade das ocorrências registradas, o trabalho da companhia tem contado com uma força-tarefa formada por mais de 3 mil técnicos, que estão em campo 24 horas por dia. “Em paralelo, a empresa também segue atuando para normalizar cerca de 30 mil registros de falta de luz originados nos dias seguintes à tempestade”, acrescentou a concessionária.
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