SOROCABA – Preso em Abu Dhabi nesta quinta-feira, 13, em operação coordenada pela Polícia Federal, o empresário Thiago Brennand Fernandes Vieira, de 42 anos, se tornou réu por lesão corporal e corrupção de menores, após ser acusado de perseguir, agredir e ameaçar a modelo Alliny Helena Gomes, no dia 3 de agosto, em uma academia de São Paulo.
Como as agressões, registradas por câmeras de segurança, ocorreram na presença do filho do empresário e o menino, menor de idade, ofendeu a mulher, a promotoria considerou a prática de corrupção de menores.
Nesta sexta-feira, 14, o Ministério Público de São Paulo denunciou o empresário pelos crimes de estupro, cometido cinco vezes, cárcere privado, tortura e lesão corporal gravíssima contra uma vítima que diz que foi forçada a fazer tatuagem com as iniciais de Brennand. Em documento apresentado à Justiça estadual, a Promotoria ainda acusa o empresário de coação no curso do processo, constrangimento ilegal, por três vezes, ameaça, por quatro vezes, registro não autorizado da intimidade sexual e divulgação de cena de estupro ou sexo, cometido oito vezes.
Agressão na academia
Em vídeo de câmera de segurança de uma academia no Shopping Iguatemi, em São Paulo, é possível ver Brennand se aproximando e discutindo com Helena. Quando um casal de instrutores e uma segunda cliente tentam protegê-la, ele parte para cima dos três e cospe em Helena. De acordo com a mulher, as agressões foram motivadas porque o empresário teria tentado um encontro, mas ela não quis. O caso foi revelado pelo programa Fantástico, da TV Globo.
Em entrevista ao Estadão nesta sexta, Helena Gomes ela afirmou estar aliviada “pelas outras vítimas” após a prisão de Brennand. “Estou aliviada por poder dar um retorno para todas as pessoas que confiaram em mim.”
Questionada se sente segura com o empresário detido, a modelo disse que que “há muita coisa pela frente”. “No momento ele foi preso. Mas a minha tranquilidade vai ser por quanto tempo? Eu acho que agora, o cumprimento desse primeiro mandado, vem apenas como uma resposta da Justiça, de que ‘estamos olhando para esse caso e para o que está acontecendo’”, afirmou.
Estupros e tatuagens à força
Depois que o caso da modelo veio à tona, ao menos 10 mulheres procuraram a Justiça afirmando que foram agredidas física, sexual ou verbalmente, ou ameaçadas por Brennand. As agressões incluiriam estupros e tatuagens forçadas com as iniciais do empresário.
A tomada dos depoimentos das vítimas começa na segunda-feira, 26, no Núcleo de Atendimento à Vítima de Violência (NAV) do Ministério Público de São Paulo. Um dos casos está em investigação acompanhada pelo MP de Porto Feliz, interior de São Paulo.
A vítima, uma jovem pernambucana, foi mantida em cárcere privado, estuprada e obrigada a se submeter a uma tatuagem com as letras TFV, as iniciais do nome do empresário.
A denúncia do Ministério Público paulista nesta sexta-feira também atingiu o tatuador que foi responsável por gravar iniciais do empresários na vítima. Ele é acusado pelos crimes de tortura e lesão corporal gravíssima.
Intimidação a promotora
Em junho, Brennand foi acusado de tentar intimidar uma integrante do Ministério Público de São Paulo que deu parecer pelo arquivamento de uma denúncia dele contra uma mulher por suposta extorsão e denunciação caluniosa. Em e-mail enviado à 2ª Vara Criminal, ele intimidou uma promotora alegando que tomaria medidas junto aos órgãos da Corregedoria, caso não desse andamento à denúncia apresentada por ele.
Contrariando a regra de que as manifestações devem acontecer nos autos do processo, no dia 21 de junho, ele enviou mensagem para o e-mail da promotora pública Daniela da Silveira Fávaro contestando o parecer pelo arquivamento. “V.Exa negou por duas vezes o prosseguimento de inquérito policial, com duras e robustas provas, atacando frontalmente todo o sistema judiciário brasileiro. É dizer: se a mim me for negado o direito à continuidade do inquérito, e de produção de provas, uma vez avaliadas as provas produzidas naquele exíguo espaço de tempo do apuratório em tela, qual outro inquérito policial merece prosperar?”, escreveu.
Em outro ponto, ele afirma que a promotora “maculou” sua honra. “Disse que a versão da vítima, no caso eu, não condizia ‘minimamente’ com a verdade e ainda me classificou como moleque, no parágrafo final, aduzindo que eu deveria resolver minhas pendengas como adulto, sem desperdiçar o erário através do mau uso do Poder Judiciário.”
A promotora Daniela Fávaro juntou o e-mail encaminhado por Brennand ao processo e anotou que “a convicção desta Promotora de Justiça não será modificada em decorrência de ameaça de ataque à sua independência funcional, bem como que eventual desarquivamento somente seria possível com a apresentação de novas provas, aptas a demonstrar a ocorrência dos crimes que se processam mediante ação penal pública”.
Agressão a garçom
O empresário também é acusado de agredir um garçom no interior do condomínio em que possui uma mansão, em Porto Feliz. O rapaz teve a moto fechada pelo carro do empresário quando saía do trabalho, no Hotel Fasano, em maio deste ano, e recebeu socos na cabeça. A agressão é apurada em inquérito pela Polícia Civil.
Vitor Igor Rodrigues Machado, de 26 anos, contou ao Estadão que tinha saído do trabalho, no restaurante Fasano, por volta das 23 horas de 11 de março deste ano e seguia para casa em sua moto. Quando se aproximava da portaria 2 do condomínio, notou que um carro estava dando sinal de luz para que parasse. “Pelo retrovisor da moto, vi a Land Rover dele e fui parando. Aí ele me fechou e começou a xingar de ‘vagabundo, quem você pensa que é para passar correndo em frente da minha casa’. Eu estava a 25km ou 26 km por hora, pois lá é máxima de 30km/h, e se a gente passa, recebe multa. Tentei explicar, falando que trabalho na fazenda há cinco anos e nunca fui multado.”
Conforme seu relato, os xingamentos continuaram. “Ele estava exaltado e continuou me humilhando, dizendo que eu era marginal, que não era para estar ali. Ele me tratou como um cachorro e me obrigou a dar a habilitação para ele. Eu tinha parado a moto e tirado o capacete para conversar com ele, que continuava a me xingar. Aí chegou o supervisor da segurança, que tinha ouvido os gritos. Ele entregou minha habilitação para o segurança e disse que não queria mais que eu entrasse na fazenda. Disse que ia falar com o restaurante para me colocar para fora, para não pôr mais os pés lá.”
Na frente do segurança, Igor diz que começou a ser espancado. “O primeiro soco pegou na testa, no olho, no rosto e meu nariz começou a sangrar. Depois deu mais um golpe na região da nuca e me pegou pelo pescoço. Ficaram as marcas dos dedos. Meu capacete, que estava na moto, caiu e ele me largou. O segurança mandou que eu corresse para a portaria para não apanhar mais. Ele foi atrás e começou a me xingar de novo, dizendo que eu era marginal, vagabundo.”
Buscas na residência
Durante as investigações, a polícia realizou buscas na residência de Thiago Brennand, no condomínio do interior, e apreendeu apenas acessórios e munições. As armas, que tinham sido vistoriadas um mês antes pelo Exército, não foram localizadas durante a busca.
Após a operação, o Exército suspendeu o certificado de registro de CAC (colecionador, atirador e caçador desportivo), que permitia a Thiago manter armas em casa.
O pedido de prisão e a captura
Brennand foi preso nesta quinta-feira, 13, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. A prisão havia sido decretada pela juíza Érika Soares de Azevedo Mascarenhas, da 6.ª Vara Criminal de São Paulo, depois que ele descumpriu ordem judicial para entregar seu passaporte até o dia 23 de setembro.
Após ser dado como foragido, o empresário teve o nome incluído na lista vermelha da Interpol. Esta semana, um pedido de habeas corpus apresentado pela sua defesa foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
“A prisão se deu em razão da difusão vermelha e dos contatos realizados pela Polícia Federal, em especial da recém-criada Adidância da PF na Jordânia, para o cumprimento da medida. O detido, agora, permanecerá em Dubai aguardando os trâmites relativos ao processo de extradição”, informou a Polícia Federal em nota.
Defesa
O advogado Ricardo Sayeg, de um dos escritórios de advocacia que defendem Brennand, disse que não poderia dar informações sobre o caso.
Em publicação em um canal do YouTube, na madrugada de terça-feira, 11, o próprio Brennand se manifestou em sua defesa. “Quem é hoje Thiago Brennand? Talvez um inimigo público, talvez um sociopata, talvez um estuprador. Será mesmo?”, disse.
Na gravação, ele afirma que nunca teve qualquer antecedente criminal e não respondeu a nenhum processo. Ele assegura que tem provas para rebater todas as acusações e se diz perseguido. “Vocês vão pagar por tudo o que perdi aí. Estou absolutamente tranquilo. Não estou fugindo. Vocês mexeram com a pessoa errada”, disse.
Outros casos
Vídeo divulgado no Blog de Fausto Macedo, do Estadão, mostra o empresário vandalizando uma oferenda típica de religiões de matriz africana. De acordo com as imagens haveria pelo menos duas pessoas com ele.
Filmado por um terceiro, Brennand se aproxima de uma oferenda em uma estrada, pega a garrafa que está no chão, joga para longe, e em seguida chuta o cesto ao lado. Ele afirma que “isso é xixi ou cerveja” e diz “não quero cheirar isso aí não”, afastando-se do local. Um outro rapaz, que o acompanha, cospe sobre o objeto.
Em caso revelado pelo Fantástico, um primo do empresário o acusa de de ter lhe enviado um caixão com coroa de flores quando descobriu que fora diagnosticado com câncer. “Jason, do câncer, Cancinho. Descanse em paz’, dizia a mensagem. Ele me chama de Cancinho”, contou o primo ao Fantástico. Segundo ele, Thiago ainda teria feito piadas com a sua doença em áudios enviados por um aplicativo de mensagens: “Já tá todo mundo sabendo da metástase, Cancinho. Que pena, hein? Parece ferrugem no teu corpo.” Colaborou Pepita Ortega
Correções
Inicialmente, a PF informou que a prisão teria sido feita em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Em seguida, retificou a informação e afirmou que a captura se deu em Abu Dhabi, capital daquele país.
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