Poucos dias antes de completar um mês da tragédia que atingiu a comunidade Vila Sahy, no litoral norte de São Paulo, o Instituto Verdescola voltou a receber crianças e adolescentes em busca de reforço escolar – e agora também acolhimento para superar traumas. As salas de aula deixaram de ser alojamentos, a cozinha não mais precisou alimentar centenas de famílias, mas as marcas ficaram. Dos 64 mortos no bairro, 23 eram crianças.
Maria Antonia Civita, fundadora da ONG e nome conhecido na região por seu trabalho de apoio a escolas, não estava no Brasil na noite de 19 de fevereiro. Foi a filha Isabel Teixeira, que estava no litoral, quem organizou os primeiros atendimentos. O que era escola virou área de bombeiros, cirurgias e corpos. “Nos primeiros dias, chegavam do morro pessoas com braço quebrado, tinha de operar lá mesmo. Numa calamidade, ou você senta e chora, ou você faz”, diz ela, que chegou dos EUA dois dias depois.
A ONG fincada na comunidade pobre de Vila Sahy começou há cerca de 20 anos, quando um líder comunitário pediu a Maria Antonia computadores para que as crianças tivessem o que fazer quando não estavam na escola. Uma salinha de computação foi então montada na associação de moradores, com equipamentos vindos da Editora Abril, presidida na época pelo seu marido, Roberto Civita, que morreu em 2013. “Eu nunca imaginei que iria atuar no litoral.”
Na semana passada, as aulas no Verdescola foram retomadas com cerca de 700 alunos, que têm entre 4 e 14 anos. A caseira Sandryne Motta conta que as filhas Maria Vitoria, de 10 anos, e Manoela, de 7, estavam ansiosas para rever os amigos e professores do instituto.
“Fizemos rodas e cada um falou o que estava sentindo”, conta Maria Vitória. Três amigos morreram na tragédia. A casa da família foi tomada por 1,5 metro de água e móveis, eletrodomésticos, roupas e brinquedos foram perdidos. “Consegui só salvar os meus filhos”, diz Sandryne, que tem também um bebê, e veio do Paraná para procurar trabalho.
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A volta das atividades do Verdescola, para ela, ajuda as crianças a ter segurança e a retomar a rotina. “Minha filha já leu 23 livros e queria muito voltar à biblioteca”, conta a mãe. As meninas passam todo o tempo que não estão na escola na instituição. Nos dias que sucederam a tragédia, era comum o comentário entre os moradores da comunidade de que até a casa da “dona do Verdescola” havia sido atingida. A construção só não foi inteiramente destruída, segundo ela, porque bambus plantados pelo vizinho seguraram a lama. Mas a edícula desmoronou e matou Douglas Milcheski, de 18 anos – que atuava também no Verdescola.
Nova fase
Maria Antonia responsabiliza as mudanças climáticas pela chuva recorde. E acha que a tragédia em uma das praias mais bonitas do Estado, frequentada por aqueles com mais dinheiro, mas com um grande abismo social, vai ajudar a conscientizar governantes e população. “Acho que vai ser uma nova fase.”
Ela se diz contra a verticalização, ideia que faz parte de um projeto derrotado da prefeitura de São Sebastião, prevendo prédios mais altos nas praias. “O foco agora é tentar reconstruir de uma maneira inteligente e digna. Não é colocar uma família de seis pessoas em 50 metros quadrados.”
Depois que começou a circular a informação de que o Verdescola havia se tornado o centro de acolhimento, o local recebeu R$ 13 milhões em doações. Uma parte foi usada com compra de comida, água, remédios, montagem de alojamentos, banheiros químicos e pontos de internet. O restante, segundo a ONG, vai para atendimento psicológico da população, educação preventiva sobre áreas de risco e eventual compra de móveis e eletrodomésticos para os milhares de desabrigados. Maria Antonia divulgou publicamente o balanço de quanto o instituto recebeu, e a destinação programada.
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