SÃO PAULO - Após 14 dias de protesto nas ruas, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e os prefeitos de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e do Rio, Eduardo Paes (PMDB), cederam à pressão popular e anunciaram a revogação do aumento de tarifas de ônibus, trens e metrô, que entrou em vigor no início do mês. Na capital paulista, a passagem de transporte público - atualmente em R$ 3,20 - voltará a R$ 3 na segunda-feira, como antecipado pelo Estado. Já para os coletivos da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), ainda não havia definição até as 21h.
Após cenas de choro e gritos de alegria, com o anúncio da redução, os líderes do Movimento Passe Livre (MPL) mantiveram o ato previsto para esta quinta-feira, 20, na Avenida Paulista, mas destacaram que deverá ser pacífico. À noite, um grupo com cerca de mil pessoas resolveu "festejar" na Avenida Paulista. "A única forma de transformar a realidade é com as pessoas se mobilizando e saindo às ruas. O que tivemos hoje foi uma vitória popular. A gente se organizou, saiu às ruas e, sem baixar a cabeça para nenhum governante, nenhuma empresa, nenhum político, o povo por si só, com sua força, conseguiu baixar a tarifa. Se o povo conseguiu isso, consegue muito mais", afirmou o estudante Caio Martins, de 19 anos, que integra o Passe Livre desde 2011.
Com apoio desse grupo e considerando ainda diversas motivações - do combate à corrupção até as queixas quanto ao uso de dinheiro público em estádios da Copa -, haverá manifestações hoje em pelo menos 10 capitais e em Brasília. Uma delas terá como alvo o Palácio do Planalto, o que obrigou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) a montar às pressas uma operação para monitorar a internet. Ontem, houve protestos na periferia de São Paulo e em cidades do Ceará, do Maranhão e do Rio.
Justificativas. Para justificar a redução, Alckmin alegou que a decisão serviu para que "temas legitimamente levantados pudessem ser debatidos com tranquilidade". "A primeira e nossa total prioridade é o transporte coletivo, estimular o transporte coletivo", disse, ressaltando que haverá um "sacrifício grande" para São Paulo. "Vamos ter de cortar investimentos."
Haddad falou da necessidade de sacrificar investimentos e disse que se trata de "um gesto de aproximação, de abertura, de entendimento, de manutenção do espírito de democracia, do convívio pacífico". Ele destacou que a medida foi tomada após reunião com o Conselho da Cidade, grupo de notáveis que, anteontem, apoiou a revogação do aumento. "Precisamos agora abrir a discussão sobre as consequências da decisão, para hoje e para o futuro", disse o prefeito.
Seis horas antes, ao fazer um balanço dos prejuízos causados ao Edifício Matarazzo durante a invasão de terça-feira, Haddad havia adotado tom diferente, dizendo que a redução da tarifa dialogaria com o populismo. "As pessoas têm de compreender que essas escolhas são difíceis para o governante, que a coisa mais fácil do mundo é você agradar no curto prazo. É você tomar uma decisão de caráter populista, sem explicar para a sociedade implicações das decisões que você está tomando."
O prefeito também havia afirmado que tinha duas alternativas para reduzir o preço da passagem. "Ou cortamos de outras áreas ou avançamos na política de desoneração." Durante a coletiva, o petista deu a entender que optaria pela desoneração de impostos na área de transporte público - que deve ser discutida no Congresso. E lembrou que os reajustes que entraram em vigor no dia 2 já foram amenizados pela medida provisória do governo federal que desonerou PIS/Cofins.
Consequências. O impacto econômico da medida ainda precisará ser detalhado nos próximos dias. "Agora, com o orçamento que nós temos, fomos a um patamar de subsídio da ordem de R$ 1,250 bilhão", disse o prefeito. Conforme números apresentados terça-feira, os R$ 0,20 a menos representam, nas contas dele, um acréscimo de cerca de R$ 200 milhões nos gastos da Prefeitura neste ano. Já em relação ao Estado, a manutenção da tarifa em R$ 3 exigirá pelo menos R$ 210 milhões/ano em investimentos da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
No plano federal e político, porém, a redução pode ter efeito contrário. No combate à inflação, a revogação do aumento deve render um alívio de pelo menos 0,21 ponto porcentual no índice oficial de inflação, refletindo neste e no próximo mês - como a medida pode ser adotada "em cascata" por outras cidades, o alívio pode ser maior.
Para especialistas ouvidos pelo Estado, a qualidade do serviço de metrô, trem e ônibus se manterá estável com a redução do preço da tarifa. Isso, porque os protestos - que ainda mostraram o poder de reunião via redes sociais - tornaram as pessoas mais ciosas da questão e o ônus político de sua deterioração tende a ser cada vez maior.
Haddad ainda teve aval político para a redução da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem se reuniu terça. /ARTUR RODRIGUES, BRUNO RIBEIRO, CAIO DO VALLE, CARLA ARAÚJO e GUSTAVO PORTO
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