O Estado de São Paulo registrou um recorde histórico de ataques de escorpiões em 2023, com 49.381 casos, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. O número de ocorrências é o mais alto desde 1988, quando foi iniciada a estatística, e 13% maior do que o recorde anterior, em 2022, quando houve 43.817 casos.
Nesta terça-feira, 30, uma criança de 6 anos foi internada em estado grave, após ser picada por um escorpião, em Votorantim, interior de São Paulo. No último dia 13, também atacado, um bebê de 1 ano morreu em Sorocaba. O verão é o período mais propício para a proliferação de escorpiões.
Os dados do Centro de Vigilância Epidemiológica (CEV) da pasta indicam que os acidentes com escorpiões estão em crescimento contínuo em território paulista.
De 738 casos em 1988, o número evoluiu para 2.379 em 2000, chegou a 15.340 em 2015 e saltou para 36.109 em 2020. Houve uma queda em 2021 para 27.206, mas o CEV acredita que muitos acidentados não procuraram os serviços de saúde devido à pandemia de covid-19, gerando subnotificação, já que no ano seguinte o avanço foi retomado.
Em relação aos óbitos, houve queda no número este ano em comparação com o ano passado. Foram 7 óbitos em 2023 contra 11 em 2022.
Desde 2011, quando não houve nenhuma morte no Estado, a letalidade por escorpiões vem se mantendo em patamar elevado, com média de 7 mortes por ano – o recorde aconteceu em 2018, com 13 óbitos.
No País, segundo o último boletim do Ministério da Saúde, em 2021 foram registrados 159.934 acidentes com escorpiões, resultando em 133 mortes.
Amarelo e marrom
A partir de 2010, a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), órgão da secretaria, desenvolveu um sistema de informação on-line para monitorar as notificações sobre os escorpiões.
- As espécies com mais acidentes são o escorpião-amarelo (Tityus serrulatus) e o marrom (Tityus bahiensis). Eles são encontrados em todas as regiões do Estado. As faixas etárias de adultos e idosos são as mais acometidas por picadas, mas o grupo etário que mais sente a ação do veneno são crianças – a cada 10 acidentadas, uma evolui para quadro clínico grave.
No caso de Votorantim, a menina de 6 anos que foi picada acordou chorando, com dor no pé. Ao examinar a cama, a mãe encontrou o escorpião junto ao corpo da criança.
A menina foi levada a uma unidade de saúde e transferida para o Conjunto Hospitalar de Sorocaba. Nesta quarta, ela estava entubada e permanecia em estado grave.
Na mesma rua em que mora a família dela, um menino de 12 anos também foi picado, passou por atendimento em uma unidade de saúde e teve alta. A prefeitura informou que realiza uma ação de controle no Jardim Serrano, bairro onde moram as crianças atacadas.
Em Sorocaba, o bebê de 1 ano deu entrada no pronto-socorro do Conjunto Hospitalar com sinais de cianose e parada cardíaca, segundo o hospital. Familiares, que moram no Jardim Santa Esmeralda, informaram terem encontrado escorpiões na casa.
A causa da morte foi confirmada pela Vigilância Epidemiológica de Sorocaba no último dia 15. Segundo a prefeitura, a cidade não registrava óbitos por ataque de escorpião desde 2019. O serviço de zoonoses enviou equipes ao bairro para detectar possíveis focos do aracnídeo.
Soro
De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, existem 213 pontos estratégicos com soro antiveneno para atender acidentes com escorpiões em todo o Estado. As unidades foram distribuídas geograficamente de forma a reduzir o tempo entre a picada e o tratamento do acidentado.
Para que as vítimas, especialmente as crianças de até 10 anos, sejam atendidas rapidamente, os pontos estão localizados em locais que permitem acesso em até 1 hora e meia após o acidente.
Pesquisadores apontam que o aracnídeo temido pelos humanos desempenha papel importante no equilíbrio do ecossistema natural.
De acordo com o pesquisador científico Fabrício Escarlate, professor do Centro Universitário de Brasília (Ceub), embora sejam considerados um problema para a saúde pública, os escorpiões fornecem um serviço ambiental importante, controlando outros organismos problemáticos, como baratas e lacraias.
Ele lembra que os escorpiões têm hábitos noturnos e possuem aversão à luz, preferindo viver em fendas e cavidades escuras.
Conforme o pesquisador, os escorpiões se adaptaram ao ambiente urbano devido à oferta de alimentos e recursos que favorecem sua sobrevivência. Acúmulo de entulhos, matéria orgânica e resíduos são propícios para a proliferação das espécies, especialmente o escorpião amarelo, o mais adaptado a esses locais.
“A limpeza desses ambientes é medida importante para prevenir a presença dos aracnídeos e reduzir os riscos associados às suas picadas”, disse.
- Os sintomas mais comuns da picada, segundo o especialista, se manifestam com sensação intensa de ardência e dor no local, podendo ocorrer inchaço, vermelhidão e coceira na região atingida.
Em casos mais graves, a reação evolui para febre e, em situações extremas, choque anafilático. O contato geralmente acontece quando a pessoa pisa ou toca acidentalmente no animal, gerando uma reação defensiva por parte do escorpião.
“Deve-se buscar imediatamente assistência médica, de preferência em hospital ou unidade de saúde adequada, já que, dependendo da gravidade, pode ser indispensável administrar soro antiescorpiônico”, recomendou.
Escarlate lembra que já existem pesquisas no Brasil relacionadas ao veneno do escorpião.
“O Instituto Butantan vem realizando análises da peçonha do escorpião marrom há cerca de cinco anos. Este campo oferece um amplo potencial de estudos, principalmente nas áreas farmacológica, médica e bioquímica. A neurotoxicidade da toxina presente no veneno abre perspectivas promissoras sobre o desenvolvimento de novos tratamentos para condições como o Alzheimer”, disse.
Conforme o Butantan, seus pesquisadores foram pioneiros ao descrever, em 2023, a composição do veneno do escorpião-marrom, espécie que causa envenenamentos de moderados a graves nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.
O trabalho possibilita o estudo das proteínas isoladas, o que pode ajudar a compreender os efeitos do envenenamento e até identificar moléculas com ação terapêutica.
Como reduzir o risco da picada de escorpião
- Manter jardins e quintais limpos, evitando acúmulo de entulho, folhas secas, lixo e materiais de construção próximos às casas;
- Limpar periodicamente os terrenos baldios vizinho, ao menos em uma faixas de um a dois metros junto à casa;
- Sacudir roupas e sapatos antes de usá-los;
- Não pôr as mãos em buracos, sob pedras e troncos podres;
- Usar calçados e luvas de raspas de couro quando for preciso colocar a mão e pisar em buracos, entulhos e pedras;
- Usar telas em ralos do chão, pias ou tanques.
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